Mostra italo-brasiliana de 1898 em Turim

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 159/9

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 159/9 (2016:1)




A primeira Mostra italo-brasiliana na Esposizione nazionale italiana de 1898 em Turim
Empreendedorismo de imigrantes no Brasil, Maçonaria e o liberalismo italiano
nos 50 anos do
Statuto Albertino

                                                                         

Ciclo de estudos euro-brasileiros pelos 200 anos Dom J. Bosco (1815-2015)
após 10 anos de trabalhos da A.B.E. em Turim

 

A comemoração dos 200 anos de nascimento de Dom Bosco em 2015 dirige a atenção a Turim, cidade à qual remonta a origem da ordem salesiana por êle fundada. Essa congregação adquire grande significado nos estudos de processos culturais em relações euro-brasileiras devido ao papel que desempenhou e desempenha no ensino e entre os indígenas.

Torna-se oportuno, assim recordar alguns aspectos dos trabalhos da A.B.E. que se relacionam com Turim, em particular daqueles ali realizados pela A.B.E. em 2005, às vésperas dos jogos olímpicos de 2006.

Essa principal cidade do Piemonte, antiga capital da Sabóia e capital da Itália à época da unificação nacional em 1861 - posição que passou em 1865 à Florença - , tornou-se na segunda metade do século XIX um dos mais potentes centros industriais da Península.

Como poucas outras cidades, a metrópole piemontesa favorece considerações interrelacionadas da história da industrialização no Reino da Itália unificada, do liberalismo econômico promotor e valorizador da livre iniciativa, do trabalho, do comércio e da indústria, do progresso como idéia condutora, das consequências sociais da industrialização, da imigração, da expansão colonial italiana e de anelos de autoafirmação e projeção internacional da Itália.


Os estudos da imigração italiana no Brasil, industrialização e espírito de progresso

A imigração italiana no Brasil constitui um dos principais complexos temáticos que exigem a atenção dos estudos de processos culturais em relações euro-brasileiras.

As dimensões e o significado dos imigrantes italianos em colonias, em regiões rurais e nas grandes cidades, na vida de trabalho, comercial, social, religiosa, cultural e artística justificam sob muitos aspectos uma consideração prioritária na pesquisa e nas reflexões concernentes a movimentos migratórios, a processos de integração e identificação, a transformações culturais e manutenção de tradições.

Metrópoles como São Paulo - mas também o Rio e Janeiro, - para não citar as muitas cidades de colonização, como Caxias do Sul/RS ou Santa Isabel/ES -, não podem ser estudadas na sua história cultural sem a consideração do extraordinário papel desempenhado pelos italianos e seus descendentes.

Muitas esferas da cultura, das ciências e das artes, em particular da vida musical e da ópera foram determinantemente marcadas pela presença italiana. Na sua fisionomia arquitetônica e no seu desenvolvimento urbano, várias cidades brasileiras manifestam a presença italiana, não só nos bairros operários de imigrantes, mas também nas grandes construções representativas de seus centros.

A imigração italiana ao Brasil não constitui o único centro de atenções de estudos de relações entre a Itália e o Brasil na sua história e no presente, uma vez que esta inclui nomes, fatos e ocorrências não relacionadas com o movimento imigratório da segunda metade do século XIX e do XX, bastando lembrar o fato de que o Brasil teve uma Imperatriz de origem napolitana.

Como integrante no complexo mais amplo das relações ítalo-brasileiras, o processo imigratório deve ser considerado nas suas inserções em determinada época da história da Península itálica e do Brasil, nos seus pressupostos político-culturais de ambos os lados, nas suas contextualizações regionais e nas suas implicações e consequências recíprocas.

As exposições realizadas em Turim representam importantes marcos na projeção nacional e internacional da Itália, constituindo indicadores de desenvolvimentos, tendências, intenções e projetos que necessariamente devem ser considerados nos estudos de intercâmbios e reciprocidades.

