Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
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Fotos A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E.
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 150/1 (2014:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N° 3113
Vaticano-Alemanha-Brasil
Religião/Ciência, Missão/Esclarecimento - nova luta cultural?
Paradoxais caminhos de processos anti-secularizadores na Europa e no Brasil
Nos 125 anos da proclamação da República no Brasil e 100 anos da eclosão da Primeira Guerra
As reflexões atuais foram precedidas e acompanhadas por trabalhos de reconsideração dessas atividades e do desenvolvimento do pensamento, de balanços e reajustes para um prosseguimento refletido dos debates que caracterizam as atividades da A.B.E. do corrente ano. (Veja)
Com esse procedimento, procura-se evitar repetições de argumentos, caminhos já percorridos e analisar criticamente possíveis desvios e instrumentalizações ocorridas no decorrer das décadas, corrigindo-os. .
Aqui tornou-se claro a necessidade de tecer-se reflexões mais diferenciadas sobre os pronunciamentos e as iniciativas eclesiásticas concernentes a uma nova-evangelização da Europa e de um novo espírito missionário nos países extra-europeus.
Ambos têm como objetivo a revitalização e propagação religiosa e dirigem-se de forma explícita ou implícita à superação de situações marcadas pela secularização.
Coloca-se, assim, a necessidade de retomada de análises de um antigo campo de tensões agora revivido com particular intensidade e que diz respeito às relações entre missão e esclarecimento, religião e ciência.
Eichstätt no „Ano Barroco 2014“ - Ouvindo vozes contrárias
As reflexões encetadas em Roma tiveram o seu prosseguimento em contextos particularmente marcados pelo Catolicismo da Alemanha, salientando-se aqui Eichstätt, um dos principais centros dos estudos universitários católicos na Baviera.
Nesse contexto impregnado do esplendor do patrimônio católico barroco e do espírito contra-reformatório depara-se com uma „Galeria de Críticos da Igreja“. Nela co-atuam entidades que se preocupam com o novo ressurgimento religioso e mesmo fundamentalista nas suas diversas formas. Elas defendem uma sociedade secularizada e o Esclarecimento sob o signo do Humanismo - um Humanismo que considere os conhecimentos científicos - um „Humanismo evolucionista“ .
Nesse sentido, dá-se continuidade ao intento que marca as edições da revista do corrente ano de reconsiderar e analisar desenvolvimentos das últimas décadas referentes ao Brasil à luz de tendências e exigências da atualidade, e aqui devem ser consideradas as tensões que podem ser observadas entre aqueles que se dedicam a uma revitalização religiosa através da ação missionaria e aqueles que se preocupam com esse ressurgir de intuitos anti-secularizadores.
Trata-se da sempre sentida necessidade de esclarecimento de complexos processos culturais do passado a serviço de uma maior claridade na consideração de preocupações do presente.
Questionar acepções e abertura à modificação de enfoques como exigências cientificas
A visão do passado e do presente de desenvolvimentos pode ser turvada não apenas devido à própria complexidade das questões tratadas, mas também pelo condicionamento cultural daquele que reflete. Este, pela sua formação, sob a influência do contexto em que vive e atua, de meios de comunicação, de ações propagandísticas, assim como de tradições de pensamento de áreas de estudos tende a conotar de forma nem sempre refletida fatos e desenvolvimentos como positivos ou negativos.
Torna-se necessário, assim, para um procedimento científico de análise de processos culturais, que também apreciações e imagens de fatos e decorrências sentidas como óbvias sejam questionadas. Essa disposição em considerar à distância e relativar avaliações pouco refletidas favorece uma análise mais diferenciada de processos históricos.
Desenvolvimentos até então irrefletidamente conotados positivamente podem revelar-se como problemáticos e mesmo negativos, tendências consideradas como progressistas mostram-se por vezes como retrógradas, e, vice-versa, desenvolvimentos vistos sob signo negativo podem manifestar suas qualidades positivas, situações supostamente avançadas como resultantes de retrocessos.
