Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Vaticano. Foto A.A.Bispo 2014 ©


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Fotos A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..
Fotos antigas:  Teresopolis SC, W. Sievers, Süd- und Mittelamerika, Leipzig/Wien 1903; Franciscanos, Cletus Espey, op.cit.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 151/1 (2014:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3128





Popularidade do Franciscanismo e os Franciscanos da Província da Saxônia no Brasil
na história político-cultural da República
Estações e caminhos do processo anti-secularizador no
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná.


Época de balanços e reajustes V

 
Vaticano. Foto A.A.Bispo 2014 ©
A presente edição da Revista Brasil-Europa/Correspondência Euro-Brasileira dá continuidade a seu número precedente, dedicada ao tema Religião/Ciência, Missão/Esclarecimento - nova luta cultural?

Paradoxais caminhos de processos anti-secularizadores na Europa e no Brasil. (Veja) Enquanto esse tema foi então considerado no contexto dos Estados de São Paulo e Santa Catarina, êle é aqui tratado com relação ao Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná.


Como no número anterior, publicam-se nesta edição resultados de estudos e reflexões levados a efeito no Vaticano, na Alemanha, na Áustria e Eslovênia no corrente ano de 2014 e que recapitulam, sob perspectivas partidas do presente, trabalhos que levaram a encontro internacional em Petrópolis em sequência ao Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“, em 1981. (Veja) Neste número dá-se continuidade a estudos de imigração relativos à Polonia levados a efeito por último em Danzig, em 2013 (Veja) e em regiões de antiga população alemã na atual Romênia, em 2011 (Veja).


Procura-se, com os presentes textos, trazer à consciência estudos, preocupações e iniciativas das últimas décadas com a intenção de um prosseguimento fundamentado do pensamento e das ações pragmáticas, evitando-se repetições e retrocessos.


Ponto de partida das reflexões é a atualidade do Franciscanismo e o recrudescimento de intentos missionários, o que levanta questões relativamente às implicações de uma revitalização religiosa e consequentemente anti-secularizadora para as Ciências e para processos esclarecedores.


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Popularidade do Franciscanismo no atual Pontificado e história franciscana


O nome do Papa Francisco, os seus pronunciamentos de crítica econômico-social e os seus atos voltados aos pobres, aos desprivilegiados e marginalizados, a sua modéstia, simplicidade e alegria têm emprestado nova relevância a Francisco de Assis (1181/2-1226) e a valores do Franciscanismo, ainda que pela primeira vez se tenha um Jesuíta na sede pontifícia.


Para a consideração adequada dessa atual simpatia por valores e modos de expressão, comunicação e agir associados com o Franciscanismo, assim como das próprias orientações pontifícias e tendências eclesiásticas torna-se necessário considerar diferenciadamente a inserção e a ação dos Franciscanos em processos históricos, também nas suas dimensões político-culturais.


Há riscos de visões idealizadas, não totalmente pertinentes. Corre-se o perigo de recepções inadequadas de pronunciamentos e modos de expressão e comunicação, de projeções de desejos e expectativas, de suposições de orientações que não correspondem àquelas que guiaram a ação franciscana nos muitos séculos de sua história.


A história franciscana e do Franciscanismo na cultura é complexa, marcada tanto por continuidades como também por descontinuidades e mudanças, o que exige análises diferenciadas segundo épocas, contextos culturais e esferas regionais. Ela tem sido objeto de numerosos estudos, sendo tratada sob diferentes perspectivas em visões abrangentes e em trabalhos dedicados a seus fundamentos e, de forma especializada, a vários de seus aspectos.


A consideração dessa vasta literatura e o prosseguimento dos estudos de forma refletida a respeito de seus enfoques e métodos surgem como uma exigência para os estudos de processos culturais em contextos globais, uma vez que os Franciscanos desde a Idade Média desempenharam fundamental papel na história missionária, nos contatos com culturas extra-européias, na atuação em ilhas e continentes desde então descobertos.


Seja o caso das tentativas medievais de renovação religiosa da sociedade, da ação na esfera islâmica norte-africana e no Oriente, da colonização das ilhas atlânticas das Canárias ou da Madeira ou na participação em viagens de descobrimentos ao longo da costa africana e em direção às Índias do Ocidente e do Oriente, a consideração dessa história franciscana anterior ao Descobrimento do Brasil surge como pressuposto para o estudo mais aprofundado da ação dos Franciscanos e do Franciscanismo na então significativamente designada como „Terra de Santa Cruz“.