Já em 1884 realizou-se uma Esposizione generale italiana em Turim (Veja), mas a nacional de 1898 supera-a quanto ao significado para o Brasil devido ao fato de ter incluído pela primeira vez uma mostra ítalo-brasileira, apresentando aos italianos exemplos da indústria e do trabalho de seus compatriotas que viviam longe da pátria.

Desenvolvimento dos estudos e das reflexões

O estudo da imigração italiana em São Paulo teve início, com especial consideração da música, com o programa "Musicologia Paulista" desenvolvido desde 1965 a partir do Conservatório Musical Carlos Gomes, remontante à Sociedade Musical Benedetto Marcello, principal centro musical ítalo-brasileiro de São Paulo. Esse programa teve prosseguimento no Centro de Pesquisas em Musicologia da sociedade de estudos de processos culturais e da prática musical, fundada em 1968. (Nova Difusão).

No decorrer dos trabalhos, para além de entrevistas, foi levantada documentação em arquivos e bibliotecas, assim como em acervos particulares, em especial também em sociedades e bandas de música de bairros mais marcados pela presença italiana no passado. Entre as fontes históricas, para além de recortes de jornais, programas e partituras, destacou-se a revista "A música para todos" de Nestore Fortunati, o mais informativo periódico da época da primeira mostra ítalo-brasileira em Turim de 1898.

Paralelamente, ou melhor, conjuntamente com a pesquisa musical e de expressões populares, desenvolveu-se aquela voltada ao patrimônio construído por italianos no âmbito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, a partir de 1969. Edifícios representativos como o Martinelli, o Palácio das Indústrias ou o Teatro Municipal foram considerados, assim como também aqueles que logo foram demolidos, tais como os teatros Santa Helena ou Colombo.

Sob o ponto de vista urbano, especial atenção foi dada à transformação do centro da metrópole paulista sob a influência italiana e à história de bairros operários determinada pela imigração, não só daqueles tradicionais que então se alteraram, como Brás, Móoca e Bela Vista, como daqueles surgidos ao redor de fábricas instaladas por imigrantes, entre êles, a Vila Prudente.

Este último bairro foi alvo de pesquisas de estudantes de Licenciatura em Música e Educação Artística da Faculdade de Música do Instituto Musical de São Paulo que nele residiam, trabalhavam ou lecionavam. Esses trabalhos foram desenvolvidos no âmbito do curso "Música e Evolução Urbana de São Paulo", levado a efeito em 1973 em cooperação com o Museu Paulista da Universidade de São Paulo, o primeiro do gênero no estudo das relações entre arquitetura, desenvolvimento urbano e música.

Foram essas pesquisas que trouxeram à luz informações relativas à exposição nacional italiana de 1898, de significado não só para a história de Vila Prudente como para o desenvolvimento urbano de São Paulo na sua projeção internacional no seu todo, pois aquele bairro foi o primeiro daqueles surgidos através da imigração que tornou-se alvo de atenção na Europa.

Conscientizando-se então que se passavam 75 anos da mostra ítalo-brasileira em Turim, no qual Vila Prudente tinha estado presente, dedicou-se particular atenção aos primórdios históricos do bairro, em particular da transformação de uma região rural em fabril e operária com a vinda da família italiana dos Falchi, em especial dos irmãos Emídio, Bernardino e Panfílio Falchi.

Adquirindo terras, esses imigrantes ali levantaram uma fábrica de chocolates, confeitos vários e licores, que se ampliou para outros produtos, trazendo operários italianos de bairros mais antigos como do Brás e da Móoca, que ali estabeleceram moradia.

Vila Prudente surge assim como exemplo de um desenvolvimento barrial a partir de um estabelecimento que oferece trabalho, de um projeto social-urbano conscientemente desenvolvido por empregadores, desencadeando um processo de ocupação de terras, de expansão de atividades com a criação de outras indústrias de imigrantes, tais como a de cerâmica ou a de louças da família Zappi.

