Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Pontificio Istituto di Musica Sacra. Documentos de A.A.Borges


Pontificio Istituto di Musica Sacra. Documentos de A.A.Borges


Pontificio Istituto di Musica Sacra. Documentos de A.A.Borges


Pontificio Istituto di Musica Sacra. Documentos de A.A.Borges

Fotos:Acervo particular A. Borges.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 148/20 (2014:2)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3091




O Instituto Cultural dos Açores de Ponta Delgada e as primeiras Semanas de Estudos dos Açores
Um açoriano no Pontificio Istituto di Musica Sacra (Roma)
nos anos marcados pelo Concílio Vaticano II


Armindo Borges: 80 anos (2013). Dos Açores a Roma e à Alemanha, no Canadá, Brasil e em Portugal II







Armindo Borges em Roma
Este texto deve ser compreendido no conjunto de outros artigos desta edição da Revista Brasil-Europa dedicados à passagem, em 2013, dos 80 anos do teólogo, regente, compositor e musicólogo açoriano Pe. Dr. Armindo Borges.


Esses artigos procuram trazer a consciência o significado de sua trajetória de vida, de sua obra e de suas múltiplas atividades nos Açores e nos diferentes contextos internacionais em que atuou. Concomitantemente, trazem à luz a projeção internacional dos Açores e o papel que a cultura açoriana desempenhou em interações e processos culturais das últimas décadas.


Membro fundador e Vice-Presidente do instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (I.S.M.P.S. e.V.), foi protagonista desde 1975 das interações e conferências que, centralizadas em Colonia, determinaram iniciativas posteriores e levariam à constituição do instituto no "Ano Europeu da Música" de 1985.


Como pároco da Missão Portuguesa de Colonia, e assim vulto de liderança de uma das maiores comunidades portuguesas da migração européia, possibilitou e dirigiu eventos culturais e sacro-musicais na igreja sob a sua responsabilidade - monumento arquitônico do Românico na Europa -, celebrou missas solenes com a apresentação de obras-mestres de autores portugueses por ocasião de eventos do instituto, organizou encontros e recepções de pesquisadores portugueses e brasileiros pela comunidade, participou ativamente como conferencista de colóquios e simpósios, representando a ponte entre os trabalhos do I.S.M.P.S. e a comunidade de língua portuguesa da imigração centro-européia.


Integrando as mais significativas organizações voltadas à música sacra, é membro eleito da Consociatio Internationalis Musicae Sacrae, Roma, da Associação Geral de Santa Cecília para Alemanha (Allgemeiner Cäcilienverband für Deutschland) e da Church Music Association of America, Saint Paul, EUA. É também membro de sociedades musicológicas da Alemanha (Gesellschaft für Musikforschung) e da Itália (Società Italiana di Musicologia, Roma), tendo colaborado estreitamente com iniciativas da Sociedade Brasileira de Musicologia.

Autor de trabalhos musicológicos, é também compositor de missas, motetes e obras para órgão. Participou como conferencista representando os Açores no II Congresso Brasileiro de Musicologia, relizado no Rio de Janeiro, em 1992. Em 2002, co-dirigiu o Colóquio Internacional "Dimensões Européias da Música Portuguesa" da A.B.E. por motivo da celebração do Porto como Capital Européia da Cultura. Desde 2003 é mestre da
Capella Olisiponensis da Basílica dos Mártires, Lisboa.


 

Ao sair dos Açores em 1963 para realizar seus estudos superiores de música na principal instituição de música sacra do continente e do globo, o Istituto Pontificio di Musica Sacra, em Roma, o jovem Pe. Armindo Borges era uma das mais ativas personalidades da vida cultural da então Vila da Praia da Vitória. Nele residiam as mais promissoras esperanças de um futuro que prometia à comunidade tornar-se o centro de cultura musical no arquipélago dos Açores. (Veja artigo)


Já no inicio de suas atividades como Vigário-Cooperador da igreja matriz, em 1961, o Pe. Armindo Borges apresentara, em conferência proferida na sala da Filarmónica, uma síntese de suas concepções culturais e estéticas, na qual cabia à música um papel preponderante. Nela oferecera uma análise da situação da vida cultural da vila, cuja sociedade, em particular a juventude, apresentava indícios de mudanças culturais sob a influência norte-americana, ali particularmente intensa devido ao campo de aviação com as forças estacionadas e de passagem dos EUA.