Os Franciscanos nos estudos de processos culturais euro-brasileiros


Consequentemente, a história franciscana dos séculos anteriores ao Descobrimento tem recebido atenção em estudos que se relacionam com o Brasil das últimas décadas, levando a visitas a centros, instituições e à visita de igrejas em diferentes países.


A Itália com Assis e o Mediterrâneo como esfera de irradiação franciscana na Idade Média - em particular as ilhas Baleares com o seu importante centro da história missiológica em Mallorca - veem sendo considerados nos trabalhos euro-brasileiros, assim como as suas relações com o Atlântico, assumindo aqui Portugal papel de primeira grandeza na ação franciscana em regiões extra-européias, em particular na África e no Oriente. (A.A.Bispo, Grundlagen christlicher Musikkultur in der außereuropäischen Welt der Neuzeit I e II, Musices Aptatio 1986/87, Roma 1989)


Esse extraordinário significado dos Franciscanos e da cultura franciscana em Portugal e no mundo marcado culturalmente pelos portugueses é devido sobretudo a Santo Antonio de Lisboa. A sua vida, assim como o fato de ter entrado na História e ser venerado como Santo Antonio de Pádua traz à consciência os caminhos e as interações interno-européias que necessariamente devem ser consideradas e que exigem um enfoque amplo, superador de esferas de língua e de nações no tratamento da história franciscana e do Franciscanismo na cultura.


Ao mesmo tempo, porém, tornam-se necessárias diferenciações quanto aos caminhos tomados pela cultura franciscana nos diferentes contextos culturais. Sobretudo a mística antoniana, na profusão de sua linguagem visual, levou a expressões religioso-culturais e a desenvolvimentos em regiões extra-européías marcadas culturalmente pelos portugueses que surgem como distintas da cultura franciscana de outros contextos, em particular centro-europeus. Consequentemente, o estudo do culto a Santo Antonio nos vários continentes e sobretudo do Antonianismo na África e suas irradiações no Brasil tem sido desenvolvido e levado a análises contextualizadas em diversas regiões. (Veja)


A consideração da ação franciscana, da cultura franciscana e do Franciscanismo na cultura é indispensável para os estudos culturais relacionados com o Brasil, uma vez que Franciscanos foram nada menos do que os celebrantes da primeira missa no país. (Veja) Atuaram na missão junto aos indígenas antes dos Jesuítas e marcaram diretamente ou indiretamente através do cunho franciscano da cultura dos portugueses a formação do país.


Diferentemente da situação apresentada à pesquisa pelos Jesuítas, que com a sua vasta correspondência oferecem fontes de fundamental importância para a historiografia, sobretudo também para a análise dos mecanismos de transformação cultural empregados, aquela concernente à ação dos Franciscanos é mais difícil de ser considerada devido à maior parcimônia documental.


As próprias características da cultura franciscana do passado, com a importância da vida interior, da mística e das expressões devocionais populares exigem outras aproximações nos estudos relacionados com os Franciscanos no Brasil, assumindo aqui particular significado a pesquisa empírica de práticas tradicionais e seus sentidos segundo linguagem de imagens e princípios hermenêuticos do passado. Essa aproximação empírica deve ser acompanhada necessariamente com estudo mais aprofundado da própria cultura franciscana relativamente a pêsos quanto à teologia e a expressões de culto e vida devocional, entre elas as tradições do presépio do ciclo natalino e da Paixão, da veneração da cruz e do culto mariano, em particular da Imaculada Conceição, assim como do Espirito Santo.


A consideração da ação franciscana na formação cultural do Brasil não pode assim limitar-se à história dos grandes vultos da Ordem na literatura e nas artes da época colonial e daquela do Reino Unido Brasil-Portugal-Algarves, mas deve considerar a sua permanência intrínseca na própria cultura popular, em expressões religiosas, místicas e mesmo aparentemente heterodoxas de formas de culto, assim como em práticas festivas de fundamentação religiosa.



Questões historiográficas: dois períodos na presença de Franciscanos no Brasil


A história da atuação dos Franciscanos no Brasil possui um grande marco que a divide em duas fases distintas, o que exige ser considerado sob a perspectiva dos estudos de processos culturais em contextos globais: a mais remota, ou seja, a história franciscana remontante ao Descobrimento e à ação colonial portuguesa e aquela mais recente, a da repopulação dos conventos no Brasil em fins do século XIX e início do XX com a vinda de religiosos europeus, sobretudo alemães. Essas duas fases foram separadas por um período de debilitação e decadência que se prolongou por muitas décadas, intensificando-se no decorrer do século XIX.


