Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Panteão Nacional, Lisboa 2012. ©A.A.Bispo


©A.A.Bispo


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Panteão Nacional, Igreja de Santa Engrácia, Lisboa, Fotos: A.A.Bispo 2012 ©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 148/1 (2014:2)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3072



Tema em debate


A internacionalização dos estudos culturais há muito já começou

As primeiras conferências de pesquisa de música e de Educação Artística
no espaço cultural luso e brasileiro a partir de 1975 na Alemanha

Crédito e Débito - Época de balanços e reajustes II

 

Neste seu segundo número de 2014, a Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira dá sequência às recapitulações e análises de desenvolvimentos iniciados em 1974 na Europa e que determinaram projetos, iniciativas e eventos dos anos posteriores.


M.A.A.Barbosa e A. Borges no Rio de Janeiro 1992 ©A.A.Bispo
Focalizam-se, nesta edição, em especial, personalidades portuguesas que desempenharam desde o início fundamental papel nessas reflexões, projetos e realizações: a Profa. Dra. Maria Augusta Alves Barbosa (1913-2013), falecida após completar 100 anos em 2013, e o Pe. Dr. Armindo Borges, que celebrou os seus 80 anos neste mesmo ano.


Os balanços e reajustes, que marcam as atividades da A.B.E. e do I.S.M.P.S. do corrente ano, vêm de encontro à necessidade de reconscientização de intuitos, de revisão de caminhos percorridos, de constatação de possíveis desvios, de identificação de circunstâncias que dificultaram ou deformaram projetos e das necessárias reorientações que devam ser tomadas.


Após 40 anos de atividades na Europa, a reconsideração dessas décadas de interações, de seus fundamentos e do que foi realizado surge como pressuposto para o prosseguimento refletido dos trabalhos. Longe assim de constituir simples rememoração de fatos, os textos publicados são direcionados ao futuro. (Veja)


Essa análise retrospectiva traz à consciência que esforços de internacionalização dos estudos culturais conduzidos de forma consciente e programada já datam de longo tempo, sendo o conhecimento de seus pressupostos, de suas inserções e seus desenvolvimentos necessários para que se evitem repetições e mesmo retrocessos.


Reflexões teóricas, difusão e formação artística. Licenciatura em Educação Artística


Não se pode esquecer que o início de atividades na Europa em 1974 seguiu um programa desenvolvido no Brasil, originado de reflexões remontantes à primeira metade dos anos 60 e que levaram, em 1968, à constituição de uma sociedade com o objetivo de renovação de perspectivas teóricas de disciplinas e de práticas culturais (Nova Difusão).


Repercutindo nos estudos superiores, em particular no âmbito de reformas no ensino da formação de professores nas áreas de artes e da música em São Paulo no início da década de 70, foram as suas preocupações e orientações que despertaram a consciência para a necessidade de interações internacionais para o desenvolvimento adequado das reflexões. Estas se desenvolveram assim dm época de discussão sôbre questões de elevações de institutos e conservatórios a nível superior, de equiparações de

M. A.A.Barbosa e A. Borges, Mosteiro de S. Bento, Rio de Janeiro. II° Congresso Brasileiro de Musicologia, 1992

graus e diplomas, de introdução de novas disciplinas, de intuitos de valorização universitária da formação artística em geral, da introdução da Licenciatura em Educação Musical e, a seguir, da Educação Artística.


O programa assim projetado foi resultado de um movimento já de longa data, no qual muitos participaram, que teve a sua expressão em iniciativas várias, projetos de pesquisas, concertos, cursos e conferências, e cuja realização na Europa a partir de 1974 apenas tornou-se possível graças ao Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD).


Pela própria natureza das suas questões e de seus intuitos, as atividades assim sistematicamente planejadas ultrapassavam fronteiras nacionais e não se restringiam a estudos de relações entre a Alemanha e o Brasil. A focalização privilegiada dessas relações foi decorrência de circunstâncias, de inserções em correntes de pensamento de personalidades de ascendência ou formação em países de língua alemã e, sobretudo, da possibilidade aberta à realização dos estudos, contatos e interações na Alemanha.