O objetivo final da sua exposição tinha sido, porém, o de propor um plano de criação de um instituto de cultura musical aberto à toda população, concentrado sobretudo na divulgação ampla de conhecimentos de História da Música. Esse instituto surgia como a culminação de um desenvolvimento que partia da arregimentação de todas as forças existentes com o escopo de revitalização da cultura local. Êle previa a criação de uma academia de música instrumental como núcleo de uma futura orquestra, o da intensificação das apresentações da filarmônica e, sobretudo, a da formação de um orfeão com grande número de vozes. Pressuposto para esse desenvolvimento era a introdução do ensino musical nas escolas primárias.


Para justificar esse plano e transmitir forças às autoridades e à população em geral, o Pe. Armindo Borges lembrara do grande passado musical da localidade, tendo para isso realizado pesquisas musicais nos acervos da matriz. Tornara-se, assim, um dos primeiros, senão o primeiro músico de sólida formação a descobrir obras e autores do passado mais remoto dos Açores. (Veja artigo)


A pesquisa musical relacionou-se aqui com uma concepção de ciências musicais que partia de um desenvolvimento da criação musical através dos séculos, incluindo expressamente expressões e técnicas da música contemporânea, também de tendências mais avançadas e experimentais da atualidade. Alvo de todos os esforços era o desenvolvimento ou revitalização de uma esfera compreendida como mais alta, superior ou erudita da cultura, aberta porém à participação de toda a sociedade, unindo a difusão cultural a uma elevação geral de nível cultural e educativo, o que poderia vir até mesmo a transformar a então Vila da Praia da Vitória, renovando o seu brilhante passado, no principal centro musical do arquipélago.


Constata-se, assim, a existência de paralelos entre desenvolvimentos nos Açores e no Brasil no início dos anos 60. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/147/Movimento-Coral_Brasil-Alemanha_1974.html)


Primeira Semana de Estudos dos Açores, Ponta Delgada (1961)


O início das atividades em 1961 do Pe. Armindo Borges em Praia da Vitória - após encerrar a sua formação no Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo - , caiu em ano que ficou marcado na história cultural mais recente dos Açores pela realização da Primeira Semana de Estudos dos Açores, em Ponta Delgada, ilha de São Miguel. Esse evento foi uma iniciativa do Instituto Açoriano de Cultura, sendo os trabalhos editados pelo Instituto Cultural de Ponta Delgada.


João Hickling Anglin, presidente deste instituto, acreditava não exagerar afirmando que o empreendimento da realização de semanas de estudos culturais então iniciado marcava "um novo e fecundo período de actividade mental, espiritual e técnica na vida destes povos insulares, sempre mais ou menos afastados, pelo condicionalismo geográfico, do convívio com os factores mais poderosos do desenvolvimento da Nação." Demonstrava-se, assim, que nas ilhas viviam "homens de trabalho e de ciência, técnicos de elevado mérito, cientistas de alta probidade, sacerdotes de cristã espiritualidade, economistas, sociólogos, professores, tudo gente capaz de dar ao País valioso contributo para a sua prosperidade." ("Breve Proémio", Livro da I Semana de Estudos dos Açores, Ilha de S. Miguel: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1964).


Principal organizador e mentor da iniciativa foi o Cónego Dr. José Ennes, professor do Seminário de Angra. O tema que então especialmente tratou disse respeito às relações da arte com a moral, procurando dar um contributo para o diálogo que então se desenvolvia relativamente à independência ou subordinação da arte.


Após fazer uma análise das diferentes correntes da história do pensamento, lembrou que as inclinações de modernas gerações era o de reconhecer que um dos deveres dos artistas, mesmo como artistas, residiria "em contribuir, com plena consciência das suas responsabilidades sociais, para a construção da cidade (civitas)." Também o valor estético de uma obra de arte deveria ser apreciado segundo a valia daquele contributo. (op.cit. 149-189, 153)


Para aqueles que defendiam a independência da arte, utilizando-se sobretudo de argumentos estéticos, as relações da arte com a moral não passariam de um aspecto da questão da autonomia da arte.