Como em outros casos de ordens religiosas, também as casas e conventos Franciscanos encontravam-se em estado crítico e mesmo de gradual extinção em fins do século XIX. A mudança dessa situação com a revivência da vida conventual e da ação de ordens exigiu a vinda de religiosos de conventos europeus.


De periodização a uma visão de processualidades: estações no caminho anti-secularizador


A mudança do regime político no Brasil com a proclamação da República há 125 anos trouxe as suas primeiras consequências para a revitalização dos conventos franciscanos na Bahia. Principal religioso que se empenhou pelo repovoamento europeu dos conventos foi o Provincial Frei Antonio de S. Camillo de Lellis de Carvalho. Este dirigiu-se a Roma com o pedido de envio de confrades europeus para os conventos que se extinguiam no Brasil.


Assim, pouco tempo depois da Proclamação da República já o General da Ordem P. Aloysius a Parma transmitia ao P. Gregor Janknecht, Provincial da Província da Saxônia da Santa Cruz, o decreto de 18 de Dezembro de 1889 no qual a êle era confiada pela Congregação da Propaganda Fide a missão do Brasil, mais conhecida como Missão da Bahia.


Aspectos relacionados com a própria cultura franciscana no peso dado a determinados aspectos devocionais parecem ter desempenhado um papel relevante na resolução de Roma. A Terra de Santa Cruz deveria ser repovoada por frades da Província de Santa Cruz.


Esperou-se até que a situação no Brasil se tranquilizasse para o envio de missionários. Os primeiros quatro Franciscanos chegaram à Bahia em 20 de Junho de 1891: Amandus Bahlmann, posteriormente bispo de Santarém, P. Xystus Meiwes e os irmãos leigos Hubertus Themann e Mauritius Schmalor. Tinham a ordem de partir imediatamente para Santa Catarina, com passagem pelo Rio de Janeiro às vésperas de São João, onde permaneceram quatro dias. Ali foram recebidos pelo Internuntius apostólico Mons. Girolamo Maria Gotti (1834-1916), pelo Bispo Diocesano e pelo P. Hehn, Lazarista alemão. Este telegrafou ao Pe. Franz Xaver Topp (1854-1925) em Santa Catarina, anunciando a chegada (Veja). Em Santos (Veja), visitaram a cidade, enquando P. Amandus dirigiu-se a São Paulo para apresentar-se ao Bispo, perdendo, com isso o navio.


No dia 4 de julho chegaram ao então Desterro (Florianópolis). No dia 10 de julho, viajaram a Palhoça, onde eram esperados por um colono alemão, Heinrich Haverrot. Atingiram por fim Teresópolis, onde Pe. Amandus ficou encarregado da paróquia. Assim, foi em Teresópolis que se fundou o primeiro conventículo franciscano dos missionários alemães. (Veja)


Em Dezembro do mesmo ano chegou a segunda expediçção de confrates da Saxônia: Rogerius Neuhaus, Lucinius Korte, Zeno Wahlbroehl e Herculanus Limpinsel, assim como os irmãos Marianus, Hermann, Quintilian e Patritius. A pedido episcopal, a paróquia de Lages passou aos Franciscanos. (Veja)


Próximo passo foi a ida a Blumenau a pedido do pároco Joseph Maria Jakobs (1831-1892), um ex-Redentorista alemão que fundara o Colégio São Paulo, então único no Estado e se preparava para retornar à Alemanha. (Veja) No dia 1 de Maio assumiram os Franciscanos a paróquia e o colégio. No mesmo ano, P. Xystus tornou-se superior da Missão. Todos os religiosos passaram a ser obrigados a relatar quatro vezes por ano por escrito os acontecimentos.


Paralelamente, o Provincial da Província Norte passou a procurar caminhos para o repovoamento dos antigos conventos. O início passou a ser feito na Bahia, para isso empenhando-se o P. Amandus, então na Europa, e o P. Tatian Thesing. Em março de 1893, deu-se a reinstitucionalização e reformação da Província de Santo Antonio, tornando-se P. Amandus guardião do convento da Bahia. A Província da Saxônia pensava em enviar o fundador da missão, Pe. Gregor Janknecht à Bahia,o que indica o significado que o Brasil adquiria na política da Ordem em contextos globais, mas este já estava em idade por demais avançada. Logo se decidiu também restaurar os antigos conventos em Recife e Olinda.


