Caminhos de ouro: Minas e Klondike

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 157

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 157/2 (2015:5)



Tema em debate


Caminhos do ouro: Minas e Klondike
Aproximações a paralelos aparentemente impossíveis


Após 10 anos do colóquio de estudos interculturais do „Caminho do Ouro“ em Parati
nos 450 anos do Rio de Janeiro

 

O ouro do Brasil marcou não apenas indelevelmente a história da nação, como também a história econômica e cultural européia e da percepção do Brasil no Exterior. A descoberta do ouro em Minas Gerais levou à fundação e ao desenvolvimento de cidades e a um florescimento cultural e artístico de extraordinárias dimensões. O „Barroco Mineiro“ na arquitetura, nas artes e na música ocupa, compreensivelmente, posição privilegiada na história das artes e da música. Ouro do Brasil encontra-se em obras de arte e na arquitetura de interior de igrejas, não só do país.

O boom do ouro em Minas Gerais atraiu aventureiros de outras regiões da colonia e mesmo da metrópole à procura de enriquecimento, criou situações sociais e culturais diversas daquelas até então vigentes em centros mais antigos. Essa corrida às regiões auríferas na sua dinâmica processual precisa ser considerada com primordial atenção nos estudos culturais.

A profunda transformação geo-humana foi acompanhada por mudanças na configuração geo-política com a transferência de polos de interesse econômico e de desenvolvimento para a região e para os portos que permitiam alcançá-la ou a exportação do metal à Europa.

A maior evidência desse deslocamento de centros, focos e elos na rêde colonial foi o fato extraordinário da substituição da antiga e venerável capital do Brasil em Salvador da Bahia pelo Rio de Janeiro, cidade até então muito menos significativa, mas mais adequada estrategicamente pela sua proximidade às regiões auríferas. Nem sempre tem-se consciência do impacto e das dimensões da transferência da capital de Salvador ao Rio, inaugurando uma fase que duraria até a sua transferência para Brasília no século XX.

Questões teóricas da historiografia de épocas de rush de ouro

Já em 1969/70, como resultado da tomada de consciência de problemas teóricos nas disciplinas culturais e que levou à fundação da organização de estudos de processos culturais (Veja), salientou-se, no âmbito de eventos de grandes dimensões, a necessidade de maiores diferenciações quanto a concepções e métodos no tratamento da cultura, das artes e da música em regiões aurífferas e daquelas com elas relacionadas. (Veja)

Acentuou-se desde então a necessidade de uma orientação dos estudos não segundo periodizações da história política - „arquitetura colonial“, „arte colonial“, „música colonial“ - ou outras qualificações do objeto - „arquitetura barroca“, „arte barroca“, „música barroca“ -, mas sim segundo processos nos quais se inseriu a eclosão econômica, o desenvolvimento de cidades, das artes e da música.

Esse direcionamento da atenção favorece a superação de visões por demais estáticas e a transposição de limites, tanto de tempo como de espaço. Ganha-se maior interesse para a análise de pressupostos do achamento do ouro e das consequências dos desenvolvimentos nas Minas para outras regiões do Brasil.

Caminho do Ouro - Minas e Rio de Janeiro - Colóquios euro-brasileiros em Parati

Em ano em que se comemora o Rio de Janeiro pelos seus 450 anos, surge como oportuno considerar o significado de suas inserções em processos relacionados com o boom do ouro em Minas Gerais e que constituiu um dos principais fatores justificativos de sua importância estratégica.

White Pass and Yukon. Foto A.A.Bispo 2015
Em colóquio realizado em Parati e no Rio de Janeiro pelo encerramento dos eventos internacionais pelos 500 anos do Brasil, em 2002, foram considerados diferentes aspectos de estudos de processos culturais relacionados com a descoberta do ouro, o apogeu de sua extração e a diminuição do seu significado econômica nas suas repercussões em outras cidades e regiões. O „Caminho do Ouro“ que ligava o
interior ao litoral em Parati - e daqui ao Rio - foi principal motivo condutor das reflexões. (Veja)

Em sessão do Colóquio de Estudos Interculturais realizada em cooperação com a Universidade de Bonn em 2004, também em Parati, trouxe-se à consciência, entre outros aspectos, que a procura e o achamento de ouro no Brasil não se limitaram a Minas Gerais e a uma determinada fase da história do Brasil, mas que também se processaram e se processam em outras regiões, em particular do Brasil Central, constituindo um necessário objeto de estudos voltados ao presente.