O contexto luso e brasileiro no vir a ser dos anelos originados no Brasil


Pelas suas origens, o referencial das reflexões, determinador de contatos e das iniciativas foi sempre o do contexto brasileiro e este, pela formação histórico-cultural do país e pelo idioma, o de sua inserção nos desenvolvimentos desencadeados pela expansão portuguesa, pelos Descobrimentos, pela colonização e pela imigração portuguesa posterior à emancipação política do Brasil. É ao contexto português e brasileiro no vir-a-ser dos anelos originados no Brasil e desenvolvidos na Europa a partir da Alemanha que a presente edição é dedicada.


Entre os países europeus, a Alemanha sempre ofereceu condições particularmente favoráveis para estudos transnacionais referentes a Portugal e ao Brasil, contando com uma longa história de relações entre intelectuais, pesquisadores, artistas e instituições. Esse passado necessita ser considerado nos contextos das diferentes épocas e nas suas inscrições em configurações políticas e político-culturais. Essa exigência diz respeito sobretudo à institucionalização universitária de estudos portugueses e brasileiros na Alemanha nas suas relações com centros portugueses, uma vez que decorreu em época de marcada pelo Nacionalsocialismo na Alemanha e pelo regime autoritário do Estado Novo português. (Veja)


A Segunda Guerra, com a derrota da Alemanha, não poderia deixar de trazer consequências para estudos tão marcados pelo contexto político passado, exigindo mudanças institucionais e reconsiderações de questionamentos e perspectivas. Em dimensões amplas, essas transformações foram dificultadas pela continuidade do regime político e de respectivas correntes de pensamento político-cultural em Portugal e pela divisão da Alemanha.


A complexa herança cultural dos brasileiros de ascendência portuguesa


Se no número anterior desta Revista considerou-se sobretudo a procura de esclarecimentos de complexas heranças culturais relacionadas com a Alemanha e o Brasil nas interações iniciadas em 1974 (Veja), a presente edição parte dos problemas com que se viam confrontados brasileiros, sobretudo aqueles de ascendência portuguesa perante a complexa carga de concepções, posicionamentos e tradições disciplinares e institucionais nos seus elos com Portugal a partir de meados dos anos 60.


Sobretudo áreas voltadas aos estudos culturais - como o Folclore, Etnografia e Antropologia - eram marcadas por publicações e iniciativas de propaganda cultural vinculadas á politica cultural portuguesa.


Os movimentos revolucionários que então se desencadearam em diferentes pontos do Império colonial português, acompanhado por lutas armadas, levando a emancipações de antigas colonias e ao retorno de portugueses ou emigrações de grupos populacionais de ascendência portuguesa de várias regiões, despertavam a atenção internacional e não podiam deixar de ter repercussão sobretudo nas colonias portuguesas no Brasil.


A vinda daqueles que deixavam as regiões conturbadas pelos conflitos e pelo processo descolonizador transmitia imagens e interpretações das decorrências marcadas pelas próprias experiências amargas de perda material, imaterial de vínculos culturais com o passado colonial de séculos, assim como de dificuldades existenciais.


Comunidades portuguesas ou grupos da sociedade de ascendência portuguesa recebiam assim, através de laços de parentesco ou afinidade cultural e de idioma com os imigrados, visões dos acontecimentos a partir de referenciais assim determinados, desestabilizando porém com a intensificação dos fatos certezas quanto a um Portugal transcontinental e correspondentes identificações com a sua história e dimensões culturais.


As perspectivas e posições da literatura revelavam-se como superadas, exigindo revisões que surgiam tanto mais prementes quanto mais a opinião acadêmica e pública passava a ver com simpatia anelos de emancipação e mesmo compreensão para com movimentos revolucionários e novas configurações políticas. As relações criadas entre países de afinidades políticas exigiam mudanças fundamentais de perspectivas, dirigindo a atenção a novos desenvolvimentos culturais ou a vínculos pouco considerados sob anteriores enfoques da história dos Descobrimentos e da Colonização, por exemplo relativamente a elos entre as novas nações africanas e Cuba ou o Leste europeu, aqui também a República Democrática Alemã.