Em 1894, chegou a quarta Expedição da Saxônia, constituida pelos freis Cyriacus Hielscher e Paschalis Reuß, Frei Cletus Espey, além de 11 filósofos, 24 noviços e 14 leigos. Entre esses membros da quarta leva de missionários deve-se salientar Cletus Espey, uma vez que registrou os passos no processo de reestabelecimento do Franciscanismo pelos religiosos alemães no Brasil em obra que constitui importante fonte documental para os estudos de processos culturais (P. Cletus Espey OFM, Festschrift zum Silberjubiläum der Wiederrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. Westf.: Franziskus-Druckerei 1929).


O ano de 1894 adquiriu nesse início da história do re-franciscamento do Brasil a partir da Alemanha um particular significado. Em 15 de julho desse ano, o principal centro no sul, o de Blumenau, foi elevado a convento pelo Internuntius Apostólico.  Nesse mesmo ano, veio o próprio fundador da missão ao Brasil - o Pe. Gregorius Janknecht - para a visitação, primeiramente do convento da Bahia e dos antigos conventos da Província de Santo Antonio depois do Sul. Ali encontrava-se em construção uma residência em Rodeio entre colonos italianos (Veja).


Sob o Pe. Gregorius, a pedido do Internuntius apostólico, fundou-se uma nova residência em Petrópolis, sendo para ali enviados P. Cyriakus Hielscher e Zeno Wahlbrohl (1866-1925) (Veja). É essa estação do caminho dos Franciscanos no Brasil que vem merece particular atenção nos estudos relatados na presente edição. (Veja)


Conventos vazios mas permanência do antigo Franciscanismo na cultura


O esvaziamento dos conventos que precedeu a essa fase não deve porém ser confundido com o desaparecimento do Franciscanismo na cultura, implantado desde os primeiros momentos da formação cultural do Brasil. Este continuava vivo em devoções populares a santos Franciscanos, em religiosidade marcada pela cultura franciscana do passado com os seus determinados pesos quanto a mistérios e festas do ano religioso, assim como na valorização da modéstia, simplicidade e falta de ambições materiais em amplas camadas da população brasileira, o que foi visto negativamente pelos empreendedores colonos europeus, em particular alemães.


A periodização da história da vida conventual no Brasil não pode ser assim aplicada indistintamente à cultura marcada pela atuação dos Franciscanos no passado ou decorrente da formação colonial portuguesa. A não ser em regiões novas, coloniais de imigração, sem tradições e vida religiosa marcada pelo Franciscanismo do passado, a ação dos Franciscanos europeus não deu início a uma cultura de formação franciscana, mas nela atuou e interagiu, sendo por vezes também por ela marcada.


A aproximação cultural própria a estudos de natureza empírica, de tradições, do folclore e da cultura popular necessita assim ser considerada nas suas complexas relações com o procedimento histórico a partir de fontes.


A repopulação dos conventos brasileiros não implicou apenas em mudanças no Brasil, não representou um desenvolvimento unilateral, mas de recíprocas implicações. Os conventos europeus perdiam com o envio de religiosos laboradores e forças promissoras, estas, porém,eram, no caso da Alemanha, em número por demais elevado para os conventos alemães após terem sido estes novamente restaurados em fins da década de oitenta, quando retornaram religiosos que se encontravam no Exterior, em particular nos Países Baixos.


Ao mesmo tempo, ganhavam a possibilidade de atingir objetivos missionários e educativos de ordens. As novas possibilidades abertas pela proclamação da República no Brasil constituiram uma oportunidade única, inesperada de propagação do restauracionismo católico no Mundo no espírito anti-modernista do Concílio Vaticano I.


A disponibilidade de forças de comunidades e a conquista individual de religiosos e aspirantes para a ação além do Oceano tinha como pressuposto a existência de meios materiais e humanos, assim como o idealismo daqueles que seguiam a vida religiosa. Essas condições variavam de país para país na Europa, mas tinham a característica comum de inserir-se no grande movimento de reforma de cunho restaurativo do Catolicismo do século XIX.