A própria denominação do bairro, homenageando o Presidente Prudente de Morais (1841-1902) por ter este apoiado o empreendimento dos Falchi, favoreceu a consideração mais atenta do contexto político-cultural de uma época que, embora sob um presidente civil, foi marcada pelas concepções políticas do Partido Republicano. A presidência de Prudente de Morais encerrou-se justamente no ano da realização da Esposizione nazionale italiana de 1898.

Os estudos da imigração italiana tiveram continuidade no âmbito internacional do programa euro-brasileiro iniciado na Europa em 1974/75. Esses trabalhos foram desenvolvidos interdisciplinarmente em institutos universitários e em encontros e arquivos consultados em diferentes cidades italianas. Temas relativos à imigração italiana foram tratados em cursos e seminários, dando origem a trabalhos acadêmicos; constituiram assunto de conferências e debates em colóquios e simpósios. Entre êles, salientaram-se aqueles relativos a Turim e que levaram à ciclos de estudos nessa cidade, em 2005/6.


A Esposizione nazionale italiana de 1898 e o liberalismo na unificação nacional italiana

Vários são as publicações e materiais impressos que servem de fontes para a consideração da Esposizione nazionale italiana de Turim, e 1898, sob a perspectiva do seu interesse para os estudos euro-brasileiros, em particular das relações Itália-Brasil.

Entre outros, substanciais informações sobre a exposição e a mostra brasileira podem ser obtidas da Guida ufficiale della Esposizione Nazionale e della mostra i Arte Sacra, publicada em Turim, em 1898 (Roux e Frassati, 1898).

Há, em particular, publicações que foram especificamente dedicadas à mostra ítalo-brasileira, tais como  La mostra Italo Brasiliana all'Esposizione Generale Italiana e dell'Arte Sacra (Turim G. B. Paravia, 1898), a do próprio  principal motor da mostra ítalo-brasileira por parte dos empresários, Giacomo Cresta,  de título La mostra italo-brasiliana all'Esposizione Generale Italiana,Torino 1898. Note illustrative (Turim: Doyen, 1898) ou, sobre Giacomo Costa e a mostra, o artigo de E. Minneci di Villareal, "La Mostra Italo-Brasiliana all'Esposizione de Torino. A Divisão IX 'Italiani all'Estero' (Turim, 1898).

Um dos  principais promotores da Esposizione foi Tommaso Villa (1829-1915), político nascido em Turim e que permaneceu estreitamente vinculado com a cidade, nela falecendo. Foi membro da Câmara dos Deputados, repetidamente seu Vice-Presidente, assim como membro do conselho municipal. Foi Ministro do Interior e encarregado da Justiça, destacado representante da Maçonaria.

Um cotejo entre os objetivos e as tendências da exposição italiana de 1884 e a da Esposizione nazionale italiana de 1898 permite que se reconheça os diferentes acentos e tendências no desenvolvimento político-econômico e de concepções na Reino da Itália nesse espaço de tempo.

Se em 1884 o pêso fora dado ao fortalecimento da indústria italiana perante o desafio representado pelos produtos da concorrência estrangeira, em 1898 já a indústria e o comércio italiano se encontravam em situação suficientemente forte para qie se celebrasse o progresso alcançado, e, embora nacional, também o progresso dos nacionais que viviam no Exterior.

A Esposizione de 1898 foi organizada por motivo da passagem dos cinquenta anos do Statuto Albertino, o estatudo do Reino da Itália e de suas leis fundamentais. Esse estatuto constituíra a constituição do reino de Sardegna-Piemonte a partir de 1848 e, desde 1861, a do Reino da Itália.

O Statuto Albertino foi visto como documento básico, assegurador da fundamentação liberal e carta básica do liberalismo do Reino da Itália como estado nacional
unificado.

Consequentemente, a exposição devia dar testemunho do progresso que se desenvolvia sob a poltíca liberal e em estado que procurava a união nacional acima das divisões regiões e das antigas configurações políticas.