Na sua exposição, primeiramente considerou os argumentos daqueles que defendiam a autonomia da arte, passando então às convicções daqueles que negavam a independência da arte em relação à moral, dando por fim a solução que lhe parecia verdadeira. Esta, por fim, surge como surpreendente, uma vez que José Ennes defende uma redução do problema às suas proporções normais, salientando a necessidade de evitar-se "exagêros produzidos por mistificações de artistas, critícos e filósofos, que teriam dado à arte uma essência fictícia, órfica ou mística", afirmando que a arte uma atividade tão natural e humana como "vender um metro de chita ou guiar um automóvel". Assim, compor um poema ou uma sinfonia não seriam "actividades angélicas e muito menos divinas".


Acima da arte estaria a filosofia, a religião e a mística. O artista não seria um mágico, nem um místico, nem um filósofo, mas sim "um homem como os outros, dotado de uma peculiar tendência e capacidade realizadora, tão natural como a do mecânico e a do cientista." A beleza artística não seria mais necessária do que o oxigênio que o homem respira e ambos corresponderiam a duas necessidades naturais do homem, uma orgânica, outra espiritual.


"Desta forma, os actos, por que um artista realiza uma obra de arte, enquanto são humanos, caiem, como outros quaisquer actos conscientes e livres, sob as implicações da moral, embora mantenham um dinamismo próprio (...). Somente assim poder-se-ia defender a dignidade e a relativa autonomia da arte." (op.cit. 188-189)


Também outros textos apresentados nessa primeira semana de estudos dos Açores, na sua maioria de sacerdotes e dedicados a temas relacionados com a religião, oferecem subsídios à compreensão do contexto intelectual de formação de Armindo Borges. Entre elas, salienta-se o estudo referente a "A Religiosidade do povo açoriano através do seu folclore" de Francisco Carreiro da Costa. (op.cit.71-98).


Nesse texto, no qual vários fatos folclóricos reveladores da religiosidade do povo açoriano são considerados, o autor conclui que "o folclore, uma vez conhecido e estudado, pode servir de elemento informativo acerca dos verdadeiros sentimentos religiosos de um povo." (op.cit. 93)


O Folclore é visto como uma ciência auxiliar, que exigia mais estudos, não só para registrar expressões culturais, mas também como demonstrativa da psicologia do povo. O estudo não devia resumir-se àquele das tradições do passado. Citando António Sardinha, o autor defendia que tradição seria "permanência no desenvolvimento". Por essa razão, a tradição devia ser considerada como "um conjunto de hábitos e tendências que procuram manter a sociedade no equilíbrio das forças que lhe deram origem e pelo respeito das quais continuam durando."


Conhecer e estudar o folclore, para que este possa contribuir à tarefa de direção e de aperfeiçoamento sob o aspecto social e religioso, seria missão de todos que tivessem deveres educacionais e culturais, em especial professores e clero paroquial. Essas conclusões correspondiam também às palavras de Pio XII dirigidas aos delegados do Festival Folclórico de Nice, em 1953. (op.cit. 93)


Segunda Semana de Estudos dos Açores, Angra do Heroísmo (1963)


No ano de saída de Armindo Borges dos Açores, realizou-se, desta vez em Angra, ilha Terceira, de 3 a 10 de abril, a Segunda Semana de Estudos dos Açores, evento do Instituto Açoriano de Cultura e possibilitado por apoios da Fundação Calouste Gulbenkian.


O seu programa tinha agora como escopo não apenas intensificar os estudos culturais nas áreas da arte, filosofia e religião, como também concorrer para uma consciencialização econômico-social com a finalidade de promover a atitude moral e a competência profissional das classes responsáveis e do público. (Livro da II Semana de Estudos dos Açores, Angra do Heroísmo, 1963).


Também aqui estiveram presentes vários professores do Seminário Episcopal de Angra entre os conferencistas, entre êles o Cónego Dr. Francisco Caetano Tomás e o Dr. Francisco Carmo, tendo-se realizado uma apresentação do Orfeão do Seminário Maior e Orquestra Filarmónica de Angra sob a direçcão do Dr. Edmundo Machado e de Raul Coelho. A comissão de serões de arte foi composta pelo Dr. Anselmo Bettencourt e Silveira, o mestre Maduro Dias, o Dr. José Luís Louro e Helder Machado.