Os religiosos que repovoaram as casas brasileiras traziam formação cultural obtida nos respectivos contextos nacionais e regionais e a sua preparação para a atuação no país dava-se segundo publicações relativas ao Brasil nos seus idiomas e informações transmitidas através de rêde de contatos eclesiásticos.


A restauração de conventos brasileiros não representou, assim, apenas o repovoamento de edifícios, mas inscreveu-se em amplo processo de restauração litúrgica e disciplinar eclesiástica, em movimento que atravessava séculos remontante à época da da Contra-Reforma e do Concílio de Trento, mas que atingiu na Recatolização do século do Concilio Vaticano I a sua fase culminante.


Renovação do Catolicismo e revitalização reeuropeizante retroativa                                            


O repovoamento dos conventos brasileiros poderia ser visto como importante momento de uma „reeuropeização“ do Brasil, da transformação ou mesmo substituição de desenvolvimentos que tinham adquirido uma própria dinâmica através dos séculos.  Tratou-se de uma transfusão que deveria revitalizar não só a vida conventual, mas a cultura religiosa e moral, e que reconectava o país mais estreitamente com movimentos religiosos europeus, cujos principais centros já não se encontravam nos paises ibéricos.


O que surgia como renovação tanto na Europa como no Brasil era de modo quase que paradoxal expressão de intentos retroativos e reacionários, de reforma restauradora e que na idealização romântico-historicista da Idade Média religava o país com um passado que este nunca teve.


A „reeuropeização“ era assim dupla: aquela representada pelos próprios europeus que repovoavam os conventos, transformando-os em centros de ação e irradiação cultural européia no país, e aquela da visão histórica e da avaliação de desenvolvimentos e formas de expressão em extensão de processos religioso-culturais do Velho ao Novo Mundo à época dos Descobrimentos.


Pressupostos culturais de missionários europeus e a recolonização espiritual


Dependendo do país de origem, do contexto cultural de proveniência dos religiosos e das características, modos de vida e procedimentos das várias ordens, diferentes fisionomias assumiram as casas religiosas no Brasil.


Algumas ordens possuiam secular tradição e diferenciada história, outras eram mais recentes ou encontravam-se até mesmo em fase de desenvolvimento. O momento educativo ou formativo foi sempre fundamental e isso em sentido duplo de interações: a formação religiosa de religiosos e noviços acompanhada do seu preparo para o novo país, com o aprendizado de língua, história e costumes, e o da sua ação educativa através da fundação de escolas e do exemplo que ofereciam com os seus modos de vida, expressões culturais e formas de culto.


A mudança no posicionamento oficial relativo às ordens religiosas correspondeu a intentos e ações eclesiásticas e internas das ordens. Encontrar pessoal para a restauração dos conventos brasileiros em casas européias apenas foi possível através do empenho de determinadas personalidades no Brasil e no Exterior, de tratos com as ordens, comunidades e com os religiosos e jovens noviços que precisavam ser conquistados no seu idealismo para a vinda a um país que em geral pouco conheciam.


A consideração dos conventos revitalizados e das casas fundadas por religiosos europeus no Brasil adquire assim significado para a história da Educação e, em sentido mais abrangente da formação cultural no país nas suas inserções internacionais.


O estudo de relações entre a Europa e o Brasil não pode limitar-se à história da imigração voltada à colonização e ao povoamento de terras, marcando muitas regiões do país e co-determinando desenvolvimentos econômicos, mas deve também considerar a imigração de religiosos que repovoaram e fundaram conventos, marcando cidades, atuaram em rêdes entre si e co-determinaram desenvolvimentos culturais.


Esse desenvolvimento teve dimensões político-culturais de ampla abrangência e implicações, nem sempre presentes nos estudos culturais e muitas vezes aparentemente paradoxais.


Dimensões políticas: ordens religiosas e a República


Como autores Franciscanos reconhecem, a ressurreição da ordem e mesmo da vida conventual no Brasil relaciona-se estreitamente com a República. Assim, pela passagem dos 700 anos da morte de S. Francisco, em 1926, o P. Cletus Espey OFM, abre publicação comemorativa dos 25 anos da reinstituição da Província da Imaculada Conceição no Sul do Brasil em 1901), impressa na Vestfália, com palavras de júbilo pelo sistema instaurado no Brasil em 1889 e de repúdio àquele representado pelo vulto do banido Imperador.


