Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©

Fotos: A.A.Bispo 2007 Campos e Cabo Frio (texto) ©Arquivo A.B.E..
Foto antiga de Campos: revista
Eu sei tudo 1919.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 151/4 (2014:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N° 3131



Quissamã (RJ)

Fundamentos do catolicismo tradicionalista norte-fluminense
Elos genealógicos com Santo Antonio e militância restaurativa de Franciscanos alemães



 
Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©
O atual Pontificado vem apresentando sinais de mudanças de direcionamento de atenções e prioridades que merecem ser consideradas sob a perspectiva dos estudos culturais pelas suas concepções e implicações diretas e indiretas em processos culturais.


Sob alguns aspectos, - como o emprêgo do termo „inculturação“ indica - constata-se uma retomada de concepções discutidas nos anos que se seguiram ao Concílio, em particular nos anos 70 e 80. Cumpre, assim, considerar as reflexões e as análises de desenvolvimentos no decorrer desses anos, no qual o Brasil desempenhou um importante papel, sob muitos aspectos contraditório.


Se a imagem do Brasil nas suas relações com o Catolicismo é marcada sobretudo por posições de cunho renovador referenciadas pelo Concílio, pelo seu direcionamento social e pela Teologia da Libertação, não se pode esquecer que o Brasil desempenhou - e desempenha - influente papel quanto a posicionamentos contrários, conservadores e mesmo reacionários, no sentido que não apenas questionam interpretações de textos conciliares e desenvolvimentos, mas que até mesmo chegam a colocar em dúvida a legitimidade do conclave e de pontífices. 


Esse papel do Brasil foi considerado em diversas ocasiões e sob diferentes aspectos, tendo-se procurado analisar os contextos culturais que explicam tal intensidade do empenho ultraconservador de determinados círculos católicos do Brasil.


Entre êles, a região norte-fluminense, em particular Campos, despertou sempre particular atenção, sendo objeto de viagem de estudos em 1972, realizada sob o signo do estudo de processos culturais promovido por sociedade então recentemente constituída (Nova Difusão) e que levou a observações em Macaé, Campos e outras cidades do Rio de Janeiro.


O desenvolvimento secular na região fluminense e a reação anti-secularizadora


Na viagem de estudos e contatos de 1972 constatou-se que de forma alguma o desenvolvimento histórico-cultural dessa região pode ser  considerado exclusivamente sob a perspectiva do seu tradicionalismo.


Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©

Campos RJ. Foto A.A.Bispo2007 ©
Pelo contrário, o extraordinário apogeu que a prática associativa, em particular a de corporações musicais, alcançou em várias dessas cidades na segunda metade do século XIX, o que se manifesta na representatividade de suas sedes e nos seus repertórios, testemunham uma vida social e cultural que se orientava segundo tendências percebidas como progressistas e avançadas da época. Teria sido justamente a intensidade da secularização da cultura urbana norte-fluminense que explicaria a força do movimento contrário anti-secularizador que ali se estabeleceu.


Os resultados dessa viagem forneceram as bases para o tratamento do tradicionalismo católico brasileiro no programa de estudos desenvolvido na Europa, a partir de 1974, e que prepararam a discussão diferenciada dessa problemática no âmbito do Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ de 1981, em particular no encontro realizado a seguir em Petrópolis e no Rio de Janeiro.


Por último, a região fluminense foi revisitada em 2007 por membros da A.B.E.. O motivo dessa visita foi a intensificação das atividades de movimentos e organizadoras ultraconservadoras e mesmo reacionárias do Catolicismo brasileiro que se constatou nas últimas décadas.


A influência internacional tradicionalista brasileira fê-se sentir de forma intensa na Europa também e sobretudo no passado mais recente, um desenvolvimento que, nos últimos anos do Pontificado do Papa emérito Bento XVI, levou a situações críticas e a polêmicas na imprensa, sobretudo em países de língua alemã.


