Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Amparo. Foto A.A.Bispo 2004 ©Arquivo A.B.E


Amparo. Foto A.A.Bispo 2004 ©Arquivo A.B.E


Amparo. Foto A.A.Bispo 2004 ©Arquivo A.B.E


Amparo. Foto A.A.Bispo 2004 ©Arquivo A.B.E


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Amparo. Foto A.A.Bispo 2004 ©Arquivo A.B.E


Amparo. Foto A.A.Bispo 2004 ©Arquivo A.B.E


Amparo. Foto A.A.Bispo 2004 ©Arquivo A.B.E

Fotos A.A.Bispo 2004 ©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 150/5 (2014:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3117


A.B.E.

Amparo (SP)
Provincianismo e universalismo ultramontano de missionários alemães
em regiões interioranas de cultura cafeeira e de imigração
Lembrando a
Liga da Modéstia Cristã para a defesa da moral, dos costumes e do recato feminino
São Benedito!

 

A popularidade do Franciscanismo devido ao atual Pontífice - ainda que jesuita - torna oportuno considerar a história franciscana no Brasil sob a perspectiva dos estudos de processos culturais. Trata-se aqui até mesmo uma necessidade, uma vez que o atual fomento da re-evangelização da Europa e da ação missionária em países como Brasil levanta - no trágico panorama criado pelo recrudescimento religioso no mundo - problemas relativos às implicações desses desenvolvimentos anti-secularizadores para a ciência, a cultura e a sociedade. (Veja)


As tensões aqui criadas têm trazido à memória a „luta cultural“ que marcou sobretudo a história da Alemanha no século XIX. Nessa comparação, os estudiosos preocupados com esse desenvolvimento são colocados na posição de instâncias políticas de Berlim contrárias ao que denominavam de ultramontanismo, os empenhados na re-evangelização e novas missionações naquela daqueles que se consideravam perseguidos.


Essa cotejo surge como pertinente sob muitos aspectos, uma vez que os missionários alemães que vieram revitalizar a vida conventual no Brasil, combater a secularização e defender a moral e costumes, reformando a sociedade, viam o Império findo com a proclamação da República em paralelo com a situação alemã, acusando Dom Pedro II de ter sido o principal representante de uma tradição de Esclarecimento, obstáculo à concretização dos intentos anti-modernistas do Concílio Vaticano I e impedidor da reintensificação da vida religiosa do país.


A vinda dos missionários para o Brasil decorreu em época de expansões em novas terras, no sul através da fixação de imigrantes em colonias criadas em regiões cobertas de florestas, sobretudo alemãs e italianas, no interior de São Paulo pela expansão da cultura cafeeira em direção oeste, principal motor do desenvolvimento econômico do Estado e da capital, e que também foi possibilitada sobretudo pela mão-de-obra de imigrantes.


Em ambos os casos os missionários alemães agiram em contextos coloniais de imigração e, se tinham maior proximidade a colonos de língua alemã pelo idioma e cultura, atuaram de forma particularmente intensa em meios italianos, tradicionalmente católicos. Se esse foi o caso em fundações em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, o foi também e em maiores proporções e intensidade no interior de São Paulo, onde nas plantações de café em expansão trabalharam em grande escala imigrantes católicos, italianos, portugueses e de colonos outras nacionalidades.


Origem provinciana e distante do „mundo“ de missionários alemães


No estudo das concepções e das atuações desses missionários deve-se considerar necessariamente os pressupostos culturais que traziam de sua formação e socialização na Alemanha. Também aqui devem ser considerados aspectos que relacionam os contextos de origem - e com os quais mantiveram-se em muitos casos ligados - com situações que podem ser analisadas sob a perspectiva de processos de expansão no âmbito de estudos de orientação cultural voltados a cidades do interior do Estado de São Paulo.