„Um ponto de mudança no desenvolvimento e portão de entrada a um futuro grandioso foi para a Igreja no Brasil as reviravoltas de Estado de Novembro de 1889. Magnificamente mostrou-se aqui novamente a antiga capacidade de adaptação da Igreja de Deus à sociedade que se transformava a partir de seus fundamentos. A permanente ação do Espírito Santo na vida interior da Igreja renova continuamente a forma do mundo e da Igreja, preenche o novo com o espírito do antigo, dá ao antigo nova vida, cria novas formas e leva a ressurreições. Do maior
significado foi essa época sobretudo para as ordens religiosas. Uma nova época para ela iniciou, transpassada de agitação anunciadora da primavera. Numa carta pastoral coletiva, os bispos brasileiros expressaram com as seguintes e memoráveis palavras a situação: ‚Um jugo verdadeiramente férreo oprimia os institutos religiosos, que são de fato uma necessária flor da vida cristã, à medida que do lado do Estado em parte se proibia o noviciado, em parte era impedida qualquer reforma dos conventos; com intenções mesquinhas esperava-se a morte do último monge para por mãos vivas na assim-chamada propriedade de mão morta. Essa triste teatro não vamos mais vivenciar no futuro. Totalmente extinto é a partir de agora a legislação opressora do velho Estado Pombalino e Josefino, que tais pesadas algemas haviam posto à Igreja‘. Assim soa a carta como um júbilo da manifestação dos bispos.


Ali ressou tal como som de sino de Páscoa através da Ordem dos Franciscanos no Brasil. Após séculos de opressão e de impotente minguar a ela devia estar destinada uma ressurreição gloriosa, uma nova primavera; e mais do que qualquer outra tinha ela razão de participar do Aleluia jubiloso, uma vez que a História da Ordem Franciscana é vinculada da forma mais estreita com aquela do país, uma vez que teve início com o seu descobrimento.“ ( P. Cletus Espey OFM, Festschrift zum Silberjubiläum der Wiederrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, op.cit., 6-7)


O mesmo autor, após apresentar um panorama história dos Franciscanos no Brasil, considerando as dificuldades que experimentara à época do Iluminismo na Europa, em Portugal e no Brasil, volta em outra parte do seu texto a ressaltar que a raiz de todos os problemas que levavam à extinção da Ordem encontrava-se numa continuidade de um
processo iniciado no século das luzes e cujas consequências não apenas se faziam notar na legislação que vedava a admissão de noviços.


Tratar-se-ia de uma secularização espiritual que sufocara o espírito da Ordem, a sua disciplina, despreendimento do mundo, simplicidade e pobreza. O repovoamento dos conventos significava assim não só um combate a um processo que remontava à época do Iluminismo, de reversão da secularização, como também de reforma interna, de recuperação de disciplina e conscientização de virtudes franciscanas.


„O mais duro golpe por parte do Govêrno recebeu a Província como também todas as outras ordens através da lei do Ministro maçom Pombal no ano de 1764, que proibiu a admissão de noviços sem consentimento especial do Govêrno. Quando pelo mesmo ministro os jesuítas foram expulsos de todo o império, 20 fradres ocupavam-se de seus postos em os indígenas. Mais grave do que todas as perseguições por parte do Govêrno foi a transferência da Corte real de Lisboa para o Rio de Janeiro. O rei D. João VI, que fugiu dos exércitos de Napoleão para o Brasil em 1808, aprendeu ali a valorizar os Franciscanos, oferecendo-lhes cargos honoríficos, privilégios e condecorações. O Núncio Apostólico junto ao Govêrno real fêz o mesmo para grande prejuízo da disciplina da Ordem (...). Com isso desapareceu o espírito da Ordem, as vocações tornaram-se mais raras, saídas da Ordem mais frequentes.


A principal crítica dizia respeito à continuidade de medidas remontantes ao Iluminismo no Brasil independente sob o Império. Segundo o texto, a situação do Brasil surge como similar àquela da Alemanha da época da „luta cultural“ uma vez que tematiza o intento do Estado em não permitir que uma autoridade estrangeira - a pontifícia - exercesse direitos de soberania no país e salienta uma estrategia do Govêrno em apropriar-se de bens dos conventos vazios.


Sobretudo Dom Pedro II é acusado de dar continuidade à política remontante ao passado do Esclarecimento, não escondendo o autor franciscano o seu júbilo pelo banimento da família imperial.