O ímpeto renovador do pensamento e de ações - impulsos de Jorge Peixinho (1940-1995)


Momentos relevantes nessa mudança de visões e interpretações deram-se com a recepção, no Brasil, de posições e do pensamento de personalidades portuguesas que também reconheciam a irreversibilidade dos desenvolvimentos, a necessidade de mudanças políticas e que levariam por fim à Revolução em Portugal.


Esse foi o caso de Jorge Peixinho, compositor, regente, músico e intelectual que, após estudos em Portugal, na Itália, na Alemanha e na Suíça, tornara-se na década de sessenta um dos mais destacados representantes de tendências avançadas da música contemporânea, participando em festivais na Argentina e no Brasil, aqui também no âmbito dos Cursos Internacionais de Curitiba e Festivais de Música do Paraná.


Foi no contexto dos debates informais mas intensos que acompanhavam os processos criativos sob a sua orientação que ocorreu a aproximação entre o compositor português e o movimento originado em São Paulo em época de sua constituição na sociedade Nova Difusão, em 1968.


As interações entre correntes inovadoras da criação contemporânea e do pensamento português nas suas inserções internacionais e aquelas nascidas da necessidade de renovação de perspectivas em disciplinas culturais tiveram assim a sua origem no Brasil, constituindo o contexto no qual surgiram ponto de partida e referencial para as iniciativas posteriores na Alemanha.


Evento decisivo nessas interações de Jorge Peixinho com a Nova Difusão deu-se com a realização de uma conferência do compositor na Casa de Portugal de São Paulo, em 1970. Nessa ocasião, quando o compositor apresentou e comentou trechos de sua obra "As quatro estações", tornaram-se evidentes devido ao escândalo que a composição e suas explanações provocaram as fundamentais as tensões e mesmo incompatibilidades de visões, perspectivas político-culturais e orientações estéticas com representantes do pensamento marcado politicamente pelo sistema ainda estabelecido.


Situação e mudanças em rêdes sociais luso-brasileiras e associações portuguesas


Esse confronto conflitante com a problemática da herança de ideários e posições trouxe à consciência a necessidade de dar-se maior atenção às associações culturais portuguesas nos seus pressupostos históricos e nas mudanças por que passavam.


Essa preocupação correspondia àquela voltadas à função de sociedades e corporações na vida cultural de regiões imersas em processos de mudanças culturais e sociais com a abertura de estradas e que levou à realização de viagens de pesquisas ao Leste e Nordeste do Brasil e, a seguir, ao Sul.


Ela correspondeu também à atenção dada ao papel desempenhado por associações culturais em grupos de ascendência imigratória, de alemães ou italianos, que já há muito se confrontavam com a crise causada pela mudança do cenário político internacional com o fim da Guerra.


Após conferência no Centro de Comércio de São Paulo, em 1973, quando os resultados das viagens de observação e pesquisas foram considerados ao lado de questões relativas a estudos culturais,  em particular do Folclore, decidiu-se realizar uma viagem a Portugal para a constatação da situação de associações e da sua função no momento conturbado e de mudanças por que passava o país envolto em lutas na África. Esse intento, facilitado pela ascendência portuguesa dos pesquisadores, que puderam contar com o apoio de familiares em Portugal, efetuou-se no início de 1974.


As atenções concentraram-se sobretudo na Beira Baixa, procurando-se reconhecer - como anteriormente no Brasil - rêdes de relacionamentos entre corporações de diferentes localidades a partir de um determinado referencial, no caso aquela de Tinalhas. Exames de materiais que revelavam superadas funções exercidas pelos músicos na prática musical em igrejas relacionaram-se com a observação de problemas resultantes da falta de homens devido à guerra, com as suas implicações para a vida festiva das localidades.


Os contatos realizados mantiveram-se e possibilitaram a continuidade de intercâmbios tanto com a Alemanha a partir da segunda metade do mesmo ano como com o Brasil, estabelecendo-se, assim, um triângulo de relações que precedeu àqueles que se realizariam com a pesquisa relacionada com Portugal em Colonia, co-determinando com a experiência obtida perspectivas e diálogos.