A demonstração e a celebração do progresso possibilitado pelo desenvolvimento livre de iniciativas e de empreendimentos comerciais, industriais, de manufaturas e da arte relacionavam-se assim com o da promoção de sentimentos de unidade nacional italiana, do nacional ou da italianidade para além do próprio território.

Consequentemente, a primeira mostra ítalo-brasileira realizada no âmbito da Esposizione foi marcada pela concepção de "italianos no Exterior", ou seja, de italianos que faziam jus à operosidade e à energia empreendedora italiana mesmo em regiões longínquas. Embora a serviço do progresso dos seus contextos de atuação, os italianos no estrangeiro contribuiam ao engrandecimento da Itália, demonstrando a força da iniciativa e do trabalho italiano e a italianidade no mundo.

É assim inadequado considerar os italianos residentes e atuantes no Brasil presentes na mostra anacronicamente sob a perspectiva de imigrantes integrados, de brasileiros de ascendência italiana: eram italianos de identificação italiana vivendo no Brasil, compreendendo as suas produções como demonstração da força de trabalho, do empreendendorismo, dos conhecimentos e das artes do Reino da Itália como país unificado, nacional, marcado pelo liberalismo econômico.

Uma dupla exposição: Produção de italianos no país e no Exterior e Arte Sacra

O mais singular da Esposizione nazionale italiana foi o fato de ter um caráter duplo, relacionando a produção secular, de indústrias, empreendimentos econômicos e de comércio com aquela da arte sacra. (Veja) Esta associação de intentos materiais com aqueles religiosos, à primeira vista surpreendente e pouco compreensível, explica-se pelo espírito do tempo, marcado pelos conceitos de progresso e evolução civilizatória, pela produção criativa que também se manifestava nas artes, inclusive nas artes religiosas e no labor missionário italiano compreendido como civilizador e promotor do labor e do progresso de povos indígenas.

Compreende-se, assim, que não só artistas e firmas de arte sacra mostraram as suas produções, como também se tenha realizado a primeira exposição de trabalhos de indígenas missionados por religiosos italianos em países extra-europeus.

A Esposizione nazionale italiana adquire assim um amplo significado para os estudos de processos culturais, pois foi não só a primeira que mostrou na Itália a produção de italianos no Brasil como também a primeira de trabalhos executados nas missões italianas.

Mais do que interesses religiosos e etnográficos, esses trabalhos surgiam como mais uma expressão da operosidade italiana a serviço do progresso. Ela possui assim interesse para os estudos da história das missões e de transformações culturais de povos indígenas e, concomitantemente, para os estudos de imigrações.


A "Mostra degli Italiani all'Estero" - a "Mostra Italo-Brasiliana"

Como os comentários publicados da época indicam, a mostra dos italianos no Exterior foi a divisão da exposição que mais despertou a curiosidade e o interesse do público, chamando a atenção de grande número de pessoas para os produtos do trabalho e da atividade dos conacionais espalhados por toda a região do globo. Era, assim, o mais evidente testemunho do labor e do empreendendorismo italiano em liberdade de iniciativa e comércio. (La Mostra Italo-Brasiliana all'Expositione de Torino. A Divisão IX "Italiani all'Estero", op.cit.)

Esse interesse despertado por essa seção da Exposição explicava-se pelo fato de ter sido a primeira vez os irmãos longinquos tiveram possibilidade de mostrar na própria pátria a sua operosidade e o empreendedorismo que os fazem distinguir no mundo, dando também testemunho que mantinham o sentimento nacional.

O principal escopo da "Mostra egli Italiani all'Estero" foi o de estabelecer elos entre um número considerável de empreendedores de sucesso em negócios e na produção do Exterior com os italianos na pátria. Esse intento tinha a finalidade die não só atrair visitantes para o evento, como também de fornecer informações úteis e precisas a negociantes que quisessem iniciar novas relações comerciais com países estrangeiros.

Nesta divisão dedicada a italianos no Exterior, a mostra de maior sucesso, por ser a mais rica em materiais apresentados, foi a ítalo-brasileira.