Quando o Brasil conquistou a sua liberdade e Dom Pedro tornou-se soberano êle próprio, a Ordem caiu em ainda maior dependência do Govêrno. Dom Pedro renovou a proibição de admissão de noviços e obrigou o Provincial a agir junto à Cúria romana para que a jurisdição da Província fosse tirada do P. Geral em Roma, pois o Govêrno não podia tolerar que um estrangeiro desempenhasse direitos de soberania sobre os Franciscanos brasileiros. Muitos conventos foram apropriados pelo Govêrno, sem que houvesse protestos por parte da Província. Acima de todas as determinações da Igreja e da Ordem estava a vontade do imperador. Em 1855, um novo decreto suspendeu novamente todos os privilégios que tinham possibilitado de vez em quando a admissão de noviços. Nenhuma tomada de hábito ou de votos poderia acontecer até que o Govêrno imperial não tivesse assinado uma concordata com o Vaticano. (...) Em 1870, o Provincial Frei João do Amor Divino Costa foi nomeado a presidir a Província; esta, com apenas seis membros, todos de idade avançada, obrigou-o a assumir a triste tarefa de levar à cova um por um desses companheiros até tornar-se em 1886 o último sobrevivente da Província da Ordem que no passado tinha sido tão florescente. (....) Todos os seus esforços permaneceram sem sucesso. O Govêrno contava com certeza apropriar.-se dos bens conventuais, querendo esperar apenas a morte do último Franciscano. Mas a Providência Divina impediu que esse safado intento se realizasse. O trono imperial caiu em pedaços, o monarca precisou partir com a sua família para a Europa e a República devolveu por fim à Igreja e às ordens religiosas a 15 de Novembro de 1889 a tão esperada liberdade.“ (op.cit. 11-13)


Esse panorama histórico do autor franciscano traduz uma visão dos desenvolvimentos que obriga a maiores diferenciações na consideração das dimensões políticas da revivificação dos conventos brasileiros e, em particular, dos Franciscanos.


Visão histórica das decorrências brasileiras a partir do ultramontanismo alemão


Essa interpretação da história não era apenas a de um autor determinado, mas foi geral entre os Franciscanos, pois também  pode ser constatada de forma expressiva na exposição do Pe. Petrus Sinzig O.F.M. (Mönch und Welt: Erinnerungen eines rheinischen Franziskaners in Brasilien, Freibunrg i. Br.: Herder, 1925)


O período que se seguiu a um trabalho abençoado deparou-se com crescentes dificuldades por parte do Govêrno. Desde 1724 os Franciscanos não podiam mais construir novos conventos e deviam se submeter a prescrições policiais no angariar esmolas. Pior ainda foi o destino dos jesuítas, os grandes benfeitores do Brasil; por ordem de Pombal, 300 deles foram presos. A Independência proclamada a 7 de setembro de 1822 separou o Brasil de Portugal, não devolveu a êle porém a liberdade religiosa. Dom Pedro I jurou uma Constituição que lhe dava direito de nomear bispos e párocos e outorgar privilégios eclesiásticos. Mas até mesmo para decretos do Papa e dos Concílios exigia-se placet imperial.“ (op.cit. 42-43)


Também nesse livro a crítica se dirige a Dom Pedro II, podendo-se também aqui constatar o júbilo pelo banimento da família:


„O Govêrno de Dom Pedro II trouxe perseguições religiosas; dois bispos: Dom Frei Vital e Dom Antonio de Macedo Costa foram atirados à prisão. O mesmo navio, que levou um desses bispos como prisioneiro levou posteriormente o imperador Pedro II ao exílio.“ (op.cit. 43)


Também Petrus Sinzig louva a República por ter dado liberdade àqueles que queriam restaurar a religião e a moral, e que combatiam o esclarecimento, a secularização e a liberdade de costumes.


„A República cortou as algemas que prendiam a Igreja ao Estado e deu-lhe a liberdade. Os conventos, porém, jaziam vazios e abandonados, muitos em ruínas; de províncias inteiras viviam apenas alguns poucos membros da Ordem, velhos e desencorajados; dos Franciscanos, que antes tinham sido tão numerosos e que haviam dado nomes gloriosos na ciência e no púlpito viviam apenas oito.