Grande parte dos noviços que se fascinaram pela vida conventual e que posteriormente vieram para o Brasil provinham de pequenas cidades de regiões católicas, entre elas a de localidades do Reno e da Vestfália. Bispos e instituições de regiões profundamente marcadas pela tradição conventual em ambiente rural e tradicionalista, como Münster - como o termo já sugere (lat. Monasterium) desempenharam importante papel no fomento da vinda de missionários ao Brasil e no apoio de suas atividades. A própria imagem de algumas regiões - como a Vestfália - era marcada pela mentalidade e pelo comportamento campôneo, simples, alegre e bisonho de seus habitantes, o que também se registrou na caracterização da personalidade dos vários religiosos vestfálios que viveram no Brasil.


Os religiosos que atuaram no Brasil não provinham assim em grande parte de cidades grandes cosmopolitas, mas sim de cidades pequenas e centros provinciais, marcados por tradições camponesas, apego à terra e mesmo aversão à dinâmica transformadora das metrópoles, mesmo sem nunca as terem visitado. Uma metrópole como Paris surgia para esses religiosos alemães como centro da secularização e da dissolução de costumes, de expressões culturais e artísticas decadentes, o que explica as críticas da influência francesa na sociedade brasileira. A orientação segundo Paris na vida urbana e na configuração de cidades brasileiras apenas podia ser vista negativamente. Por outro lado, Berlim surgia como centro de um Estado prussiano marcado pela Reformação e pelo Iluminismo já de remoto passado, o que se manifestava nas ciências e na cultura em geral, ávido de apropriar-se de bens eclesiáticos e pronto a perseguir os católicos.


Muitos deles tiveram contato apenas no Brasil com cidades grandes, com a agitação de grandes centros cosmopolitas em expansão, com a vida social e cultural marcada por dinamismo e constantes transformações. Assim, um compositor como Frei Pedro Sinzig (1876-1952) - que desenvolveu uma atividade multipla e de grande influência no meio franciscano e na vida musical em geral - nunca tinha assistido uma ópera antes de vir ao Brasil, tendo receios de aproximar-se ao gênero quando compôs obra músico-dramática, temedo críticos e um público acostumados à elevada cultura lírica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. (Mönch und Welt: Erinnerungen eines rheinischen Franziskaners in Brasilien, Freiburg i. Breisgau: Herder, 1925, 205)


A essa provincialidade dos religiosos que deviam dedicar-se à recatolização, moralização e reforma de costumes do Brasil somou-se a experiência inicial e marcante de sua integração no país, obtida em contextos da imigração em regiões coloniais do sul, em territórios afastados, distantes da sociedade brasileira, em alguns casos em si fechados, vivendo nostalgicamente elos com o passado de sua terra natal. Se os primeiros assentamentos dos religiosos alemães se deu em contexto colonial de imigrantes de língua alemã por razões culturais, em particular de idioma, passando àquele de língua italiana, por serem estes católicos, também entre os italianos tiveram contato com colonos provindos sobretudo de regiões rurais.


Provincianismo alemão e contextos da imigração na cidade e no Estado de São Paulo


Somente num segundo passo passaram os missionários primeiramente integrados no meio colonial à atuação em regiões de antigo Franciscanismo e de revitalização de conventos, alguns deles em grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Esse repovoamento ou reconstrução de conventos surgiu de mais difícil execução do que a da fundação de novas residências, igrejas e conventos. Os prédios encontravam-se em parte ocupados para outros fins ou vazios e depauperados, situados em centros antigos, com costumes arraigados e problemas sociais, os espaços não correspondendo às novas necessidades, as igrejas com uma linguagem visual nos seus altares, pinturas e imagens que surgia como antiquada ou não-familiar para os europeus.


Compreende-se, assim, que em São Paulo não tanto o tradicional convento do Largo de São Francisco, ocupado até hoje pela Faculdade de Direito, mas sim o novo convento do Pari, bairro então em zona de expansão, marcado pela presença de imigrantes, sobretudo italianos, tenha-se tornado principal centro franciscano na capital paulista. (Veja ) No interior, estabeleceram-se em zonas também marcadas pela colonização italiana, e é significativo que tenha sido em Amparo que surgiu uma instituição considerada como pelo Episcopado como sendo modelar para a reforma da moral e dos costumes no Brasil.