Interações luso-brasileiras em contexto internacional - primeiras conferências em Colonia


Catedral de Colonia.©A.A.Bispo
Circunstâncias aparentemente incidentais levaram a que se encontrassem, em Colonia, em 1975, três pesquisadores de língua portuguesa que, apesar das diferenças de suas origens, idade, formação e caminhos até então percorridos - de Portugal continental, dos Açores e do Brasil - , uniram-se desde o início por estreitos laços de respeito, amizade e desejos de mútuas cooperações: Maria Augusta Alves Barbosa, Armindo Borges e o editor desta revista.


Esse encontro foi apenas aparentemente determinado pelo acaso, pois todos achavam-se na Alemanha e no mesmo Instituto da Universidade de Colonia pela mesma razão: o da procura de uma formação científica universitária tão sólida e aprofundada quanto possível para a realização de estudos relacionados com a cultura de seus países, assim como de ideais programáticos que acalentavam e que visavam um desenvolvimento adequado da pesquisa e que incluia a criação de correspondentes instituições.


Apesar das diferenças também desses projetos, havia uma similaridade de ideais que manifestava exigências supra-nacionais no espaço cultural luso e brasileiro que fundamentou as afinidades. Justamente as diferenças de formação e dos caminhos trilhados forneceram impulsos para trocas-de-idéias e experiências, refocalizações dos próprios projetos a partir de outros pontos de observação e contextos e para o fortalecimento da consciência de um necessário procedimento cooperativo e em conjunto.


Maria Augusta Alves Barbosa já se encontrava há muito na Alemanha e já tinha alcançado o doutoramento em 1970, preparando então a publicação de sua tese. Era professora do Conservatório Nacional de Lisboa, liberada oficialmente de seus encargos para o desenvolvimento de suas pesquisas nos grandes centros alemães. Tinha tido como mentores grandes nomes da Musicologia Alemã e era altamente considerada no meio universitário. Possuindo uma própria sala no Instituto, onde mantinha um fichário bibliográfico único nas suas dimensões no referente a Portugal e à literatura especializada em português em geral, foi a seu redor que os trabalhos se desenvolveram.


O Pe. Armindo Borges encontrava-se há pouco no Instituto, mas já há alguns anos em Colonia, onde especializara-se na Escola Superior de Música, passando assim à Pesquisa após longos estudos dedicados à música sacra, à composição e à regência nos Açores e no Pontificio Istituto di Musica Sacra, em Roma.


Decidira-se a não retornar aos Açores pois tomara consciência que, com a introdução das reformas pós-conciliares, ali já não havia condições para o emprêgo prático do que aprendera em tantos anos de estudos em tão renomadas instituições. Com isso, ruía também as bases para a realização de seu antigo plano de ereção de instituto de cultura musical a serviço educativo no arquipélago.


Êle, que havia descoberto em pesquisas o patrimônio musical açoriano de séculos e revelado nomes de músicos caídos em esquecimento, passava agora, com a sua sólida formação em estudos teóricos, por sugestão de M. A. Alves Barbosa, ao estudo musicológico da polifonia vocal em Portugal a partir do vulto de um mestre-capela da Sé de Lisboa: Duarte Lobo (156?-1646). Para a realização desse estudo, Armindo Borges desenvolveu amplos estudos de contextos em Portugal e na Alemanha, um dos quais, ainda não publicado, é incluido neste número.


O editor desta revista, liberado dos seus encargos de professor de Estética e Etnomusicologia da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo para a realização do programa de estudos, contatos e cooperações preparado no Brasil e iniciado no Norte da Alemanha em 1974 (Veja), trazia a experiência da introdução da Licenciatura em Educação Musical e Artística no Brasil e as preocupações quanto à necessária renovação de perspectivas de disciplinas no âmbito dos estudos do folclore, das artes e arquitetura, e da música no sentido da Nova Difusão, ou seja, do direcionamento da atenção a processos.


Relacionando-se  na mesma instituição, tendo os mesmos mentores, entre êles sobretudo Karl-Gustav Fellerer (1902-1984) e Heinrich Hüschen, inseriram-se em correlatas tradições do pensamento alemão, sendo marcados pelas suas áreas de interesse e pelas suas orientações.