Essa riqueza de materiais e a precisão de dados foram apenas possíveis pelo fato de ter sido organizada por um profundo conhecedor do comércio com o Brasil e da imigração, o exportador e armador Giacomo Cresta.

Segundo afirmações da época, o empenho de Cresta teria ultrapassado a esfera dos interesses imediatos de seus próprios empreendimentos, tendo sido marcado por intenções desinteressadas, patrióticas, demonstrando que o comércio se ampliava cada vez mais, tornando-se fonte de prosperidade e de potência de povos que sabiam lutar e alcançar sucessos no mercado internacional.

Ainda que a casa Cresta apresentasse uma exposição da variedade de artigos de todo gênero que exportava para o Brasil, concorrendo em energia de exportação apenas com aquela de firmas alemãs, o seu responsável não se limitou a demonstrar a própria atuação, mas empenhou-se em mostrar as atividades daqueles com os quais mantinha transações.

Giacomo Cresta penetrava assim num campo que era ainda quase virgem na Itália e que se apresentava como altamente promissor para o desenvolvimento em maiores escalas da força de trabalho e de iniciativa empreendedora de comerciantes e industriais italianos.

A intensificação do comércio de exportação possibilitado pelos elos com os compatriotas que residiam no Exterior poderia levar a Itália a um desenvolvimento ainda maior de sua economia e indústria, seguindo assim o reino o exemplo dado por países como a Inglaterra, a França e a Alemanha.

A mostra ítalo-brasileira, pela variedade e a quantidade dos materiais expostos e pelo interesse que despertou, foi documentada pela imprensa, que pela primeira vez considerou mais pormenorizadamente o trabalho e a indústria dos italianos residentes no Brasil.

Através dessa ampla divulgação, a mostra ítalo-brasileira não foi apenas aquela de uma exposição de produtos, mas teve também um sentido de informação, instrução e, assim, teve um cunho educativo. Ela servia de ensinamento aos italianos: estes deviam seguir o exemplo de laboriosidade, energia quanto a iniciativas, abertura de visões, audácio e patriotismo dos seus co-nacionais em terras distantes.

Campos Sales (1841-1913) e Umberto I (1844-1900) na mostra ítalo-brasileira - o interesse do Brasil

O espaço de tempo entre as duas exposições, a de 1884 e a de 1898 corresponde àquele marcado pela mudança política no Brasil, do Império à República, assim como pelos anos de consolidação do regime republicano e da passagem dos primeiros presidentes militares aos cívis.

O desenvolvimento político-cultural que se manifesta na Esposizione nazionale italiana de 1898 pode ser assim considerado, em perspectiva brasileira, a partir da crise econômica brasileira dos primeiros anos da República e da política do partido republicano, de Prudente de Morais, cujo govêrno terminou em 1898, e o de Manuel Ferraz de Campos Sales, o presidente que visitou a mostra ítalo-brasilera.

Campos Sales foi acompanhado na sua visita pelo organizador da mostra, Giacomo Cresta. Se o seu antecessor Prudente de Morais salientara-se no apoio dado a empreendimentos de imigrantes italianos, como demonstrado na exposição através de produtos da Vila Prudente de Morais, Campos Sales dirigia a sua atenção à liberalização de mercados. Criticava o protecionismo da produção nacional
através de taxas de importação, que teria levado ao apoio artificial de empreendimentos não competitivos ou produtivos e, assim, à elevação de preços de produtos, favorecendo alguns produtores com prejuízo dos consumidores.

Campos Sales procurava corrigir tendências político-econômicas que via como desvios de uma orientação correta, salientando que o Brasil deveria tentar exportar tudo o que pudesse produzir sob melhores condições do que outras nações.

Concomitantemente, devia importar tudo o que outros países pudessem produzir sob melhores condições do que a indústria nacional. Com essa orientação politico-econômica, ainda que - como outros vultos políticos da República - obedecendo a interesses oligárquicos de famílias de proprietários - vinha de encontro às intenções de Giacomo Cresta e da mostra ítalo-brasileira.