Nova Evangelização e novo espírito missionário - ações apenas positivas?
Nessa euforia marcada por simplicidade e alegria granjeadora de simpatias, esse intuito é percebido positivamente e aceito sem questionamentos, não apenas por católicos, mas também por aqueles de outras confissões ou mesmo por não-religiosos ou livre-pensadores.
Uma atitude de distância relativamente aos próprios condicionamentos culturais traz à consciência porém a necessidade de uma apreciação mais atenta desses intuitos e dessa intensificação de atividades que procuram reverter processos e situações marcadas pela secularização.
Considerando-se os trágicos desenvolvimentos que a intensificação de religiões tem levado em várias partes do mundo, criando tensões, conflitos e guerras que enegrecem as primeiras décadas do corrente século e representam um perigo para o globo justamente em época em que se rememora um século da eclosão da Primeira Guerra Mundial em agosto de 1914, toma-se consciência que as dúvidas, críticas, repulsas e indignações não podem valer apenas para a revitalização da força da religião em outros contextos culturais - por exemplo no mundo islâmico ou na esfera da ortodoxia do Leste - mas também para o próprio universo cristão ocidental.
Para aqueles que dedicam os seus trabalhos e as suas vidas à procura do alcance de conhecimentos com a preocupação de superação do abismo entre ciências naturais e ciências culturais ou do espírito, a revitalização da religião, se conduzida de forma que não auto-analise seus próprios edifícios de visões do mundo e do homem, apenas pode representar um retrocesso, um desenvolvimento altamente questionável criador de paradoxias e tensões, gerador de conflitos e de processos demolidores de valores conquistados com tantos esforços pelo homem no difícil caminho secular da procura de esclarecimento.
O combate explícito à secularização, um processo que se procura reverter, é não apenas expressão de esforços de recuperação de dimensões e sentidos mais profundos na compreensão do mundo e da vida que se encontrariam em risco, mas sim em muitos casos um combate explícito a um processo esclarecedor.
Necessária conscientização do patrimônio representado por processos esclarecedores
Na atmosfera criada pelas críticas à secularização por parte dos entusiásticos agentes da renovação religiosa, não só o Iluminismo como época, mas sim também o complexo processo de procura de conhecimentos e de esclarecimento do homem através dos séculos passa a ser visto indiferenciadamente com conotações negativas e essa negativização passa a ser assumida nem sempre se forma consciente por historiógrafos, intelectuais e cientistas.
Não há dúvida que o caminho do homem à procura do esclarecimento conheceu desvios e aberrações, que devem ser analisados nos seus contextos históricos e corrigidos nas suas implicações e consequências. Essa preocupação crítica diferenciadora não pode porém turvar a consciência de que aqui se trata um patrimônio cultural da Humanidade, ainda que complexo por encontrar-se em contínua dinâmica de esforços voltados ao progresso do saber, à clarificação de visões e à superação de trevas de preconceitos, intolerância e da escravização do homem a tradições mantidas cegamente, não refletidas e compreendidas.
É obrigação assim da Ciência - não só da parte dos cientistas naturais - conscientizar-se desse patrimônio, valorizá-lo nos seus aspectos positivos, superar desvios, dar prosseguimento aos caminhos em direção ao progresso dos conhecimentos e do esclarecimento, e defendê-lo contra iniciativas que os ignorem e que os combatem paradoxalmente em nome da luz, contribuindo na verdade ao obscurantismo.
Não apenas o atual movimento de reevangelização e missionário da Igreja deve ser aqui reconsiderado sob uma perspectiva não apenas irrefletidamente positiva - caso não seja acompanhado por uma estreita cooperação com cientistas culturais que se dedicam ao estudo de edifícios de concepções e imagens da compreensão do mundo e do homem.