Devido à afinidade temática, esses professores, ao lado de outros docentes e estudantes do Instituto, participaram estreitamente das reflexões voltadas à esfera cultural luso e brasileira, fazendo com que, em visão retrospectiva, torna-se possa identificar a corrente de pensamento justificativa do pêso dado a determinadas questões teóricas. Este era o caso do interesse por problemas relacionados com conceitos de modo, com a transformação da estruturação polifônica no campo de tensões entre direcionamento antes horizontal ou vertical homofônico, com problemas de intervalos e modificações de seus significados no tempo e com gêneros.


Significativo é o fato de abrir-se as conferências com a consideração de tradição das Lamentações de Semana Santa no Brasil, registradas em 1970, dela tecendo-se paralelos com as Lamentações que constituem foco da tese de Maria Augusta A. Barbosa, o que correspondia à especialidade de pesquisadores como Fellerer e Hüschen.


Também se pode constatar influências externas advindas de mentores e colegas de outras instituições ou fases da vida profissional. Este foi o caso de Hans Mersmann (1891-1971), Professor da Escola Superior de Música de Colonia, ex-colega e grande amigo de Maria Augusta Alves Barbosa. Nesta edição, procura-se analisar vários aspectos do pensamento da pesquisadora portuguesa que revelam a sua proximidade com as concepções e as visões de Mersmann. Estas, por sua vez, inscrevem-se em mais antigas correntes do pensamento alemão, tanto no que diz respeito à Historiografia (Veja ), à História das Artes (Veja ) e à Cultura (Veja )


A influência de Mersmann pode explicar também o papel desempenhado por questões que indicam a sua as suas funções de professor de instrumentistas e cantores, preocupado sobretudo com problemas de interpretação e leitura. Entre essas questões nascidas antes da música prática e do seu ensino, encontrava-se a da procura da realidade ou imagem sonora por detrás das notações. A análise de elos e relações contextuais servia para criar uma imagem que era então focalizada a partir da visão do intérprete no presente da execução.


Nesse sentido, as concepções de M.A. Alves Barbosa próximas às de Mersmann vinham de encontro àquelas preocupações trazidas do Brasil. O reconhecimento que à execução culturalmente adequada de obras do passado brasileiro poderiam e deveriam contribuir conhecimentos advindos da pesquisa empírica de tradições tinha sido não apenas tratado teoricamente, mas levado à criação de um coro e orquestra de experimentação dessas possibilidades (Coro e Orquestra de Música Sacra Paulista).


A atenção voltada a contextualizações de vultos e obras uniu-se àquela das ambientações, tanto no Brasil como nos trabalhos luso-brasileiros na Alemanha. Tentativas de ambientação serviram aqui também ao aguçamento da sensibilidade na percepção de contextos do pesquisador, auxiliando-o a transpor-se em empatia a situações distantes no tempo e no espaço. Nesse sentido, incluindo o fator lúdico de encenações, pode-se lembrar como exemplo de uma tentativa de ambientação realizada em viagem a Stuttgart do editor com Maria Augusta A. Barbosa.


É impossível lembrar nesta edição dos muitos nomes de pesquisadores e estudantes que, de forma repetida ou ocasional tomaram parte das reflexões voltadas a Portugal e ao Brasil. Pode-se, no caso de questões relacionadas com as artes, salientar contribuições e orientações do Prof. Dr. Karl Ladendorf (1908-1992) e quanto ao órgão, ao cravo e leitura de partituras, o nome do Prof. Dr. Rudolf Ewerhardt (1928-).


Apesar de uma certa concentração temática dos interesses que se explica pela atuação de mentores nos trabalhos, históricos e etnomusicológicos, não se descuidou da consideração de temas relacionados com desenvolvimentos artísticos e musicais contemporâneos. A realização de apresentação de Margarita Schak Koellreutter foi um evento que deu novos impulsos revitalizadores das reflexões. As estadias do Prof. Dr. Francisco Curt Lange (1903-1997) dirigiu a atenção às relações entre o estudo do espaço cultural luso e brasileiro e a América Latina em geral, passando a considerar-se questões relacionadas com o interamericanismo e os processos históricos comuns.