Alguns dias após a visita do presidente brasileiro, o rei Umberto I da Itália visitou com mais atenção a mostra ítalo-brasileira, manifestando o desejo de ter explicações e informações detalhadas sobre as atividades dos italianos no Brasil. Numa audiência concedida a Giacomo Costa, pôde este apresentar ao monarca dados sobre as suas atividades de exportação e sobre a numerosa colonia italiana no Brasil, seus comerciantes, importadores e exportadores.

Já estando em negócios com o Brasil há trinta anos, G. Cresta podia como nenhum outro fornecer a Umberto I as informações desejadas, surgindo como uma personalidade de grande audácia e energia quanto a iniciativas, de amplas idéias e de coragem na ação prática. Vinha de encontro, assim, aos anelos do rei italiano quanto à expansão italiana e à auto-afirmação da Itália como potência colonial e mesmo imperial entre as nações européias.

A mostra ítalo-brasileira vinha de encontro a uma política exterior italiana de fomento colonial de Umberto I, que procurava - como também o Império Alemão - não ficar atrás de outros impérios coloniais, como a Inglaterra, ou mesmo Portugal. Assim, já em 1885, com  a ocupação de Massawa, tinham os italianos lançado as bases para a sua presença colonial na África.

A inscrição da mostra ítalo-brasileira no contexto político da época de Umberto I revela também aspectos questionáveis do evento e, por extensão, o papel a que serviram ou para o qual foram instrumentalizadas firmas de imigrantes italianos no Brasil.

Não se pode esquecer que o reinado de Umberto I foi marcado por problemas sociais e por convulsões e demonstrações daqueles contrários à política expansionista colonial, em particular de socialistas, de anarquistas ou da esquerda em geral. A miséria e o desamparo de grupos da sociedade menos favorecida, em particular também no centro fabril de Turim, levara à ação de amparo de Don Bosco, à fundação salesiana, e que era agora representada na Esposizione através da produtos de missionados por religiosos italianos em regiões extra-européias, provando que com o trabalho tudo se alcançava. (Veja)

Considerando a esfera religiosa através da arte sacra na Esposizione, oferecia-se um corretivo, ainda que sob uma perspectiva materialista do conservadorismo nacional-liberal político, à situação difícil causada pela ocupação dos Estados Pontifícios e pela intensificação do poder secular em Roma no Reino da Itália. Essa inclusão representava ao mesmo tempo uma singular compreensão do trabalho missionário, vendo-o sob o prisma do progresso civilizatório, fomento do trabalho e incentivo à produção.

A mostra ítalo-brasileira em Turim caiu justamente em época de grandes demonstrações populares em Milão devido à subida de preços - que surgia como consequência de investimentos do Estado na política colonial e expansionista - e que foi subjugada com violência pelas forças armadas, com centenas de mortos. Dois anos depois, Umberto I seria morto durante um cortejo em Turim.

Materiais da exposição levados à Itália pelo navio Colombo de Giacomo Cresta

O empenho de Giacomo Cresta na organização da mostra ítalo-brasileira apenas pode ser compreendido a partir de sua experiência e seus sucessos como homem de negócios envolvido no comércio de exportação com o Brasil e no transporte de imigrantes.

Os seus sucessos permitiram que adquirisse, em 1888, o navio de carga Brazil, de construção inglesa, que servia ao intercâmbio comercial entre o porto de Gênova e o de Santos, passando por Lisboa e pelo Rio de Janeiro.

Significativamente rebatizado com o nome de "Colombo", o que recapitulava os pioneiros feitos italianos na história dos contatos com o continente americano em época de celebração de seus feitos - esse navio de Cresta transportava não só cargas como também passageiros, sobretudo imigrantes. Esse navio passaria, após a Exposição, à empresa Ligure Brasiliana, passando a fazer a rota do Norte do Brasil, levando imigrantes aos portos do Amazonas à época do apogeu da borracha pela passagem do século.