A atuação dos Franciscanos alemães em contextos de imigração e colonização, - e que determinou o processo de restauração do Catolicismo e do combate à secularização no Brasil -, teve a sua maior expressão na cidade de São Paulo entre os operários do Brás, e, no interior do Estado, em particular em Amparo, cidade pertencente à Diocese de Campinas.


Amparo. Foto A.A.Bispo 2004 ©Arquivo A.B.E

Amparo no caminho a centro da cultura cafeeira e imigração européia


Amparo, à margem esquerda do Camanducaia, entre Atibaia e Mogi-Mirim, rodeada por terras de Bragança, Campinas e Serra Negra, limitando-se com Jundiái e Socorro, remontava a um processo de expansão já há muito iniciado. Aqueles que se estabeleceram nessa região provinham de Bragança, de Atibaia, de Nazaré Paulista, procurando-a devido às suas terras férteis. Desde essa época remota a localidade foi marcada pela devoção popular, erguendo-se uma ermida dedicada a Nossa Senhora do Amparo. A localidade pertencia à freguesia de Serra Negra.


Segundo a tradição histórica, foi um habitante de Atibaia - Francisco da Silveira Franco - que em 1818 assentou-se na área. Na antiga capela, celebrou-se a primeira missa. A criação de capela curada deu-se em 1829, sendo elevada à freguesia em 1839, à vila em 1857 - desmembrando-se de Bragança -  e à cidade em 1865.


O grande desenvolvimento da cidade na segunda metade do século XIX deveu-se sobretudo à cultura cafeeira, muito favorecida pela qualidade de suas terras. O desenvolvimento econômico possibilitou atividades construtivas, surgindo edifícios representativos que marcaram e ainda marcam a fisionomia da cidade.


O papel relevante desempenhado pela religião desde a sua fundação manteve-se, apesar das transformações sociais e urbanas possibilitadas pelo desenvolvimento material. As atividades religiosas concentravam-se em igrejas tradicionais como as de Nossa Senhora do Rosário, Santa Cruz e as capelas do Senhor Bom Jesus, fora da cidade. Já essas dedicações de igrejas sugerem contextos populacionais aos quais serviam e que podem conduzir a estudos mais diferenciados. Sabe-se, assim, que a veneração de Nossa Senhora do Rosário foi mais fomentada entre africanos e seus descendentes, e a do Senhor Bom Jesus por portugueses e seus descendentes. O crescimento da cidade levou à construção de uma igreja matriz de grandes proporções, para a qual trouxe-se uma imagem de Nossa Senhora do Porto. (Cf. Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, Apontamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo I, São Paulo: Martins 1953, 46 e 47).



Contexto político-eclesiástico da vinda de Franciscanos alemães


Importante fonte para o estudo da vinda e da atuação dos missionários alemães é a crônica do franciscano P. Cletus Espey O.F.M.  (Festschrift zum Silberjubiläum der Wiederrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. Westf.: Franziskus-Druckerei 1929, 6-7). Com base nesse texto, a cidade foi alvo de considerações no Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ e no colóquio que a êle se seguiu em Petrópolis, em 1981, sendo oportuno sumarizar alguns dos pontos tratados.


No seu texto, esse franciscano salienta a situação deficiente em que se encontrava a assistência religiosa por parte do clero em Amparo. Antes da chegada dos Franciscanos, a paróquia tinha sido administrada só por um sacerdote e seu auxiliar. Por esse motivo, o bispo de Campinas Dom João Batista Corrêa Nery (1863-1920) dirigiu-se repetidamente aos superiores da Ordem com o pedido de envio de Franciscanos.


