Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Wiesbaden 1976. Foto: A.A.Bispo ©




Wiesbaden 1976
Fotos: A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 147/11 (2014:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3066





  Gustav Freytag (1816-1895) e estudos euro-brasileiros
De initiis scenicae poesis apud Germanos
e
A Noite de São João de Elias Álvares Lobo (1834-1901)
em interações com projetos referentes à Ópera Nacional em 1975


Débito e Crédito - 1974-2014. Época de balanços e reajustes.
Revendo inícios de interações euro-brasileiras na procura de esclarecimentos em situações complexas de heranças culturais

 


Wiesbaden 1976. Foto: A.A.Bispo ©
Os anos de 2012 e 2013 foram marcados por comemorações dos irmãos Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) em várias cidades e regiões da Alemanha, e que devem ter continuidade em 2014 e em 2015.


Sobretudo cidades do norte de Hessen, a rota das estórias alemãs (Deutsche Märchenstraße) e a cidade de Kassel destacam-se nesses empreendimentos que, em 2013, relembraram a data de falecimento de Jacob Grimm há 150 anos.


Nos estudos filológicos e culturais - e no Brasil em especial para aqueles da área dos estudos de Folclore - já há muito foi reconhecido o significado dos irmãos Grimm para o despertar das atenções e para a coleção de estórias, lendas e para o reconhecimento do valor do patrimônio cultural popular no século XIX. (Veja http://www.brasil-europa.eu/Paises/Alemanha.html)


No início dos esforços voltados à intensificação de cooperações também na área dos estudos de tradições culturais e de concepções das respectivas disciplinas entre a Alemanha e o Brasil a partir de 1974, incentivados por Rossini Tavares de Lima,
Wiesbaden 1976. Foto: A.A.Bispo ©
Presidente da Associação Brasileira de Folclore, procurou-se obter maiores conhecimentos a respeito dos pensadores da época dos irmãos Grimm ou por êles influenciados na sua respectiva contextualização cultural e mesmo político-cultural.


Essas iniciativas correspondiam aos anelos de revisão de conceitos e definições sentida no Brasil como necessária, sobretudo sob uma perspectiva direcionada a processos e não a esferas culturais.


As propostas então sugeridas de reconceituação do objeto dos estudos do Folclore no sentido de uma cultura espontânea não pareciam superar essas dificuldades de definição de disciplinas segundo categorizações do objeto.


Como preconizada pela sociedade fundada em 1968, tratava-se antes de dirigir a atenção primordialmente a processos culturais. Esses, como o demonstrava a recepção dos irmãos Grimm no Brasil, deveriam ser considerados em relações internacionais.


Os anelos e procedimentos de Grimm e daqueles que por êles foram motivados tiveram pressupostos culturais, inscreveram-se em determinadas configurações epocais, levaram a consequências e estas necessitariam ser consideradas também sob a perspectiva de sua recepção no Brasil. Uma renovação de concepções disciplinares apenas pode ser alcançada, assim, através de reflexões recíprocas em cooperação internacional.


Relembrando em 2013 a atenção despertada a Gustav Freytag em 1976


Modinha Elias Alvares Lobo
O nome de Gustav Freytag, originário de Kreuzburg, Silésia, surgiu por diversos caminhos no início dos contatos e estudos voltados a essas relações entre o Brasil e a Alemanha.


Em 2013, o seu nome foi relembrado no início dos ciclos de estudos inaugurado em Wiesbaden, onde o escritor passou a viver no fim de sua vida, ali falecendo, e onde se encontra monumento em sua memória.(Veja)


Escritor e historiador cultural, pesquisador e colecionador de bens culturais, estórias e cantos populares, aqui u.a. juntamente com Hoffmann von Fallersleben (1798-1874), Gustav Freytag revelou-se apenas gradualmente como de particular significado para os estudos culturais também nas suas referenciações brasileiras.


Embora tendo sido autor de obras muito lidas no passado na Alemanha, caiu no esquecimento após a Segunda Guerra, e o seu significado sob a perspectiva do Brasil não pôde ser reconhecido de imediato.


A atenção a seu nome foi despertada sobretudo no contexto de viagem de estudos a Coburg por ocasião do Centenário dos Festivais de Bayreuth, em 1976, quando tornou-se evidente o seu significado na esfera intelectual, artística e político-cultural centralizada no vulto de Ernst II, Duque de Saxe-Coburg e Gotha (1818-1893) (Veja).