Giacomo Cresta tinha conhecimento também dos problemas da imigração, do insucesso de colonos e comerciantes que preferiam retornar à Pátria do que continuar a tentar nova vida no Brasil.

Para possibilitar a realização da mostra, Cresta colocou o Colombo à disposição do evento, enviando com êle, em novembro de 1897, um encarregado da sua empresa para fazer contatos com firmas de italianos no país e coletar materiais para a exposição, que seria transportados gratuitamente.

Esse trabalho foi feito em apenas algumas semanas, pois já em janeiro o Colombo voltada com os materiais obtidos, mercadorias várias, chocolates e doces, tecidos, fotografias de instalações e produtos, desenhos e outros objetos que procuravam dar uma idéia da atividade industrial, do comércio exercido e prático dos italianos.

Firmas, empresários, manufaturas e artistas liberais representados na Exposição

A mostra ítalo-brasileira tomou ampla área do edifício destinado à divisão dos "Italianos no Exterior". Todo o espaço foi festivamente decorado com cortinas que pendiam do teto, arranjadas artisticamente com dobras de grande efeito, assim como franjas, bordaduras e drapagens de tecido.

Numa das colunas, bandeiras do Brasil e da Itália dominavam a área, sendo os materiais dispostos de forma sobreposta mas ordenada, ou, no caso de impressos e fotografias, em mesas envidraçadas.

Duas grandes vitrines ladeavam a abertura da área, determinando-a, oferecendo amostras de produtos de alta qualidade produzidos pelos italianos do Brasil, entre êles chapéus, tecidos e objetos de cerâmica. Tratava-se aqui de mostras de chapéus dos mais variados tipos da fabricação de Monzini Schiffini, de um lado, e, de outro, de tecidos de lã e algodão produzidos por Alessandro Ranzini.

Como salientado pelos comentaristas, deu-se particular atenção à apresentação racional, sistemática dos objetos, ainda que tão heterogêneos.

O maior número de italianos empreendedores, comerciantes e firmas representadas na mostra foi aquele dos ativos na capital do Brasil e em Niterói.

Entre êles, sobressaiam-se os Fratelli Jannuzzi, que eram apresentados como os principais arquitetos e construtores do Rio de Janeiro, responsáveis por edíficios representativos, denotadores da "linha
arquitetônica harmoniosa" italiana que passava a dominar na capital da República.

O Rio e Janeiro, antes da remodelação por que passaria em alguns anos, era apresentado como cidade marcada nas suas mais magníficas construções pela estética italiana, demonstrativa do espírito de progresso que não desmentia o passado no seu historismo e que superava diferenças regionais na procura de um estilo unificado adequado ao estado nacional da Itália unificada.

O conceito de ecleticismo, mistura de estilos que é em geral criticado de edifícios da época não faz jus, assim, ao significado político-cultural das intenções e das criações. Tratava-se da tentativa de desenvolvimento de um estilo válido para todo o reino unificado, superando delimitações regionais dos antigos estados, referenciando-se pelo passado mais remoto, relacionando os grandes momentos da cultura italiana em diferentes contextos e épocas. A sua concretização no Brasil representava uma prova  não só do gênio e da capacidade italiana, como tambem da italianidade acima de fronteiras.

Entre os engenheiros italianos que atuavam na capital, destacava-se Giuseppe Fogliani, autor do projeto de
demolição em grande escala de edifícios considerados malsanos do centro do Rio e de abertura de uma grande avenida segundo normas de cidades européias, entre elas da Via Roma de Turim.

A menção a esta via abre perspectivas para uma diferente compreensão de conotações e de predominâncias neo-barrocas nas concepções urbanas e arquitetônicas do Rio. O intento de modelação saneadora do Rio correspondeu aqui àqueles intentos de reestruturação ou reordenação da via central de Turim na segunda metade do século XIX.