Essa menção traz à memória o papel saliente desempenhado por esse bispo na implantação do movimento de reforma restaurativa do Catolicismo na sua diocese. Tendo-se formado em São Paulo, onde havia sido ordenado sacerdote em 1886, fora sagrado bispo em Roma, em 1896. Em 1908, assumiu a diocese de Campinas, época de Dom Duarte Leopoldo e Silva (1867-1938) como Arcebispo da capital, um dos maiores promotores da renovação restaurativa no Brasil segundo normas eclesiásticas e, sob o aspecto litúrgico-musical do Motu Proprio de Pio X de 1903. (Veja)


Em 1911, chegaram a Amparo o P. Ägidius Schweckhorst e o Pe. Dismas Woll, assumindo a igreja de S. Benedito. Como em outras regiões e seguindo a tradição alemã, também em Amparo logo deram início a novas edificações, residindo provisoriamente em alas laterais da igreja.


Além da própria igreja, os religiosos passaram a celebrar em quatro igrejas filiais e capelas da região, assumindo também a direção espiritual das Dominicanas que ali possuiam um pensionato e das Franciscanas, que dirigiam um orfanato e uma escola de meninos. Para os jovens, criaram uma escola noturna.


Em 1913, os Franciscanos já possuiam um convento próprio, adjunto à igreja, construído segundo projeto do arquiteto da ordem, Felicianus Schlag (1857-1923), proveniente de Ailertchen na diocese de Limburg. Este, além de outras construções no sul - em particular de Lages - e no Rio de Janeiro, projetou o convento do Pari em São Paulo. (Veja)


Em 1914,  o edifício foi elevado a convento, sendo nomeado a guardião o P. Gregorius Kürpick (1914-1917). Os seus sucessores foram o P. Lucinius Korte (1917-1923) e Agnellus Toppheide, que, como em outras regiões, dedicou-se ao levantamento de um grande colégio e uma ampla casa de associações cristãs.


Franciscanos alemães e o Franciscanismo na tradição popular: São Benedito OFM


O fato dos Franciscanos alemães terem assumido a igreja de São Benedito merece particular atenção. Como em São Paulo, o Franciscanismo local havia sobrevivido sobretudo na devoção popular, salientando-se aqui o culto a S. Benedito.Também em São Paulo tinham sido os devotos de S. Benedito que, em confraria, haviam administrado por décadas a igreja conventual, mantendo a sua vida à época em que os Franciscanos já não mais ali se encontravam. O processo que essa confraria moveu contra os Franciscanos alemães quando estes quiseram reapossar-se da igreja - o que levou à sua suspensão pelo Arcebispo por este tomar partido dos Franciscanos (Veja) - era assunto atual na Ordem nos anos do início da atuação em Amparo.


Essa força da devoção a S. Benedito manifestava-se ainda mais intensamente em região marcada por fazendas de café. A veneração desse santo era - e é - particularmente acentuada entre africanos e seus descendentes, não só no Brasil, mas também em outros países, sobretudo naqueles em que houve trabalho escravo. Essa devoção explica-se inicialmente pela cor de pele do santo, que segundo a sua história foi filho de escravos africanos, sendo liberto quando jovem.


Entretanto, deve-se notar que não se trata de um santo nascido na África ou resultado da missão cristã na África, mas sim na Sicília. A sua liberdade foi devida ao fato de terem sido os seus pais escravos obedientes, dóceis, trabalhadores. Pode-se deduzir, assim, que o culto desse santo tenha sido visto com bons olhos pelos proprietários de escravos, pois a sua história de vida salientava a aceitação por parte destes da sua situação.


A história do santo podia ser vista como uma lição de que, trabalhando em silêncio, modéstia e obediência em alegria, teriam um fruto santificado, tal como os pais de Benedito tiveram um santo como filho. A liberdade surge como fruto da humildade, da obediência, do despreendimento material e do amor que se manifesta em obras e ações. Os livres, por sua vez, tinham consciência de dever a sua liberdade ao comportamento marcado pela modéstia, humildade e simplicidade de seus pais.