Franciscanos e o tradicionalismo norte-fluminense no encontro internacional de 1981


Em situação marcada por dilemas, mudanças e reorientações em decorrência do Concílio Vaticano II e de expectativas do início do Pontificado de João Paulo II, considerou-se, no encontro internacional de Petrópolis e Rio de Janeiro, em 1981, dos fundamentos histórico-culturais de posições ultra-conservadoras e mesmo de intentos de retorno a concepções de culto e cultura pré-conciliares.


Foco das atenções foi o papel exercido pelos Franciscanos alemães na intensificação de tendências restaurativas nessa região à época da revitalização da vida conventual no Brasil após a República e as mudanças que se colocavam ao Franciscanismo no Brasil no período pós-conciliar.


O desenvolvimento do Franciscanismo revitalizado por missionários alemães no norte fluminense foi discutido sobretudo com base em obra do franciscano P. Cletus Espey OFM, publicada na Alemanha por motivo dos 25 anos da reinstalação da Província da Imaculada Conceição no Sul do Brasil (1901-1926). (Festschrift zum Silberjubiläum der Wiedererrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. Westf.: Franziskus-Druckereum 1929).


O papel exercido pelos Franciscanos alemães na intensificação tradicionalista do Catolicismo nessa região foi comparado com aquele de direcionamento contrastante dos representantes franciscanos da Teologia da Libertação. Os debates em Petrópolis chamaram a atenção à exigência de uma consideração mais diferenciada dessa corrente teológica, assim como de superação de imagens superficiais do Franciscanismo.


Contrastes entre o ultra-conservadorismo ou mesmo reacionarismo político-cultural de extrema direita de certos círculos e tendências vistas de esquerda ou de influência marxista perdem muito de suas tensões se considerados a partir de análises de processos culturais, chamando assim a atenção à necessidade de estudos mais diferenciados de fundamentos de concepções franciscanas.


Combate à secularização na atualidade e nas primeiras décadas republicanas


As preocupações de então adquirem hoje particular atualidade devido à popularidade do Franciscanismo derivada do nome do atual Pontífice - que surge em si como um programa - e pela reintensificação do movimento re-evangelizador na Europa e missionário no Brasil. (Veja)


Em época em que se comemora os 50 anos do Concílio Vaticano II, marcado pelas janelas que abriu ao século, cumpre recordar uma época que se seguiu ao Concílio Vaticano I e que foi marcada por uma intensificação da missão, então conduzida sob o signo do anti-modernismo.


Com a revitalização da vida conventual e da ação das ordens religiosas européias no Brasil para a restauração dos antigos conventos o Brasil entrou em sintonia com as mais conservadoras e mesmo reacionárias tendências do Catolicismo europeu de fins do século XIX. Este era marcado pelo combate à secularização e a uma vida religiosa vista como decadente ou enfraquecida, revitalizando em novos contextos político-culturais a militância contra-reformatória de séculos passados.


Esse movimento, em paralelos e em relações com o ultramontanismo na França e em outros países latinos, marcou e foi marcado na Alemanha - país da Reformação - por tensões político-culturais da assim chamada „luta cultural“ (Kulturkampf). Apesar da situação conflitante e das agressões em palavras e ações das partes envolvidas, as décadas que se sucederam ao Primeiro Concílio Vaticano I levaram a uma revitalização de conventos e a uma atividade construtiva extraordinária na Alemanha, o que se manifesta nas suas numerosas e monumentais igrejas de estilo neo-gótico do século do Historismo e das décadas que o seguiram.


Não o questionamento de fundamentos e justificativas da ação estavam no centro das preocupações, mas sim o viver e o fomento da frequência à missa e aos sacramentos em geral, o aumento das confissões, dos batizados, das comunhões, e da assistência religiosa a doentes e moribundos.


A essas demonstrações edificadas correspondia a propaganda impressa de uma nova literatura moralizante e edificante segundo critérios do Catolicismo alemão, primeiramente tradições, a seguir obras escritas ou promovidas pelos próprios missionários.