Introduzindo os trabalhos, o Dr. José Ennes salientou que a hora, para portugueses e açorianos, não era para "divagações e discussões bizantinas", mas da procura da "verdade concreta a nosso respeito como homens concretos e como cidadãos duma socidade concreta e a procura dos meios mais eficazes para sobre ela realizar a nossa existência". Seria necessário que as idéias fundamentais para o progresso nas várias áreas humanas fossem compreendidas, assimiladas e pudessem fazer parte do patrimônio de idéias do dia-a-dia ("Mais saber para melhor viver", op.cit.15-17).


Entre as conferências relacionadas com a cultura e as artes, salientou-se a do Eng. Santos Simões, representante oficial da Fundação Calouste Gulbenkian sobre "O Problema do Manuelino e a Introdução do Renascimento em Portugal" por ter criado "a ambiência histórica em que foi processado o povoamento e a estruturação social dos Açores". (op.cit. 7)


De cunho fundamental foi o contributo do Dr. J. de Almeida Pavão de título "Arte e Compromisso" (op.cit.20-43). A principal pergunda levantada era se seria possível admitir-se uma arte sem compromisso. Para respondê-la, o autor trata de duas formas de compromisso, do compromisso natural do homem com o meio, do compromisso intencional da Arte Comprometida e, por fim, da idéia do compromisso nas correntes modernas.


Em lugar de conclusões, o autor coloca questões finais, onde lembra da separação dos fatores homem e meio e o distanciamento da arte abstrata ao comum do público. A idéia de que todo o artista transcende ou ultrapassa o seu meio, relacionada com a convicção da necessidade de esclarecimento do público, levaria a uma nova forma de compromisso, segundo a qual se aceitava "como válido um certo articulado de princípios" norteadores da criação de "adeptos arregimentados na mesma concepção estética". (op.cit. 42-43)


Armindo Borges no Istituto Pontificio di Musica Sacra, Roma


Possibilitado pelo Instituto Cultural dos Açores de Ponta Delgada, o período de estudos do Pe. Armindo Borges em Roma - de 1963 a 1967 - decorreu em anos que foram dos mais importantes da história eclesiástica do século XX e que mais trouxeram transformações para a Igreja, particularmente sob o aspecto da liturgia e da música sacra: aqueles do Concílio Vaticano II.


Residindo no Pontifício Colégio Português, habitação de sacerdotes e bispos portugueses que se encontram em Roma, conviveu durante anos com colegas sacerdotes e representantes da hierarquia católica de todo o mundo lusófono, tendo travado conhecimento, entre outros, com os bispos portugueses que participaram do Concílio e com o Cardeal-Patriarca de Lisboa.


Os seus estudos de Canto Gregoriano e Composição Sacra no Istituto Pontificio di Musica Sacra realizaram-se, porém, ainda no espírito da tradição e na conservação do patrimônio litúrgico-musical, mantido sobretudo pelos ensinamentos e pela obra de seus professores. Entre estes salientaram-se Edgardo Carducci, em matérias teórias, em particular Contraponto, Higinio Anglès em Musicologia, e Domenico Bartolucci em Composição Sacra e Direção Coral.


Nesses estudos revelaram-se as vertentes principais que marcariam as atividades posteriores de Armindo Borges: a composição, a direção coral e a musicologia. Esses elos entre a música coral e a musicologia seriam também determinantes para a sua posterior especialização  no estudo da polifonia portuguesa.


A sua orientação musicológica foi devida nada menos do que a Higinio Anglés Pamies (1888-1969), principal vulto da Musicologia espanhola, formado e.o. com Felip Pedrell (1841-1922), profundo conhecedor de bibliotecas e arquivos peninsulares, autor de vasta obra e de experiência na direção de instituições e congressos. Com Higinio Anglés, intensificou-se em Armindo Borges a sua admiração já existente pela Alemanha, uma vez que o seu professor havia estudado nos anos vinte nas universidades de Freiburg i. Breslau e em Göttingen.