Um papel de importância desempenharam também os muitos brasileiros e portugueses residentes em Colonia, devendo-se salientar sobretudo a cantora Maura Moreira, há muito atuando na Ópera de Colonia, líder inquestionável dos brasileiros nessa cidade. A ela se deve o primeiro recital de modinhas portuguesas e brasileiras no Instituto de Musicologia em 1975. Algumas em primeira audição, baseavam-se em pesquisas realizadas pelo editor desta revista no Brasil e em arquivos europeus.


Um foco de atenções: a Educação Artística no Brasil e em Portugal


Os trabalhos decorreram em interações com o Brasil através de correspondência ou de visitas ocasionais. Sobretudo notícias frequentes recebidas de projetos e realizações na Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo eram transmitidas e comentadas.


Em fins de 1979, a questão da Educação Artística, já sempre discutida a partir da perspectiva brasileira a partir das informações recebidas de São Paulo, ganhou nova atualidade. Maria Augusta A. Barbosa recebeu então pedido para dar o seu parecer ao Projeto de Proposta de Lei de Bases do Plano Nacional de Educação Artistica do Ministério da Educação e Investigação Científica de Portugal, preparado por um Grupo de Trabalho para a Reestruturação do Ensino Artístico.


Esse projeto, que tornou-se centro das reflexões, ainda que muito bem recebido na sua fundamentação teórica, levantou questões críticas, muitas delas já há muito reconhecidas no Brasil e que haviam sido motivo de discussões. Entre elas, aquelas relativas à elevação de escolas de formação artística e conservatórios a instituições superiores, a introdução da Licenciatura em Educação Artística e da Licenciatura de curta duração, da equivalência de graus e diplomas concedidos por escolas de artes e faculdades universitárias e, sobretudo, o da inclusão das Ciências Musicais em cursos de formação artística.


Esta proposta contrariava fundamentalmente os intentos não só da pesquisadora portuguesa como também do programa desenvolvido no Brasil de introdução dos estudos científicos relacionados com a música em Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Para fundamentar o seu parecer, Maria Augusta A. Barbosa realizou um inquérito do procedimento seguido em universidades e conservatórios de diversos países europeus. Esse inquérito serviu também para as tentativas que então se faziam junto a universidades brasileiras no sentido da introdução adequada da Musicologia no sistema universitário.


A década de 80 foi marcada por mudanças no quadro exposto nesta edição, causadas sobretudo pelo retorno de Maria Augusta A. Barbosa a Portugal, onde finalmente, já com idade avançada, pôde criar o primeiro Departamento de Música de uma universidade portuguesa. Paralelamente, o editor desta revista realizou uma viagem em vários Estados do Brasil, com o objetivo de preparar a ereção do projetado instituto, da Sociedade Brasileira de Musicologia e do simpósio internacional que devia realizar-se em 1981. Na Alemanha, o Pe. Dr. Armindo Borges iniciava uma nova fase de sua vida com a nomeação a pároco da Missão Portuguesa de Colonia. Passando a liderar a maior comunidade lusófona da Europa Central, esteve em condições de orientar grandes festivas culturais da imigração lusófona e possibilitar trabalhos e eventos voltados a processos culturais concernentes a imigrações.


A intensa correspondência de Maria Augusta A. Barbosa dos anos 80 registra as dificuldades que encontrou em Portugal, sentindo-se pouco compreendida na sua concepção de Ciências Musicais.


Também não se encontrando possibilidades para a criação de um instituto em Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras no Brasil, constatando-se afastamento da Sociedade Brasileira de Musicologia de seus propósitos iniciais e considerando-se a favorável situação existente em Colonia com a sua grande comunidade lusófona, chegou-se a decisão de ereção de uma instituição internacional de estudos da cultura musical do espaço de língua portuguesa, o que aconteceria em 1985: o I.S.M.P.S..


Essas decorrências da década de 80 deverão ser tratadas mais pormenorizadamente nos próximos números desta revista.


Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "As primeiras conferências de pesquisa de música e de Educação Artística
no espaço cultural luso e brasileiro a partir de 1975 na Alemanha".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 148/1 (2014:2). http://revista.brasil-europa.eu/148/Primeiras-Conferencias.html