O norte-fluminense nos caminhos do processo anti-secularizador no Brasil


Primeiramente levados a atuar em meios coloniais da imigração alemã já pelo idioma e pelas condições climáticas e mesmos pressupostos culturais, os missionários alemães que conduziram o processo de revitalização do Franciscanismo no Brasil, ainda que vindo através da Bahia, partiram em grande parte de novas fundações e em regiões em expansão colonial do Sul do Brasil para, a seguir, passar aos centros que contavam com um passado da ação franciscana.


Trata-se, assim, de um singular caminho, a primeira ação de maiores e mais profundas consequências que, partindo das colonias de imigrantes, extrapolou a esfera colonial, dirigindo-se às grandes cidades e às regiões que haviam experimentado a ação franciscana em tempos passados.


Do Sul do Brasil, inicialmente em contexto de imigração alemã e a seguir de colonos italianos devido a seu catolicismo, os missionários passaram a atuar na esfera do Rio de Janeiro, sede do poder eclesiástico e político nacional. Também aqui o início deu-se em contexto cultural alemão e teuto-brasileiro de Petrópolis (Veja), passando então à revitalização do antigo Convento de Santo Antonio do Rio de Janeiro. (Veja)


A revitalização dos antigos conventos foi, assim, ao mesmo tempo, o de uma reeuropeização no sentido restaurador, ou mais especialmente, de uma germanização católica marcada ainda por ecos da „luta cultural“. A nova cultura religiosa passou a substituir aquela de características luso-brasileiras remontante à colonização portuguesa e que já não vivia tanto nos conventos vazios, mas na religiosidade popular.


Restauração em meios tradicionalistas do norte fluminense - elos com Santo Antonio


Os Franciscanos tomaram contato com formas de expressão e práticas do Catolicismo popular de origens luso-brasileiras em Santa Catarina, quando passaram a atuar junto a comunidades mixtas ou aquelas mais próximas do litoral, em particular da capital e na ilha de São Francisco. (Veja)


No Rio de Janeiro, constataram a força da devoção de Santo Antonio de Pádua ou de Lisboa. A reconstrução do convento e da igreja respectiva foi possibilitada em grande parte por doações de devotos do santo português. Se o convento franciscano estava praticamente em extinção, usado em grande parte para fins seculares, o antigo Franciscanismo permanecia vivo na tradição popular.


A tradição do culto de Santo Antonio no Brasil foi também que possibilitou a expansão do processo revitalizador dos antigos assentamentos Franciscanos nas regiões do interior fluminense.


Segundo o Pe. Cletus Espey OFM, o cronista que vivenciou o desenvolvimento da Ordem no Brasil, foi a família dos Condes de Araruama que desempenhou o principal papel na revitalização do Franciscanismo na região fluminense.


Foi a pedido de membros dessa família, proprietários da maior usina açucareira do Brasil - a Cia. Engenho Central de Quissamã - e do solar da Fazenda Quissamã, que os primeiros frades se dirigiram ao norte fluminense, onde se instalaram em 1902, assumindo a paróquia local. Essa família ofereceu aos Franciscanos uma grande casa que, rodeada de jardim, vinha de encontro às exigências da vida conventual segundo os ideais franciscanos.


Repetindo o feito de seus antepassados, os Araruama apoiaram a restauração franciscana pela passagem do século, a sua vinda, a construção da nova igreja paroquial e do seu convento. Esse empenho era fundamentado na tradição familiar de descendência da família de Bulhões e, assim, de parentesco com Santo Antonio. Essa tradição levava a uma intensa veneração do santo na família e também a um sentido de dever em manter viva a sua memória e a tradição franciscana.


O empenho da família baseava-se em tradição que remontava à Idade Média, sendo orgulhosa de ter antepassados que haviam apoiado a Igreja já à época das cruzadas. Segundo a tradição familiar, seriam primos de Santo Antonio, pois eram ligados por elos de parentesco com os Bulhões, ou seja, com a família do santo.


Esses elos genealógicos transmitidos por tradição fundamentaram um intenso culto a Santo Antonio na família, o que levara já no passado à construção de convento. Em troca da doação do Convento de Nossa Senhora dos Anjos de Cabo Frio - e da manutenção fornecida pela família e, forma de doação anual de reses -, os Franciscanos tinham assumido no passado a obrigação de orar pela família nas suas orações em coro.