Também e sobretudo a expansão de igrejas evangelicais de diferentes denominações no Brasil e em outros países e continentes devem despertar a preocupação e o espírito de defesa por parte de cientistas, intelectuais e por todos aqueles preocupados por valores do Esclarecimento. A propagação de concepções que se baseiam apenas no sentido literal das Escrituras, em leituras que não consideram sentidos mais profundos, não explícitos, - o que exige procedimentos hermenêuticos refletidos e conhecimentos da cultura da Antiguidade não-biblica - representam uma ameaça no caminho da procura de conhecimento, pois impededem o reconhecimento de estruturas internas e análises de um edifício de concepções e imagens que poderiam permitir a superação do abismo entre religião e ciência.
Em nome da liberdade religiosa corre-se aqui o risco de se por em perigo não só a liberdade de pensamento no seu sentido mais abrangente, como também os direitos humanos e os esforços de revisão de posições antropocêntricas nas relações do homem com outros seres viventes.
A análise dos múltiplos caminhos do obscurantismo surge aqui como uma exigência dos estudos culturais. O aumento das trevas de conhecimentos, de preconceitos e da intolerância que se constata em muitos países da atualidade como resultado da ação missionária de diferentes confissões deveria servir de advertência para o Brasil.
Uma nova „luta cultural“?
Esse fato pôde ser constatado em toda a sua força na „Galeria dos Críticos da Igreja“ (Galerie der Kirchenkritiker) em Eichstätt, cujas publicações e cartazes contrastam com a força de suas expressões com aquelas da celebração atual da cidade como centro do Catolicismo no „Ano Barroco 2014“.
Segundo essa Fundação, há a necessidade de uma concepção do mundo que esteja em concordância com os resultados da pesquisa científica, assim como de uma ética que se oriente segundo os direitos de auto-determinação do indivíduo no sentido da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da racionalidade crítica, da liberdade e justiça social.
Já essa menção a Albert Schweizer indica uma proximidade à tradição de pensamento à qual se vincula os trabalhos euro-brasileiros como desenvolvidos pela A.B.E. e aos intuitos de superação de antropocentrismo nos estudos culturais (Veja).
Nessa associação, congregam-se pessoas não-religiosas preocupadas com os Direitos Humanos em geral, em particular com a liberdade de visões do mundo. Essa Liga, que parte de uma absoluta separação do Estado e da Igreja, defende o direito de crítica à religião, frequentemente negado por seus representantes e adeptos em nome da proteção especial a sentimentos religiosos que não devem ser feridos. A entidade vê nessa exigência por parte de representantes religiosos apenas um desejo de censura. Repelem consequentemente tais tentativas, sejam islâmicas ou cristãs.
Para o IBKA, a história da Humanidade é uma história da Desumanidade, e nisso as religiões organizadas teriam desempenhado importante papel. A entidade lembra que na atualidade não se descortina um fim da violência religiosa e da intolerância. Pelo contrário, diariamente constatam-se atos de violência por parte de adeptos militantes de religiões. Pessoas que delas se afastam são marginalizadas socialmente, difamadas e correm até mesmo risco de vida. Isso não diz respeito apenas a contextos islâmicos, ainda que neles sejam mais evidentes. Também no Cristianismo desenvolveram-se nas últimas décadas fortes tendências fundamentalistas com a ação de grupos que pretendem estender à toda a sociedade as suas concepções de valor baseadas em convicções religiosas. É contra esse desenvolvimento que o trabalho da sociedade principalmente se dirige.
Werl -„cidade de peregrinação“. Uma polêmica nas suas relações com Portugal e Brasil
A máxima expressão desse culto é grandiosa procissão que se realiza anualmente no mês de maio e à qual concorrem grupos de migrantes portugueses e seus descendentes de várias regiões da Alemanha, uma tradição que já conta com mais de 40 anos.