Esses dirigiram-se com uma carta ao Santo Padre em Roma e pediram o envio de religiosos estrangeiros para repopular de novo os conventos e salvar a Ordem do desaparecimento. Leão XIII ouviu com benignidade esse pedido dos últimos Franciscanos brasileiros e ordenou ao Capítulo Geral da Ordem de cumprí-lo.“ (op.cit., 42-43)


Uma das mais florescentes Províncias franciscanas era então a assim-chamada Província da Saxônia do Noroeste da Alemanha, ainda que esta tivesse há pouco passado pela dura provação de uma perseguição religiosa conhecida em geral pelo falso nome de „luta cultural“. O Provincial dessa Província, P. Gregorius Janknecht, tomou a si a tarefa colocada pelo Capítulo Geral e enviou como primeiro sacerdote e membros da Ordem o P. Amandus Bahlmann e P. Xystus Meives com os irmãos leigos Hubert Themanns e Mauritius Schmalohr (...). Partiram em 1891, mas não permaneceram na Bahia, mas sim prosseguiram viagem a Santa Catarina.“ (op.cit. 44)


Pode-se constatar de forma exemplar nesses dois textos idéias condutoras, sempre repetidas, quase que traumáticas que marcaram não só as convicções de Franciscanos mas também de outras ordens européias no Brasil e também na Europa, prolongando-se por décadas, em meios conservadores até mesmo à época conciliar. Uma delas é a da permanente referência à desapropriação de bens eclesiásticos no âmbito de medidas secularizadoras do século XVIII e início do XIX. Outra diz respeito à criticada continuidade de um processo remontante ao Iluminismo, a do imperador José II da Áustria (1741-1790) e, na esfera portuguesa, a do Marquês de Pombal (1699-1782).


Dom Pedro II como sustentáculo do Esclarecimento no Brasil


O quadro traçado sugere uma linha de continuidade dessa época do Esclarecimento ao Império brasileiro fundado por D. Pedro I, marido da Arquiduquesa da Áustria, a Imperatriz Leopoldina (1797-1826) e, dela, a seu filho Dom Pedro II. Os autores franciscanos estabelecem assim uma corrente político-cultural remontante à época iluminista na sua contextualização austríaca. Desse contexto compreender-se-ia a tendência e o extraordinário empenho de Dom Pedro II ao saber, à cultura, aos conhecimentos, à ciência, assim como o seu relativo distanciamento para com tendências sentidas como de retrocesso, sobretudo sob o pontificado de Pio IX (1792-1878).


O Império surge consequentemente, como herdeiro de posições voltadas ao Esclarecimento através da ciência, da cultura e das artes em processo de crescente secularização. Ao contrário, a República surgia na convicção e interpretação dos Franciscanos em estreita proximidade com movimentos político-eclesiásticos restaurativos e mesmo retroativos, vigentes sobretudo no âmbito do ultramontanismo francês e de círculos do Catolicismo alemão da época da „luta cultural“ (Kulturkampf).


Paradoxos: liberdade para processos cerceadores da liberdade


Essa situação paradoxal chama a atenção a um aspecto pouco considerado das consequências questionáveis da liberdade possibilidade pela separação da Igreja e do Estado. Em princípio positiva, necessária e avançada, abriu porém as portas para um processo retroativo de combate anti-modernista ao século, às ciências e à própria liberdade religiosa e de costumes.


Essas consequências que se tiram do panorama histórico traçado da perspectiva dos Franciscanos que o vivenciaram levam assim a relativações ou mudanças de apreciações e imagens convencionais dos dois regimes políticos, o do monárquico e o do republicano no Brasil.


Ao contrário do em geral suposto, essa visão dos protagonistas dos acontecimentos revela que o Império tinha sido sob Pedro II marcado pela procura de luzes, de conhecimentos, avanços e orientação secular e civil, enquanto que regime instaurado por militares estaria inserido em processo histórico ao qual também se inscreviam movimentos político-eclesiásticos conservadores, restauradores, reacionários e ultramontanos.


A presente edição trata assim de temas que surgem como atuais em ano que é marcado pelos 125 anos da proclamação da República do Brasil e pelo banimento de Dom Pedro II, um soberano que foi visto pelos próprios representantes do anti-secularismo e do restauracionismo ultramontano como principal representante de um processo esclarecedor no Brasil.


Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„ Popularidade do Franciscanismo e os Franciscanos da Província da Saxônia no Brasil
na história político-cultural da República. Estações e caminhos do processo anti-secularizador no
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná.“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 151/ (2014:5). http://revista.brasil-europa.eu/151/Franciscanos-alemaes-no-Brasil.html