Essa viagem deu-se na procura do contexto em que se inscreveu Adolf Maersch, músico que atuou no Brasil à época dos intentos de criação de uma ópera nacional e que posteriormente apresentou-se na Alemanha como "mestre-capela imperial brasileiro" com uma ópera de título "um dia na fortaleza de Coburg" (Ein Tag in der Festung Coburg). Que Maersch já há muito estava próximo a Ernst II, isso indica o fato de ter elaborado musicalmente temas da ópera Zayre deste soberano.


Evidenciou-se, assim, que Maersch - e sua atuação no Brasil - deveria ser situada no contexto político-cultural da revolução de 1848, sufocado em geral, mas que encontrou em Coburg um centro de apoio a anelos da burguesia liberal e da união nacional alemã para além da diversidade dos pequenos estados e do qual Gustav Freytag foi o seu mais destacado representantes com o seu livro Soll und Haben (1855).


Como líder político na Sociedade Nacional Alemã, engajado defensor de ideais de união nacional na Assembléia Geral de Coburgo em 1860, soube conquistar o respeito de Ernst II.


A função do Poeta na dedicatória a Ernst II do Soll und Haben


"Era uma tarde sorridente de maio no Kallenberg. (...) Nessa tarde, Sua Alteza, apoiado nas pedras do velho muro do palácio, contemplava cheio de preocupações os campos férteis até à distância envolta em penumbras. O que o meu nobre príncipe então disse: para além das agitações dos últimos anos, da falta de coragem e da exaustão da nação, e sobre a profissão do poeda que justamente nesses tempos deve mostrar ao povo um espelho de sua diligência para a sua recreação e elevação - essas foram palavras de ouro, nas quais se manifestavam uma grande consciência e um quente coração, e elas ressoarão por muito tempo no coração do ouvinte. Desde essa noite tive o desejo de ornamentar o livro que já há muito queria escrever com o nome de Sua Alteza. (...)

Nem todas as épocas pode-se conseguir o alcance da forma mais nobre a dar-se ao belo, mas em todas o escritor inventivo deve ser verdadeiro perante a sua arte e seu povo. Procurar essa verdade e defendê-la quando a encontro, vejo como a minha tarefa de vida." (Widmung, Soll und Haben, Leipzig 1855)


Para ambos os lados, para a Alemanha e para o Brasil, pareceu valer as palavras aqui expressas em época na qual, após exaustão de meados do século, surgia como tarefa do escritor "mostrar ao povo um espelho de sua diligência para a sua recreação e elevação".


Essa função, manifestada no romance de Freytag, correspondia a uma nova consciência da burguesia em prosperidade, com as suas repercussões na vida cultural, com a valorização da livre iniciativa, dos direitos de associação, do valor do trabalho na ascensão social e da união nacional, anelos possibilitados em Coburg sob a liderança de um soberano de tendências liberais.


O nome de Gustav Freytag encontra-se presente na montanha da fortaleza de Coburg, na denominação de fontes e caminhos e em muitos outros marcos que rememoram as suas estreitas relações com Ernst II. Na sua obra refere-se frequentemente a Coburg, entre outros no Ingo und Ingraban, onde descreve a construção da fortaleza de Coburg, o Idisburg.


Várias de suas obras dramáticas foram representaeas em Coburgo, entre outras Kunz von der Rosen (1841) e  Die Valentine (1847). Como historiador cultural e da região, destacou-se com estudos voltados ai passado alemão (Bilder aus der deutschen Vergangenheit).


No seu convívio em Coburg, Gustav Freytag necessariamente teve contato com questões relacionadas com o Brasil, sobretudo através do viajante e escritor de relatos de viagens F. Gerstäcker (1816-1872), amigo e protegido de Ernst II, autor de obras em que salientou os problemas da realidade da vida de colonos, advertindo os emigrantes quanto a ilusões. (Veja)


Foi êle que estabeleceu o contato entre Friedrich Gerstäcker e o Duque, participando ao escritor de relatos de viagens ser admirado por Ernst II e que havia visitado a América do Norte a América do Sul, Califórnia, Tahiti e Austrália entre 1849 e 1852. Os elos entre Gerstäcker e Coburg foram tão estreitos que o escritor passou a residir no parque do palácio Rosenau a partir de 1854, participando da sociedade político-literária de Ernst II.


Nessa moradia, chamada de Schweizerei, o escritor produziu romances de aventuras e de países distantes, como Die beiden Sträflinge (1856) e Herrn Mahlhubers Reiseabenteuer (1857).