A polêmica referida pelo IBKA partiu de um projeto voltado a incluir ao nome da cidade a cognominação oficial de „cidade de peregrinação mariana“. Essa definição da cidade devia marcar a imagem da cidade, passando a ser mencionada em papéis timbrados oficiais e placas. Como o IBKA salienta, esse intento ficou sem sucesso em parte devido às ações que lembraram o negro passado de queima de pessoas acusadas de feitiçaria na cidade, crimes estreitamente relacionados com a força da religião na localidade e cuja maior expressão é o culto à imagem na capela das peregrinações. Nesses protestos e nas atividades de informação da população se destacou a iniciativa „Livre de Religião no Revier“ (RiR).
A imagem venerada, do século XII, tinha sido objeto de culto e peregrinação em Soest; com a Reformação, foi trazida para Werl, cuja população tinha a necessidade de procurar apoio religioso devido às muitas calamidades por que a cidade passara com epidemias e grande incêndio. Segundo os críticos, nessa implantação do culto em Werl estiveram envolvidos aqueles que mais se salientaram na perseguição a pessoas acusadas de feitiçaria, na tortura e na morte por decapitação ou fogueira de muitas dezenas de homens e mulheres, calculando-se em 70 o número de mulheres queimadas vivas. Esses mortos não teriam sido totalmente reabilitados e dois dos principais iniciadores dos assassinatos ainda continuavam presentes em denominações de ruas. (Manfred Such, „Historische Tage on Werl - Religionsfrei im Revier in der Marienwallfahrtstadt Werl“, IBKA-Rundbrief Sommer 2014, 13-15).
Essa crítica estende-se também aos religiosos que atuaram na cidade, uma vez que a imagem foi confiada em 1661 aos Capuchinhos que para ali vieram em 1645 e que se empenharam na promoção do seu culto e da peregrinação.
No convento dos Capuchinhos, existente desde 1649, consagrou-se uma primeira igreja conventual e de peregrinação em 1669, capela que precisou ser ampliada na segunda metade do século XVIII (1786-89). No contexto da secularização, os Capuchinhos tiveram que abandonar a cidade, em 1836, passando a responsabilidade pela peregrinação aos Franciscanos, que a assumiram em 1848/49.
Se a fase anterior havia sido inserida no contexto da Contra-Reforma, esta segunda, a Franciscana, precedida pelo trauma da secularização, foi marcada pela „luta cultural“ que tanto influenciou a história político-cultural do Império Alemão fundado em 1871(Kulturkampf).
Nessa „luta“, os Franciscanos foram expulsos da cidade em 1875, retornando porém em 1887. Iniciou-se aqui um periodo de intensas atividades a serviço da restauração litúrgica e da vida religiosa sob o signo anti-modernista do Concílio Vaticano I. Esse entusiasmo restaurador foi acompanhado por atividades de construção, salientando-se aqui o projeto de uma grande igreja em estilo neo-românico que deveria substituir a antiga capela; um novo convento devia substituir o antigo dos Capuchinhos do século XVII.
Foi nessa época de florescimento da presença franciscana em Werl de fins da década de 80 e dos anos 90 do século XIX que se processou a ida de missionários alemães da Provincia da Saxônia da Ordem franciscana ao Brasil.
Atualidade do estudo da ação de Franciscanos alemães na anti-secularização do Brasil
Essa exigência é particularmehte premente no caso do Brasil, uma vez que os Franciscanos desempenharam desde o Descobrimento um papel relevante na formação cultural do país.
Após um período de enfraquecimento no século XIX, um ressurgimento da presença franciscana deu-se a partir da revitalização dos conventos com a nova situação criada com a proclamação da República em 1889. Esse revitalização da vida franciscana no Brasil tornou-se possível com vinda de religiosos alemães.
Com isso, essa fase mais recente dos Franciscanos no Brasil diz respeito à história das relações entre a Alemanha e o Brasil. Ela diz respeito também à pesquisa da imigração e da colonização, uma vez que os primeiros Franciscanos alemães já por questão de idioma estabeleceram-se primeiramente em regiões de colonias de imigrantes e da abertura de novas terras coloniais nos Estados do sul do Brasil, dali partindo o processo revitalizador em outras regiões. Tratou-se, assim, de uma primeira grande irradiação cultural partida de novas regiões colonizadas por europeus do sul aos centros antigos de outros Estados.