Eles próprios em posições de trabalho simples como o santo - São Benedito, nascido em propriedade de rico senhor, foi cozinheiro - tinham essas virtudes franciscanas como modêlo, aceitando as suas profissões com humildade, modéstia e espírito alegre.


Devia ser objeto de estudos mais aprofundados verificar se houve um significado maior do culto a São Benedito por ocasião dos grandes marcos da história da libertação dos escravos, ou seja, à época da Lei do Ventre Livre, dos Sexagenários e, por último, a da extinção da escravidão, em 1888.


Isso explicaria a história transmitida pela tradição da origem da igreja de São Benedito assumida pelos Franciscanos alemães. Segundo essa tradição, teria sido José Ortiz de Camargo, um humilde carroceiro de ascendência africana que, em 1885, teve em sonho a visão de uma igreja que deveria construir. Esta também devia representar, na sua simplicidade indicadora de pureza e na modéstia de sua construção, as virtudes franciscanas. Assim como os religiosos mendicantes, também esse visionário passou a procurar doações de materiais para levantar os fundos necessários à construção da igreja. A obra foi terminada após a sua morte pela comunidade sob a direção do Capitão Lucas Cintra. A vida e a visão do carroceiro oferece um exemplo de como concepções franciscanas se encontravam internalizadas no povo.


Como em outros locais, também em Amparo os Franciscanos alemães deram logo início a intensos trabalhos construtivos. Em 1912 construiu-se o convento, e a seguir iniciaram o levantamento de fundos para a construção de um colégio, inaugurado em 1922.


A veneração de S. Benedito já era difundida na África, promovida pelos missionários, de modo que é possível ter sido trazida para a região por africanos já cristianizados. Mais provável, porém, é que tenha sido promovida por aqueles que, provindos de Atibaia, Nazaré ou Bragança, se estabeleceram na região e se dedicaram à agricultura, possuindo escravos.


É também merecedor de estudos mais profundos a influência de Redentoristas com as suas missões populares, capelas e pregações com palavras simples, fáceis de assimilação pelo povo. Essa congregação, criada em 1732 por Alfons de Liguori (1696-1787), dedicava-se aos pobres e marginalizados e empenhava-se sobretudo por questões de moral. Significativamente, a devoção de Nossa Senhora do Amparo adquire grande significado para os Redentoristas, sendo até mesmo o histórico e venerado ícone do século XIV a êles confiado em 1866.


Tanto a devoção de São Benedito como a a atuação de Redentoristas dirigem a atenção à contextos italianos, em particular à esfera de Nápoles e Sicília. São Benedito nasceu em San Fratello e faleceu em Palermo, viveu no convento de Monte Pellegrino, entrou na Ordem Franciscana de Santa Maria em Palermo, cidade da qual é padroeiro. O fundador dos Redentoristas nasceu, atuou de modo particularmente intenso na esfera napolitana e faleceu em Salerno. Esses elos religioso-culturais com a esfera de Nápoles e Sicília surgem como significativos considerando que a última imperatriz do Brasil, Dona Thereza Christina (1822-1889), era napolitana, tendo sido relevante a influência cultural e religiosa napolitano-siciliana no Brasil.


Alguns aspectos da análises culturais do culto a São Benedito


Alguns aspectos podem ser aqui salientados no contexto assim traçado. O Franciscanismo mantido na tradição popular sobretudo no culto a São Benedito por africanos e seus descendentes vinha de encontro, nas suas referências à Itália, à cultura dos colonos italianos que em grande parte tomaram a si trabalhos que, no passado, haviam sido exercidos por escravos. Não haveria, assim, fundamental discrepância quanto a elos com contextos italianos no encontro cultural.


O Franciscanismo intrínseco da tradição popular do culto de S. Benedito e da sua interiorização pelos fiéis no cultivo de virtudes como simplicidade, modéstia, humildade, amor e alegria vinha de encontro nos seus fundamentos àqueles dos Franciscanos alemães, era a êles porém estranho nas suas formas de expressão.