Havia, assim, um fundamento histórico-genealógico e um interesse familiar que justificaram a revitalização franciscana no norte-fluminense. A família, logo após a tomada de conhecimento da chegada dos Franciscanos alemães, empenharam-se em conseguir a vinda de religiosos para a região, fornecendo, como no passado, apoio para o seu estabelecimento e manutenção.


A tradição de Santo Antonio possibilitou assim a implantação do processo restaurativo de contextualização do Catolicismo alemão no interior do Estado do Rio de Janeiro. Se os Franciscanos já se tinham confrontado com um uma cultura católica de antiga proveniência colonial em São Francisco do Sul, no norte fluminense passaram a exercer a sua ação reformadora em região que demonstrava ter possuido um passado de grande prosperidade material. Essa grandeza manifestava-se nas casas de engenho ou de fazendas, como nas de Mato de Pipa, construída em 1777, das de Santa Francisca, São Manoel, Melo ou Floresta, ou mesmo da tradicional Fazenda Quissamã, de 1826.


O tradicional Catolicismo das famílias de grande posses fluminenses surge assim como fundamento e motor do processo restaurativo católico anti-secularizador, sendo significativo constatar assim que uma Ordem, cuja imagem é tão relacionada com os pobres e necessitados, também aqui foi apoiada por círculos de grandes posses e de grande influência na sociedade.


Esse fato sugere uma relação entre o tradicionalismo e a consciência histórica familiar de origens portuguesas com o movimento restaurativo do Catolicismo europeu do século do historismo, não sem implicações políticas no Brasil republicano, uma vez que os Franciscanos alemães viam no imperador deposto o principal representante de uma tradição do Esclarecimento e da secularização que pretendiam combater.


As perdas alcançadas por grandes proprietários possuidores de escravos com a abolição em 1888, o apoio à República proclamada em golpe militar de 1889 e o restauracionismo católico devem ser analisadas com maior atenção para a compreensão dos desenvolvimentos na região dos engenhos fluminenses.


Imagens referenciadas pela África de regiões de difícil acesso e de luta com não-cristãos


Se os Franciscanos alemães na sua ação assistencial já tinham tido experiência com a situação religioso-cultural de populações litorâneas em São Francisco do Sul, na região de Macaé defrontaram-se aqui de forma mais acentuada com grupos culturais de ascendência africana.


Como mencionado no livro do P. Cletus Espey O.F.M., o próprio nome Quissamã derivava-se da região de proveniência de escravos africanos. Através dessa publicação tomava-se conhecimento, na Alemanha, de tradição documentada no „Roteiro dos Sete Capitães“ de Miguel Aires Maldonado, quando o nome foi dado à região durante a sua viagem de exploração de 1632.


O nome de Quissamã remonta à época de tensões entre a Aldeia Nova de índios Goitacases, na qual vivia um africano livre de nação Quissamã, ou seja, proveniente de Angola, o que causou surprêsa aos exploradores.


Essa situação - se correspondendo a fatos históricos ou não - pode ser interpretada segundo um modêlo de imagens da presença de um batizado em meio a não-cristãos, conhecido de situações relatadas na história missionária e hagiografia, também na de Santo Antonio como atuante em meio a mouros no Norte da África.


É possível, assim, que essa narrativa, correspondendo a configurações da linguagem de imagens, fundamentasse denominações segundo idéias de região selvagem, agreste, de desterro, uma vez que Quiçama, em Angola, é região de campos, matas e rica vida animal, hoje Parque Nacional. Assim como na África, tratava-se de uma região habitada por indígenas.


A história do culto a Santo Antonio e do correspondente passado franciscano norte fluminense remonta à povoação que se criou próxima à fazenda Quissamã, cuja história relaciona-se estreitamente com a igreja levantada em cumprimento de promessa. Já matriz em 1805, a sua construção concluida em 1815 entre outros por José Caetano Carneiro da Silva (1836-1925), que seria o primeiro visconde de Araruama, e João Carneiro da Silva, primeiro barão de Ururaí.