No estudo de processos culturais, a formação gradativa de rêdes que a partir do sul passaram a abranger a nação merece particular atenção e análise. Através dela deu-se a difusão de correntes do pensamento, prática da vida religiosa e do ensino por religiosos de cultura e socialização alemã de sua época. Estes revitalizaram os conventos, substituiram o antigo franciscanismo remontante à colonização portuguesa do Brasil, assim como expressões e práticas religiosas populares dele decorrentes e mantidas pela tradição.
A ação de Franciscanos alemães no Brasil, particularmente ativos no ensino, na construção de igrejas, na publicação de literatura de cunho edificante e na música, marcou a vida cultural do país sob diversos aspectos segundo o espírito e formas de expressão do Catolicismo alemão de cunho restaurativo do século XIX.
As reformas desencadeadas pelo Concílio Vaticano II trouxeram profundas transformações e a necessidade de revisões de desenvolvimentos à procura de reorientações. Devido aos contextos internacionais, em particular teuto-brasileiros nos quais se inseriu o Franciscanismo na sua segunda fase no Brasil, essa necessidade disse respeito tanto ao Brasil como à Europa. Um marco nos esforços comuns em resituar desenvolvimentos na época pós-conciliar foi encontro internacional realizado em Petrópolis, em 1981. Esse evento seguiu-se ao Símpsio Internacional „Musica Sacra e Cultura Brasileira“, levado a efeito em São Paulo.
Relembrando encontro internacional em Petrópolis em 1981
Pressuposto para reflexões quanto a balanços da situação e a redirecionamentos foi o traçado do panorama histórico da vinda dos Franciscanos alemães e do desenvolvimento de suas atividades nas várias regiões do país. Esses estudos precedentes foram realizados em bibliotecas e centros de instituições missionárias da Europa na década de 70, considerando-se em particular desenvolvimentos fFranciscanosranciscanos.
Esses estudos merecem ser recordados no ano presente, quando se rememora os 125 anos da proclamação da República e a passagem de um século da eclosão da Primeira Guerra Mundial. As décadas que precederam a Guerra foram marcadas por intensificação nas relações entre a Alemanha e o Brasil, e a vinda de religiosos alemães para a revitalização da vida conventual brasileira após a proclamação da República foi uma de suas expressões e um de seus principais motores.
A eclosão da Guerra - em particular a declaração de guerra do Brasil à Alemanha - representou uma cisão nesse desenvolvimento, o fim de uma fase marcada por intensidade de relações e extraordinária força da influência alemã no Brasil, levando a dificuldades em colonias alemãs no Brasil e na vida dos Franciscanos. Todos os frades e irmãos em idade militar apresentaram-se ao Consul alemão, sendo a sua ida para o combate apenas impedido pela presença de navios de guerra ingleses em mares brasileiros. Grande parte da população e da imprensa simpatizava com os aliados, o que dificultou as atividades dos religiosos alemães.
Os processos já desencadeados tiveram porém o seu prosseguimento. Ainda mais: as comunidades voltadas a si próprias e às próprias condições e forças desenvolveram empreendimentos que levaram a intensificar referenciais no próprio país a partir da criação de centros de formação de noviços com o sentido de fomentar o surgimento de uma nova geração de religiosos, filhos de colonos ou brasileiros.
Essa mais intensa orientação à realidade do país e às próprias forças, acompanhada pelo maior domínio do português dos Franciscanos já atuantes há décadas e as restrições quanto ao uso do alemão durante a Guerra contribuiram à integração dos religiosos no contexto cultural e educativo brasileiro e à efetividade de suas atividades por uma restauração da vida religiosa segundo os intentos que tinham trazido do Catolicismo europeu do século marcado pelo Historismo romântico, pelo Syllabus errorum e pelo Concílío Vaticano I.