Uma das principais diferenças seria de natureza político-cultural. Esta reside no fato de que a tradição popular da devoção a S. Benedito vinha da época do Império, sendo que os contextos napolitanos e sicilianos em que se inseriam possuiam a sua maior representante na última imperatriz do Brasil, enquanto que os Franciscanos alemães eram - como o clero restaurador do Brasil - entusiastas da República possibilitadora da reconstrução da vida conventual, do combate à secularização, da intensificação da vida religiosa nas famílias, da defesa da moral e dos costumes e da formação de novas gerações nesse espírito em nome da liberdade religiosa.


Haveria, assim uma sensível diferença na apreciação da ação cultural do casal imperial. Enquanto a Imperatriz, pela sua origem, formação cultural e religiosidade teria precedido ou preparado um desenvolvimento recatolizador que iria concretizar-se paradoxalmente na República, Dom Pedro II surgia como principal representante da tradição do Esclarecimento, alvo de crítica e de distanciamento dos Franciscanos e do clero que tão entusiasticamente receberam o golpe militar de 1889.


A cor da pele de S. Benedito e pela qual teria sido insultado mas que não impediu a sua vida religiosa e mesmo ascensão a cargos superiores, indica a atenção a sentidos anti-discriminatórios inerentes à sua história e subjacentes à tradição do seu culto. Entretanto, a cor da pele de São Benedito exige que seja considerada no edifício mais amplo de concepções e imagens simbólico-antropológicas de remota tradição e que também se encontra presente em várias expressões culturais da tradição brasileira.


São Benedito, embora cognominado como africano ou etíope, não era de nascimento africano, mas sim siciliano. Poder-se-ia ver no seu culto por parte de africanos e seus descendentes questões de identificação com a cor de pele do franciscano e a origem de seus pais que viviam no estrangeiro, em escravidão, em diáspora ou exílio, seja na Sicília ou no Brasil. Há, porém, sentidos mais amplos e que se relacionam com a figura do mouro, também um cognome de S. Benedito, e que se insere em tradição de imagens muito mais antiga do que a da história do próprio santo.


A imagem do mouro encontra-se presente em várias expressões culturais que se mantiveram no Brasil, em geral como alvo de combate por parte de cristãos, não raro com posterior batismo. O africano surge também na linguagem visual evidenciada sobretudo em tradições dos Três Reis Magos como parte inferior do homem tripartido, aquela relacionada com o homem subjugado ao mundo da matéria, perceptível pelos sentidos, imbuído de sensualidade, de ambições, desejos de riqueza, honras, o que leva a uma vida de escravização ao trabalho, devendo recuperar a sua dignidade voltando-se em adoração à Sabedoria. Nesse sentido metafórico, a imagem do africano na linguagem visual chama a atenção a seu anti-tipo com o oposto dessas características, ou seja, à modéstia, humildade, à simplicidade, ao despreendimento e ao amor.


O significado de questões relativas à moral e ao comportamento, com as suas expressões visíveis nos gestos e na modéstia do trajar, estavam assim já presentes no Franciscanismo intrínseco do culto a São Benedito na tradição popular e correspondia a concepções e imagens de um edifício cultural abrangente de remotas origens e sempre atualizado em muitas expressões culturais do Brasil. Com a vinda dos Franciscanos alemães, esses sentidos morais intrínsecos encontraram correspondência nas virtudes vividas e pregadas pelos religiosos, foram porém intensificados e reformados segundo o contexto cultural de proveniência dos missionários, marcado que era pelo combate anti-secularizador.


Liga da Modéstia Cristã para a defesa da moral, dos costumes e do trajar feminino


Os missionários, provenientes de regiões provincianas na Alemanha e tendo em geral atuado em contextos coloniais no sul do Brasil, fechados e distantes das grandes cidades, não podiam deixar de ver negativamente desenvolvimentos na sociedade de região em pleno florescimento econômico e que tinha a sua manifestação na vida social, nos costumes e na própria fisionomia da cidade - os edifícios representativos de Amparo podem ser vistos como testemunhos desse entusiasmo pelo progresso material e pela ascensão social.