Gerstäcker e a desilusão de sonhos de vida nas colonias


Cinco anos após a publicação de Soll und Haben de Gustav Freytag, Gerstäcker realizou uma viagem à América do Sul, visitando regiões com colonias alemãs. Publicou os resultados dessa viagem no livro 18 Monate in Südamerika, em três volumes, no qual também adverte aqueles que desejavam emigrar, mencionando agruras da vida nas colonias.


Essas relativações de expectativas por demais positivas de emigração ao Brasil sugerem um desapontamento do viajante no contato com a realidade colonial e, assim, de sonhos que acalentava desde a sua juventude. Esse procedimento correspondia também à função do escritor e da tarefa de vida exposta por Gustav Freytag na sua dedicatória a Ernst II, na qual se compremetia à verdade perante a sua arte e o povo.


A desilusão de Gerstäcker quanto às expectativas românticas da emigração no contato com a realidade não têm sido consideradas à altura como sinal de uma mudança no espírito do círculo político-literário de Coburg. Elas deveriam ser estudadas sob a perspectiva de relações entre a Cultura e a Natureza, como sintomas de uma transformação de anseios de uma vida distante de grandes centros e do ambiente artificial e convencional da vida social e cultural, do cultivo do isolamento e do retiro.


O entusiasmo pelas viagens e seus relatos, pela vida em liberdade de viajantes que determinam os seus próprios rumos que se criou no ambiente de Coburg relacionou-se assim estreitamente com idealizações de emigração ao Brasil da época do entusiasmo pelos ideais revolucionários burgueses liberais e nacionais, mas, a seguir, com uma desilusão que acentuou um direcionamento da atenção à própria terra e seus valores culturais.


Foi após este seu livro com relatos de suas experiências no Brasil que realizou-se a viagem de Ernst II à África, inaugurando uma fase de particular florescimento desse tipo de literatura na Alemanha. Essa literatura de viagens, estas encerradas com uma grande excursão pela América do Norte, México, Caribe e Venezuela, em 1867, popularizou-se sobretudo por artigos mais curtos, em parte escritos durante as viagens, enviados do Exterior e publicados em revistas populares de grande difusão.


De initiis scenicae poesis apud Germanos e a festa de S. João


A principal relevância de Gustav Freytag para estudos relacionados com a vida cultural e musical do Brasil de meados do século XIX revelou-se porém das suas próprias concepções histórico-culturais e posições quanto às origens e os fundamentos do drama nacional alemão.


Essas suas concepções precisam ser compreendidas a partir de sua formação em regiões do Leste, tendo frequentado o ginásio de Oels e estudado Filologia em Breslau. Estudou a partir de 1836/37 em Berlim.


A sua dissertação de doutoramento de título De initiis scenicae poesis apud Germanos, apresentada em 1838, sugere o caminho que permite reconhecer o maior significado de Freytag para os estudos brasileiros.


O autor procurou aqui demonstrar que o início do drama alemão não se encontrava na Antiguidade clássica, mas sim teria sido resultante de práticas populares de festas de colheita originalmente germânicas, amalgamadas com concepções cristãs da festa de São João.


Essas festas juninas, assim, não teriam nas suas expressões elos com a mitologia antiga, mas representariam transformações ocorridas com a cristianização de práticas e expressões festivas germânicas, ou seja, autóctones.


Essa interpretação de origens do drama nas antigas festas de colheita germânicas cristianizadas na festa de São João pelo solstício de verão precisam ser consideradas à época e no contexto em que foi desenvolvida. Tornam-se comprensíveis perante anseios de distanciamento perante supravalorizações da Antiguidade Clássica em meios conservadores aristocráticos da época da Restauração.


Nessa sua contextualização político-cultural, essa interpretação de origens do drama em antigas práticas do ciclo natural alemãs e que teriam sido cristianizadas deve ser diferenciada de concepções de épocas posteriores de nacionalismo extremado e pangermanismo, ainda que trouxessem em si o cerne para esses desenvolvimentos questionáveis.


Essa explicação de origens do drama de Freytag não leva em conta, porém, que um revestimento cristão ou reinterpretação cristã de antigas práticas de época de colheita apenas pôde ser possível pelo fato de que também expressões e concepções relacionadas com São João, o Precursor, correspondiam ao ciclo do ano natural, tendo havido assim um complexo relacionamento e interações de referenciações culturais a partir de edifícios de concepções e imagens em si adaptáveis em coerência.