Armindo Borges pôde, assim, inserir-se em correntes de pensamento e de métodos que levavam por um lado aos grandes nomes do passado musical de Barcelona e, por outro, a musicólogos alemães como Wilibald Gurlitt (1889-1963), Friedrich Ludwig (1872-1930) e Heinrich Finke (1855-1938).


Em Composição Sacra e Direção Coral, Armindo Borges foi aluno de Domenico Bartolucci (1917-2013), Diretor Perpétuo da Capela Musical Sixtina. Havia sido regente substituto do coro da Basília de San Giovanni in Laterano, desde 1947 como sucessor de Licinio Refice (1883-1954) na Basílica de Santa Maria Maggiore e desde 1952, por recomendação de Lorenzo Perosi (1872-1956), vice-regente do coro da Capela Sixtina, passando a ser seu diretor a partir de 1956. A sua grande dedicação voltava-se ao levantamento de nível da Capela Sixtina, o que tornou-se possível graças também ao apoio do Papa João XXIII. Apesar da Reforma Litúrgica, Bartolucci mantinha a tradição de celebração no rito tridentino.


Na sua vida acadêmica, uma data especial foi um concerto realizado no dia 13 de maio de 1966 no auditório do Pontifício Istituto di Musica Sacra, e dedicado às manifestações artísticas dos alunos da instituição (IIa Manifestazione Artistica degli alumni). Nesse concerto, Armindo Borges apresentou um Ave Verum para coro e órgão e dirigiu duas peças de Canto Gregoriano.


A sua composição, escrita no estilo severo da orientação em Contraponto e Fuga obtido sob a orientação do seu mestre Carducci, refletia os seus estudos da obra de J. S. Bach (1685-1750). Apesar desse seu caráter acadêmico, essa sua primeira composição apresentada no P.I.M.S. foi muito bem recebida pelo auditório e pelas autoridades presentes, entre as quais se encontrava, acompanhado do Pe. Raffaele Baratta (1889-1973), professor renomado de Forma Gregoriana, o compositor francês Ernest Ansermet (1883-1969).




A vida musical em Roma


Para além das aulas, a participação na liturgia cantada e em concertos foi de fundamental importância na formação do Pe. Armindo Borges em Roma. Uma vez por semana, assistia, juntamente com outros colegas, os concertos promovidos pela R.A.I. (Radiotelevisione Italiana)


Logo ao chegar dos Açores, foi-lhe apresentado, pelo secretário do P.I.M.S., o então jovem organista, compositor, pianista e pedagogo francês Jean Victor Arthur Gyllon (1930-), ex-discipulo de mestres como Marcel Dupré (1886-1971), Maurice Duruflé (1902-1986) e Olivier Messiaen (1908-1992). A razão dessa apresentação foi o fato de Jean Gyllon ter sido Professor de órgão no Instituto Gregoriano de Lisboa, sob a direção da Dra. Júlia d'Almendra. Gyllon possuia também estreitos contatos com a Alemanha, tendo estado em Berlin de 1958 a 1963, passando a ocupar o cargo de organista titular da igreja de Saint-Eustache, em Paris.


A sua primeira grande impressão artística em Roma, e que lhe marcou a vida, foi assistir, poucos dias após a sua chegada, à execucão da Missa em Si Menor de J. S. Bach, promovido pela Accademia di Santa Cecilia, com a presença do Papa Paulo VI e os bispos que estavam presentes ao Concílio Vaticano II. A obra foi executada pelo Coro da Catedral de Aachen / Aix-la--Chapelle, então o coro de maior renome na Alemanha. Tendo falecido o seu regente, Theodor Bernhard Rehmann (1895-1963) pouco antes do concerto, foi este subsituído pelo regente do Coro da Catedral de Berlim.


Praticamente incontáveis foram os concertos que o jovem Pe. Armindo Borges pôde vivenciar em Roma. O próprio Pontificio Istituto di Musica Sacra organizava regularmente concertos de orgão onde se apresentavam organistas de diversos países, entre êles da França, da Alemanha e da Suíça. Para além desses, salientavam-se aqueles promovidos pela Accademia di Santa Cecília, nos quais teve a oportunidade de ouvir intérpretes e regentes de renome internacional, entre êles Arthur Rubinstein (1887-1982), Igor Strawinsky (1882-1971), Pierre Monteaux (1875-1964), Karl Böhm (1894-1981), Herbert von Karajan (1908-1989) e, entre os representantes da música contemporânea, Luigi Dallapiccola (1904-1975).