É compreensível que os imigrantes, sobretudo italianos e portugueses, que haviam abandonado as suas terras à procura de melhores condições de vida, de bens materiais e de ascensão para as suas famílias procurassem e demonstrassem os seus anelos e ambições, assim como o alcance de posses e de mais elevada posição social.


No quadro assim traçado, pode-se também compreender que uma das mais significativas fundações dos Franciscanos em Amparo tenha sido o de uma Liga da Modéstia Cristã para a defesa da moral, dos costumes e do trajar de senhoras e moças católicas. O trabalho moralizador dos missionários pôde contar com pressupostos favoráveis tanto na cultura tradicional brasileira como na italiana e na portuguesa, essa marcada pelo culto ao franciscano Santo Antonio.


Tratou-se aqui de um combate por meios suaves, pela simplicidade, amor e alegria de desenvolvimentos sociais vistos como materialistas, voltados apenas ao ganho, ao enriquecimento e ao sucesso dos negócios, assim como a formas de comportamento e relações humanas consideradas como indícios de decadência ou imoralidade.


Como os Franciscanos na Alemanha tomaram conhecimento através do relato entusiástico do P. Cletus Espey, essa Liga da Modéstia Cristã logo alcançou o elevado número de 4000 associadas. Essa iniciativa partida de Amparo foi vista como exemplar por vários bispos e citada como modêlo para outras regiões.


Sinais na vida musical de interações de processos culturais


A interação de processos secularizadores não-dirigidos e processos retroativos anti-secularizadores e moralizantes sob a influência do Catolicismo alemão em cidades do interior paulista, em particular na região de Nazaré, Atibaia, Bragança Paulista e Amparo foram considerados nas suas implicações músico-culturais no Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ de 1981. (Veja)


Os debates puderam fundamentar-se em dados e em pesquisas desenvolvidas nessa região desde fins da década de sessenta e que possibilitou o levantamento de nomes e instituições, analisadas desde então quanto às suas inserções em contextos e desenvolvimentos.


Lembrou-se, nessa ocasião de músicos que já se destacavam na década de 70 do século XIX, tais como Antonio Damião Mendes da Silva, Galdino de Oliveira Chaves e Theóphilo Esauro de Mattos, este à frente da Banda de Amparo. Da década de 80, as pesquisas já tinham constatado o florescimento da Banda Euterpe Amizade, esta já sob direção de um mestre italiano: Antonio Palmieri. Concomitantemente à atuação de músicos italianos em bandas, a época foi caracterizada pelo cultivo do piano em famílias de mais posses, salientando-se aqui o professor alemão Theodor Jahn.


Os Franciscanos alemães que chegaram a Amparo encontraram, assim, já senhoras e moças marcadas pela cultura musical alemã. Essas moças de famílias em ascensão e bem formadas, que se dedicavam ao piano, trazem à luz uma situação social da educação feminina que explica o sucesso tão rápido e surpreendente da Liga da Modéstia Cristã.


Também na esfera mais amplo da atuação franciscana para além do seu convento e igreja registrava-se vida musical intensa pela passagem do século, podendo-se aqui citar a Sociedade Musical Sant‘Anna da Pedreira, dirigida por Bento Gomes de Oliveira Leitão. No fim do século, os conjuntos musicais que competiam com a preferência da população - também sob o ponto de vista político - eram a Euterpe Amparense, dirigida por Antonio Jorge, e a Artística Amparense, sob a batuta de José Alves da Silva.



De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo







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Indicação bibliográfica para citações e referências: Bispo, A.A. (Ed.).Amparo (SP): Provincianismo e universalismo ultramontano de missionários alemães em regiões interioranas de cultura cafeeira e de imigração. Lembrando a Liga da Modéstia Cristã para a defesa da moral, dos costumes e do recato feminino. São Benedito!“ Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 150/5 (2014:4). http://revista.brasil-europa.eu/150/Amparo.html