Significativamente, lançou-se no âmbito desse colóquio a dissertação de doutoramento da geógrafa e pesquisadora cultural Martha Haug dedicada a estudos culturais do garimpo. (Martha Johanna Haug, Crença, Magia, Sobrevivência e Liberdade: Garimpeiros e Garimpos Artesanais em Mato Grosso - Brasil, Colonia: A.B.E./I.S.M.P.S. 2004, ISBN 3-934520-36-7)

As atenções assim despertadas para a necessidade de uma consideração dos surtos representados pela procura, descoberta, exploração e comércio do ouro nas suas dimensões ultrapassadoras de fronteiras e limites nacionais e mesmo continentais, levaram a que esse complexo temático continuasse a ser objeto de reflexões e discussões em seminários levados a efeito nas universidades de Colonia e Bonn em cooperação com a A.B.E. e o I.S.M.P.S..

Um dos aspectos do tratamento do fenômeno da corrida e da febre de ouro em diversas regiões do continente americano em diferentes
épocas diz respeito às suas relações com aberturas e povoamentos de regiões até então pouco habitadas, com movimentos migratórios com as suas repercussões na natureza e na vida dos povos indígenas, na fundação de cidades e na configuração populacional de regiões.

Vistas da perspectiva européia ou da costa atlântica do continente, esses surtos e corridas correspondem em geral a „marchas ao Oeste“. Consideradas a partir da América do Sul, correspondem antes a movimentos humanos em direção ao Norte do continente.

Os caminhos do ouro na América do Norte

Com a procura do Eldorado,  o ouro marcou desde o início da históría da exploração e colonização do continente caminhos e desenvolvimentos. A „marcha ao Oeste“ do homem à procura de riquezas encontra-se hoje presente nos estudos históricos sobretudo com referência ao rush de ouro entre 1848 e 1854 na Califôrnia, o „Estado do ouro“. A essa região americana vieram aventureiros de todo o mundo, desencadeando processos que marcaram o desenvolvimento urbano, social e cultural de cidades como S. Francisco.

A êle se seguiu, entre outros, o rush de ouro do Colorado, desencadeado pela procura de ouro na região de Pike‘s Peak em Kansas e Nebrasca, entre 1858 e 1861.

As causas de migrações desencadeadas pela procura do ouro no continente americano devem ser analisadas de forma mais aprofundada do que aquelas de natureza exclusivamente econômico-sociais. Estas elucidações consideram as dimensões internacionais de tais movimentos lembrado da situação de desemprego na Europa causada pelo crescente uso de máquinas nas fábricas e na agricultura no decorrer do século XIX, o que explicaria a procura de novos meios de sobrevivência e de alcance de prosperidade no Novo Mundo

Esse fator e argumento elucidativo não pode ser empregado para a explicação do anterior caso brasileiro de Minas Gerais. Também considerá-lo sob a perspectiva dos estudos da emigração/imigração do século XIX exige diferenciações.

A análise de situações econômico-sociais críticas nos países de origem, embora de importância não pode deixar de lado a consideração de dimensões imateriais, culturais, mentais e psicológicas que criaram pressupostos para tais corridas do homem ávido de prosperidade, movido pela vontade de enriquecer, também pela ambição e ganância.

O rush de Klondike e o transpasse de fronteiras Canadá/USA


Nessa série de episódios da história de um fenômeno amplo da procura de riqueza e prosperidade deve-se salientar aquele mais tardio do Alasca, e cuja memória se encontra presente não só na região como em todo o mundo através de romances e filmes: o rush de ouro de Klondike a partir de 1896.

A aquisição do Alasca pelos Estados Unidos da Rússia, em 1867 levou a uma expansão estadounidense ao Norte, onde o Canadá surgia como modêlo de lealdade à Coroa britânica. A „americanização“ do Canadá processou-se primeiramente de forma mais intensa na sua parte ocidental com a descoberta de ouro nos rio Fraser e a seguir na área Cariboo a partir do início da segunda metade do século XIX.

O controle desse processo „americanizador“ da confederação leal à metrópole britânica foi tentado na Britsh Columbia, sem, porém, poder sustê-la. A corrida ao Ocidente do Norte deu-se também e sobretudo através da costa Leste pelo Alasca, criado como unidade política como distrito em 1867.

No museu de Skatway, visitado por ocasião dos trabalhos promovidos pela A.B.E. em 2015, conservam-se documentos dessa corrida ao ouro e que é, no caso, estreitamente ligada com aquela dos meios de transportes, em particular da ferrovia. (Veja) Essa corrida ao território do rio Klondike, nas circunvizinhanças de Dawson, levou à definição do território de Yukon. A história das cidades então criadas é marcada por essa febre de ouro quase sem precedentes.