O desenvolvimento assim esboçado indica o significado da história franciscana desse período sob a perspectiva dos estudos de processos culturais e a necessidade de sua pesquisa mais aprofundada sob enfoques outros daqueles dos próprios cronistas da Ordem.
Esse desenvolvimento quase que autônomo no país em tempos da Guerra explica também a dinâmica experimentada pelo Franciscanismo no Brasil após 1918. O período posterior à Guerra foi marcado por uma inversão de situações, e em contraste a uma Alemanha vencida e debilitada, as comunidades e os empreendimentos teuto-brasileiros ganharam em significado, também na própria Europa. (Veja)
Considerar esse complexo epocal marcado pelo apogeu de relações entre a Alemanha e o Brasil antecedente à Guerra, as dificuldades no seu decorrer e a dinâmica do teuto-brasileirismo após 1918 surge como necessário na diferenciação renovadora dos estudos Brasil-Alemanha.
Nesse intento, a história franciscana no Brasil desse periodo pode oferecer fundamentais subsídios aos estudos de relações entre o Brasil e a Alemanha. Com os seus empreendimentos e as suas atividades educativas e culturais os Franciscanos no Brasil possibilitaram a continuidade, de correntes de pensamento e de expressões remontantes ao período anterior à hecatombe bélica.
Parece poder perceber-se aqui uma defasagem de desenvolvimentos dos dois lados do oceano, surgindo nesse contexto o Brasil como um baluarte do conservadorismo e da reação, da permanência de intentos, concepções e práticas de um Catolicismo que, na Alemanha, tinha marcado a „luta cultural“.
Por detrás do progresso desenvolvimentista manifestado em igrejas, conventos, escolas, em órgãos de imprensa, nas artes e na música pode-se constatar a continuidade de concepções, intenções e formas de expressão de décadas passadas no período posterior à Guerra e que fizeram do Brasil - e de forma paradoxal justamente as novas regiões abertas à expansão colonial - um dos principais campos de ação de um movimento católico retroativo e mesmo reacionário, uma vez que procurava reagir em combate ao processo secularizador que viam como desencadeado à época do Esclarecimento.
Cumpre, assim, após 100 anos da eclosão da Primeira Guerra, recordar alguns dos aspectos desse Ciênciadesenvolvimento de rêdes a partir de regiões de colonização européia nos Estados do Sul do Brasil, trazendo à consciência os caminhos e as circunstâncias da fixação dos Franciscanos alemães e a auto-dinâmica de um processo conduzido no espírito de um Catolicismo restaurativo da Europa do século XIX.
O „Forum dos Povos“ dos Franciscanos em Werl (Forum der Völker), um dos mais modelares museus de natureza missiológica e etnológica da Alemanha, criado e conduzido com extraordinário empenho e competência, dedicando ao Brasil um amplo espaço, demonstra a orientação exemplar atual dos Franciscanos na defesa dos indigenas, dos pobres em geral e do meio ambiente no Brasil.
À procura de Esclarecimento através da Ciência e de um Humanismo que considere os resultados dos conhecimentos alcançados pelo homem deveria ser dada posição de primazia numa „luta cultural“ que parece estar em vigência: mas uma Ciência guiada pelo coração e conduzida segundo virtudes vividas pelos Franciscanos. O que os Franciscanos hoje defendem e vivem quanto à justiça social e às relações do homem perante à natureza e à vida animal não deveria ser tarefa de missionários que agem em nome da Religião, mas dos estudiosos e pesquisadores, do meio acadêmico que procede em nome da Ciência e do Esclarecimento.
Antonio Alexandre Bispo
Todos os direitos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.
Indicação bibliográfica para citações e referências: Bispo, A.A.„Vaticano-Alemanha-Brasil:
Religião/Ciência, Missão/Esclarecimento - nova luta cultural? Paradoxais caminhos de processos anti-secularizadores na Europa e no Brasil“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 150/1 (2014:4). http://revista.brasil-europa.eu/150/Processos_anti-secularizadores.html