A interpretação de Freytag surgiu assim como errônea ou pelo menos reduzida sob a perspectiva dos estudos que se realizavam no Brasil e que tinham o seu prosseguimento na Europa em museus e sitios arqueológicos em outros países e sobretudo no âmbito do complexo "Antiguidade e Cristianismo" estudado em centros alemães.


Esse distanciamento crítico relativamente às concepções de Freytag não retiraram porém o seu significado como expressão de desenvolvimentos de sua época, indicando uma atenção ao ciclo agrícola e, assim, ao ciclo natural em determinada região geográfico-cultural, entendida como étnica, e, assim, compreensível no âmbito de anseios de união nacional de uma Alemanha dividida em múltiplos estados aristocráticos. Essas concepções mostram-se, assim, relacionadas com os ideais do nacionalliberalismo.


Ainda que não procurando fundamentos mais amplos no ciclo natural que explicassem a sua referenciação segundo a tradição bíblica, a interpretação das origens do drama nas festas de colheita germânicas representam mesmo assim um procedimento de de-revestimento religioso ou de reconstrução do ciclo natural. A atenção dirigida ao plantio, ao crescimento, à frutificação, ao corte dos grãos, a sua trituração ou à sua aparente morte com a nova semeadura corresponde a antigas concepções e práticas da antiga mitologia e parecem poder explicar as explanações de Gustav Freytag de 1863 relativas à estrutura do drama em cinco ou três atos, com introdução, intensificação, culminação, queda, retorno ou fim catastrofal.


Paralelos com a "primeira ópera nacional brasileira" de Elias Álvares Lobo (1834-1901)


Sob a perspectiva brasileira, a atenção a essas concepções de origem do drama alemão de Gustav Freytag foram despertadas sobretudo pela sensibilidade que então se aguçara no início da década de 70 relativamente ao título e ao assunto daquela que é considerada primeira da ópera nacional no Brasil: a A Noite de São João do compositor paulista Elias Álvares Lobo.


Já Ayres de Andrade havia sugerido há anos que as considerações a respeito dessa ópera deviam ser corrigidas. Graças aos dados que levantou - e que em 1976 tornaram-se particularmente atuais nos estudos relativos a Adolph Maersch no contexto de Coburg e nas suas relações com Ernst II, a este músico alemão, injustamente esquecido, caberia primazia na criação de teatro lírico no idioma nacional, um projeto então acalentado pelo diretor do Teatro Lírico Fluminense em estreito relacionamento com D. Pedro II. (Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo 1808-1865: Uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos, 2 vols., Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro 1967, 86 ss.)


A questão que se levantava, então, era a de como se coadnuva títulos de obras de Adolph Maersch, que tanto manifestavam assuntos de cunho indígena nas suas relações com europeus  com a ópera nacional primeiramente encenada de Elias Álvares Lobo e que tinha como tema uma expressão central da tradição popular, a Noite de São João.


Apresentava-se o problema, assim, das razões de uma mudança de orientação "indianista" a uma do tradicionalismo voltado a expressões populares ou folclóricas. Ambas as supostas orientações diziam respeito a concepções e assuntos, não à linguagem musical propriamente dita, pois tanto Adolph Maersch, nas suas elaborações de modinhas, como Elias Álvares Lobo, compositor que nas suas obras manifestava-se influenciado pela arte lírica italiana não teriam ainda empregado recursos que tornar-se-iam característicos de obras nacionalistas posteriores.


Explicar-se-iam também as reservas da crítica da época, que mencionaram as insuficiências do jovem compositor do interior de São Paulo (e.o. Renato Almeida, História da Música Brasileira, 2a. ed., Rio de Janeiro: F. Briguiet 1942, 369; Luís Heitor, 150 Anos de Música no Brasil, Rio de Janeiro 1800-1950, Rio de Janeiro: José Olympio 1956, 67) e que corresponderam a críticas similares feitas posteriormente à ópera Ein Tag in Coburg de Adolph Maersch, também acusado de trivialidade, diletantismo e insuficiência técnica. (Veja)


A questão que se colocava, então, referia-se a uma possível compreensão anacrônica do assunto e do significado de A Noite de São João de Elias Álvares Lobo.