Dessa fundação resultou a freguesia de Nossa Senhor do Desterro de Quissamã, vinculada a Campos (São Salvador dos Campos dos Goytacazes), uma designação que deve ser considerada com atenção à luz das relações de imagens acima sugeridas. Em contraste com esse „desterro de Quissamã“, posto sob a proteção de Cristo, criou-se a freguesia de Nossa Senhora das Neves nas regiões montanhosas, invocação que também pode ser compreendida nos seus elos com a natureza.


Em 1802, Quissamã passou a ser centro da comarca, estando a esta subordinada a de Nossa Senhora das Neves. Desmembrando-se de Campos, foi integrada a Macaé, em 1813, esta sob invocação de São João, anteriormente pertencente a Cabo Frio (Nossa Senhora da Assunção de Cabo Frio)


A imagem de região distante e de difícil acesso que merecera no passado a designação de Quissamã atualizou-se nessa nova fase de restauração do Franciscanismo.


Na Alemanha, os leitores da obra de P. Cletus Espey tomavam conhecimento das grandes dificuldades que os Franciscanos encontraram para alcançar a região. Em época de viagens a cavalo, Quissamã era de difícil alcance, exigindo muitos esforços dos missionários europeus, também pelas condições climáticas. Justamente essas dificuldades acentuavam o sucesso das suas atuações no sentido de transformar o norte fluminense em centro importante da restauração religiosa, contribuindo ao fortalecimento do tradicionalismo regional sob o signo do Catolicismo alemão da „luta cultural“.


As bases imagológicas antonianas em processos ultra-conservadores e reacionários


Em várias ocasiões foram consideradas as bases imagológicas que podem elucidar processos culturais na região fluminense e o papel que desempenharam e desempenham no ultra-conservadorismo e mesmo reacionarismo em contextos globais.


A história de vida de Fernando Martim Bulhões e Taveira Azevedo (ca. 1195-1231), nascido em meio familiar de posses e que obteve elevada formação teológica e intelectual, passando aos Franciscanos após o sepultamento dos cinco mártires do Marrocos, vem de encontro à imagem tanto de uma renovação eclesiástica, de um combate à secularização da sociedade quanto à missão entre infiéis.


Correspondendo à estrutura anti-tipológica do edifício de concepções do mundo e do homem do Cristianismo, de seus mecanismos intrínsecos e que são aqueles da antiga hermenêutica, essa militância decorre por outros meios do que aqueles marciais da violência: através da modéstia, da cordialidade, do amor, da caridade, da doçura de gestos e da alegria seráfica.


Antonio surge como anti-tipo de um Marte, mas mesmo assim um modêlo de soldado do combate espiritual, compreendendo-se assim ter sido feito protetor ou „capitão“ de exércitos em Portugal e nos seus territórios no mundo extra-europeu. Essa imagem de Santo Antonio corresponde àquela da tradição conhecida no Brasil sob o nome de Ogum, não havendo aqui apenas empréstimos ou adaptações sincretísticas, mas sim expressão de uma lógica interna apenas compreensível a partir de uma consideração adequada da hermenêutica do passado.


Principais nomes dos agentes do combate anti-secularizador no norte fluminense nessa época de revitalização religiosa foram os franciscanos Nicolaus Leurs (1902-1904), Philipp Niggemeyer (1904-1907, Marcellus Baumeister (1907-1914), Augustinus Fremmer (1914-1920) e Georg Hoolmanns (1920-1923). À época de Augustinus Fremmer, coincidindo com os anos da Guerra Mundial, foi a região assolada por grandes enchentes, fato interpretado como castigo pela falta de religiosidade e pela ambição materialista da sociedade secularizada.



De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo





Todos os direitos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.). „Quissamã (RJ). Fundamentos do catolicismo tradicionalista norte-fluminense. Elos genealógicos com Santo Antonio e militância restaurativa de Franciscanos alemães.“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 151/4 (2014:5). http://revista.brasil-europa.eu/151/Quissaman.html