Papel de indígenas no achamento do ouro, mestiçagens e mudanças culturais

As consequências para os Estados Unidos, o Canadá e para o mundo em geral foram mais amplas do que aquelas manifestadas econômicamente em processos inflacionários. Para os povos indígenas essa chegada de homens ávidos de prosperidade de diferentes países foi grave, trazendo profundas transformações de vida e cultura.

O descobrimento que detonou a grande corrida humana à região é atribuido a indígenas relacionados com brancos: Keish, um indígena  do grupo Tagish, ou à sua irmã Kate Carmack, mulher de George Washington Carmack, aventureiro de fama na região.

Como em outros casos de regiões para as quais vieram sobretudo homens solteiros, esses aventureiros nascidos na Europa ou já nos Estados Unidos casaram-se com mulheres indígenas, dando origem assim à população mestiça da região. Somente em fins do século, a partir de 1894, em comunidades onde já viviam acima de 1000 garimpeiros, passaram a vir mulheres com os seus maridos à procura de ouro.

Também esse aspecto da mestiçagem com indígenas tem sido pelo que tudo indica insuficientemente considerado no caso do Brasil, onde a atenção é voltada quase que exclusivamente à união entre europeus e africanos, salientando-se de forma pouco diferenciada o „mulatismo“ da época de ouro de Minas Gerais.

Em ambos os casos - no Alasca e anteriormente no Brasil - as mudanças causadas por doenças trazidas pelos contatos, ida de indígenas à procura de ocupação a núcleos surgidos pela mineração procederam concomitantemente com as ainda mais profundas transformações derivadas da missão cristã e das escolas missionárias.

Essa influência de missionários no deslocamento de aldeias pode ser exemplificado no caso de Saxman nas circunvizinhanças de Ketchikan. (Veja) Entre esses missionários salientaram-se aqueles da Canadian Church Missionary Association.

Da corrida local à regional e internacional

O ouro foi encontrado em 1896 no Bonanza Creek (Rabbit Creek), sendo o achado porém anunciado oficialmente não pelos indígenas, mas por George W. Carmack. Homens de vários pontos de garimpagem - Bonanza, Eldorado, Hunker Creek, logo para ali se transferiram. Esse boom permaneceu relativamente restrito à região, tornando-se conhecido mais amplamente quando um dos garimpeiros enriquecidos despertou a cobiça no litoral ocidental e, dali, em outras regiões.

O aventureiro cujos sucessos na garimpagem mais atenção despertou fora da região foi George Holt, o que causou a vinda de muitos outros para a região indígena além do passo de Chilkoot. Este caminho ao território aurífero foi a seguir suplantado com a construção da ferrovia pelo passo White.


Do comércio com indígenas ao comércio com os garimpeiros e mineiros

Enquanto que no caso de outros episódios de corridas de ouro não se conservaram em geral nomes de aventureiros, enriquecidos ou mal-fadados, o museu de Skatway traz à luz que, no caso do Alasca, alguns deles até mesmo se tornaram tipos populares, sendo celebrados como fundadores de localidades apesar de aspectos questionáveis de suas personalidades e ações. Este é o caso de Jack, também conhecido como Yukon Jack ou Captain Jack, apelido de Leroy Napoleon McQuesten (1836-1909), soldado, comerciante e aventureiro empreendedor ligado não só com a corrida de ouro da Califórnia como também com a do Alasca. Parceiros e contemporâneos de Jack, que não menos levantam dúvidas em apreciações, como Arthur Harpaer e Mayo (Alfred Mayo), um artista de circo.

Jack é lembrado como sendo aquele que primeiramente teria reconhecido que o comércio com os recém-chegados seria mais rendoso do que aquele com os indígenas. Deu início, assim, a uma fundamental transformação do sistema econômico da região, fazendo com que os indígenas passassem a segundo plano nas atividades voltadas a lucros. Foi Jack que, em S. Francisco, teria convencido os responsáveis da Companhia Comercial do Alasca para dar prioridade a esse comércio dentro da própria sociedade de forasteiros, substituindo aquele tradicionalmente marcado por tratos com líderes nativos.

Homens embrutecidos entre garimpeiros e mineiros

A história dos sucessos e ocorrências nas várias regiões que passaram a contar com grande número de garimpeiros que não apenas ali permaneciam temporariamente é marcada por problemas sociais, criminalidade, acidentes e mortes.

A problemática dos aventureiros vindos por vezes de esferas mais inferiores da sociedade, rudes e embrutecidos pode ser salientada lembrando-se que muitos baleeiros passaram a atuar como garimpeiros.

De ciclos de estudos da A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „Caminhos do ouro: Minas e Klondike. Aproximações a paralelos aparentemente impossíveis“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 157/2 (2015:05). http://revista.brasil-europa.eu/157/Caminhos_do_ouro_Minas_e_Klondike.html


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