Entre esses concertos salientavam-se aqueles de órgão, quando teve a oportunidade de presenciar a arte de organistas como Karl Richter (1926-1981) e a série de órgão organizada por Fernando Germani (1906-1998) dedicada à obra completa de J. S. Bach levada a efeito na Basílica Aracoeli.


Embora, na época, sacerdotes não tinham permissão de ir à Ópera, o podiam fazer no último ensaio geral das obras, para tanto recebendo os alunos do instituto ingressos gratuitos pelo fato de um de seus professores tomar parte na orquestra da Ópera. Armindo Borges pôde assim assistir a grandes obras do repertório operístico, salientando-se aquelas de G. Verdi (1813-1901) e os dramas musicais de R. Wagner (1813-1883).


Para além dos concertos realizados pela Accademia di Santa Cecilia, o Pe. Armindo Borges assistiu também a numerosos eventos da R.A.I., sobretudo aqueles dedicados à juventude, dirigidos não apenas por jovens maestros, mas também por regentes de renome como Claudio Abbado (1933-2014).


A vida acadêmica com os colegas do Pontificio Istituto era marcada pela internacionalidade e pelo interesse por questões sacro-musicais e musicais em geral. Havia uma continuidade na memória daqueles que já haviam passado pela instituição, lembrando-se, por exemplo, do brasileiro Pe. Dr. José Geraldo de Souza. O Brasil, à época em que o Dr. Armindo Borges chegou ao Instituto estava apenas representado pelo Bibliotecário do P.I.M.S.. Entre os seus colegas portugueses, destacava-se o Pe. Joaquim Santos, de Braga. Compositor, era entusiástico admirador de Igor Strawinsky, enquanto que o Pe. Dr. Armindo Borges antes salientasse a estética de Paul Hindemith (1895-1963), compositor que sempre admirou pelo seu estilo e técnica.


Viagem do Instituto a centros de música sacra na Alemanha


A ponte para a próxima fase de sua vida, aquela que passaria na Alemanha, foi possibilitada em 1966 por uma viagem de duas semanas a diferentes cidades alemães, na qual praticamente todo o Pontificio Istituto di Musica Sacra participou. Chegando de Roma em Munique, o grupo dirigiu-se significativamente em primeiro lugar a Regensburg (Ratisbona), o centro da tradição Ceciliana e, de lá, passando por Nürenberg, à então ainda dividida Berlim, cuja visita por maior número de estrangeiros constituia um anelo do poder político da Alemanha Ocidental.


Vindos de Berlim e descendo em Düsseldorf, o próximo objetivo da viagem foi Colonia, centro do Catolicismo renano. Havia uma lógica consistente na programação da parte alemã, trazendo praticamente todo um instituto primeiramente ao centro da história e da tradição da restauração musical ceciliana em Regensburg e, como coroamento, a Colonia. A viagem, em visão retrospectiva, teve um escopo político-cultural eclesiástico, uma vez que, decorrendo no período pós-conciliar, levava o P.I.M.S. aos principais centros do pensamento sacro-musical conservador da Alemanha.


O objetivo da viagem era aqui alcançado também pelo fato de atuarem em Colonia renomados representantes da música sacra católica alemã, seja na sua Escola de Música, o antigo Conservatório, seja na sua Escola Superior de Música, entre êles o compositor Hermann Schröder (1904-1984), que seria o futuro professor do Pe. Dr. Armindo Borges. Com êle, especializando-se em Composição, pôde ampliar esteticamente o severo estilo contrapontístico decorrente da sua extraordinária, porém, acadêmicamente rígica formação que obtivera com o mestre Carducci no Pontificio Istituto di Musica Sacra.


(Veja artigo seguinte)




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). "O Instituto Cultural dos Açores de Ponta Delgada e as primeiras Semanas de Estudos dos Açores. Um açoriano no Pontificio Istituto di Musica Sacra (Roma) nos anos marcados pelo Concílio Vaticano II".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 148/20 (2014:2). http://revista.brasil-europa.eu/148/Acores-e-Roma.html