O seu título teria sido visto sob a perspectiva de um posterior despertar de interesses tradicionalistas ou do ainda mais posterior Folclore, não atentando-se a uma coerência na sua inscrição em desenvolvimentos marcados sobretudo pelo assim-chamado "indianismo" dos anos de criação de uma ópera lírica em idioma nacional, o que já se manifestava no fato de basear-se em libreto de José de Alencar (1829-1877).


Nesse sentido, a ópera não se inscreve nessa fase de valorização do folclore, mas estaria muito mais próxima do que se poderia supor das intenções voltadas à formação da nacionalidade a partir da união do mundo natural na sua vinculação com o mundo indígena e o europeu.


Ter-se-ia, no Brasil, paralelos com a situação ou desenvolvimentos alemães, havendo possíveis correspondências entre a interpretação das origens germânicas da poesia cênica nos cantos de colheita germânicos revestidos com roupagens cristãs de Freytag e uma interpretação da Festa de São João no Brasil considerada na sua coerência em desenvolvimentos marcados pelo assim-chamadao "indianismo" na criação de um teatro lírico nacional.


Esses paralelos, porém, revelavam a dificuldade resultante do deslocamento do ciclo do ano do hemisfério norte ao sul.


Se no hemisfério norte as festas de colheita e o solstício de verão puderam ser interpretados como fundamentos de expressões que teriam sido revestidas na Cristianização com referência a São João, no Brasil tratar-se-ia da época do solstício de inverno, com características totalmente diversas na percepção e no trabalho agrícola, e somente uma transplantação do edifício cultural ocorrida no decorrer da missão e colonização é que poderia explicar uma interpretação similar àquela alemã.


Levantava-se a questão, assim, corroborando as sugestões de Ayres de Andrade, se não teria havido uma influência alemã muito maior do que se supõe na escolha do assunto da ópera A Noite de São João de Elias Álvares Lobo ou até mesmo uma reciprocidade de relações.


Ressonância dos estudos da Ópera Nacional no Brasil e interações


O estudo de questões da Ópera Nacional no âmbito do programa desenvolvido na Europa a partir de 1974 teve imediatas ressonâncias no Brasil. Essa ressonância foi descrita, em carta de Neide Rodrigues Gomes, diretora da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo de 10 de setembro de 1975 como sintonia de pensamentos e interesses:


„Mas o que eu mais gostei foi da Ópera. Não sei se te contei, mas estou metida num grupo para o reerguimento da Opera Nacional. Quem está encabeçando o movimento é a cantora Nancy Louzã Miranda, que é coordenadora de uma equipe nomeada pelo Ministro da Educação para reerguer a Opera Nacional. Já participei de algumas reuniões com ela, que está firmemente empenhada na questão. O Vanucci também está na estoria. O que é que voce acha que poderia fazer? - Sabe? Não apoio totalmente a idéia dela, porque ela só quer saber de Carlos Gomes; só pensa nas obras dele, e eu acho isso meio furado. Gostaria que você me mandasse alguns dados para que poder  mexer em alguma coisa. Achei curioso você ai pensando na Opera Nacional e eu aqui também pensando e fazendo planos. Como afinamos, não?“


Em carta de 11 de setembro, informava a respeito de uma reunião:


"Hoje tive um novo encontro com a Nancy (aquela da comissão da Ópera); ela me disse que o Ministérío tem muita verba para o movimento, e que devemos fazer um programa e apresentar; ela está muito entusiasmada com a idéia e principalmente com a escola. No próximo sábado dia 13 vou ter uma reunião com um tal de Gumercindo que é o presidente do programa para o reerguimento da Ópera Nacional, vamos ver a idéia dele."


No dia 29 de setembro, transmitiam-se alguns dados a respeito do movimento:


"A estoria da ópera vai indo, devo ter um contato por esses dias com o grupo de trabalho do M.E.C. que está tratando do assunto. Ja falei com o Jonas (Christensen), e ele aceitou fazer o trabalho da orquestra e do coro. Você tem alguma sugestão a fazer? o que acha que deveríámos levar para iniciar?"


Matéria preparada por colaboradores do ISMPS
orientada e traduzida de forma reelaborada por
Antonio Alexandre Bispo





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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Gustav Freytag (1816-1895) e estudos euro-brasileiros. De initiis scenicae poesis apud Germanos e A Noite de São João de Elias Álvares Lobo (1834-1901) em interações com projetos referentes à Ópera Nacional em 1975".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 147/11 (2014:1). http://revista.brasil-europa.eu/147/Alemanha-e-Opera-Nacional_1974.html