Salientava-se na mostra que o projeto de Fogliani para o saneamento do Rio tinha sido reconhecido com um prêmio de 100.000 liras pelo Govêrno brasileiro. Muito antes, assim, da reconfiguração do Rio apresentada na Europa como modêlo de cidade civilizada, ponto alto até mesmo da evolução urbana, demonstração do progresso do país e do seu futuro promissor (Veja), a propaganda do Rio na Europa foi precedida pela demonstração dos projetos de saneamento da capital e que já incluia a proposta de abertura de uma avenida central. (Veja)

É significativo que esse projeto de demolição de grande parte do centro velho do Rio tenha partido de imigrante, compreendendo-se a argumentação que se fundamentava na visão negativa que recebia o viajante que, vindo de fora, era primeiramente impressionado com a beleza da paisagem da Guanabara, logo porém desiludido ao confrontar-se com uma urbe feia e malsana.

Um próprio membro da família Cresta, Emanuele Cresta, surgia como importante produtor de materiais de construção e decoração, azulejos e lajotas para pavimentos em mármore e em cimento, salientando-se na mostra que a catedral do Rio de Janeiro tinha sido revestida com os seus produtos. Entre outros edifícios decorados com materiais de Cresta contava-se o prédio do Banco da República.

Como a exposição realizava-se em época de grandes problemas econômicos no Brasil - manifestados na viagem do Presidente Campos Sales que procurava renegociações de dívidas - compreende-se o significado emprestado a Banca Italia-Brasile na mostra ítalo-brasileira.

O banco estava presente não só com uma fotografia de sua representativa sede, mas também com balanços dos seus sucessivos exercícios, demonstrando a solidez, a vontade e a honestidade dos seus trabalhos, apesar da crise econômica do país.

Empresas de grande porte eram também aquelas de Carlo Giannelli, proprietário do maior moinho de todo o Brasil, assim como a do armador Luigi Camuyrano, proprietário de uma frota de vapores e grande importador.

Para além de empresários, construtores e grandes proprietários, a mostra incluiu vários nomes de comerciantes menores, não só de atacado como também de vendedores e manufatureiros de artigos refinados, demonstradores da técnica, do artesanato e das artes dos italianos. Entre êles, distinguiam-se as jóias de D'Orsi, joalheiro cujos trabalhos artísticos já eram apreciados em Nápolis, os fabricantes de confeitos e licores Giuseppe Lipiani e Luigi Bellezza, assim como as obras fotográficas de Ugo Zaramella.

Niterói esteve representado na mostra sobretudo através de materiais comprobatórios do empreendedorismo do engenheiro Nicola Spirito, fundador de oficinas e da fábrica Progresso de produtos de cerâmica, que seria a mais bela e completa de todo o Brasil. Nela produziam-se não só tubos de grandes dimensões para canalizações, de borrachas e filtros, como também balaustres e vasos artísticos. Dos estabelecimentos comerciais italianos de Niterói, slientava-se o de Giuseppe Scaris, apresentado como modelar.

Italianos de São Paulo, Minas e Paraná representados na Exposição
Os Fratelli Falchi de Vila Prudente não foram os únicos representados na exposição, embora se salientasse que todo um bairro tinha nascido de suas atividades na produção de chocolates, confeites, licores, cerâmica, tecidos e graxa, fundada em 1890, nele prosperando famílias operárias que trabalhavam e viviam em condições de fazer inveja às italianas.
A Vila Prudente era assim apresenta como modêlo de cidade residência de trabalhadores, instalados nas proximidades da fábrica, gozando de benefícios sociais e de qualidade de vida exemplares.

Entre as empresas de maior porte, distinguiu-se a Companhia Mechanica Importadora, de iniciativa de Alessandro Siciliano (e Joaquim F.Camago e Cândido F. Lacerda), fundada em 1890, que, para além e produzir máquinas para a indústria e agricultura, também se dedicava à importação.

A fabricação de mobiliário esteve representada pelas mesas em mosaico de Michele Senatore; também Torre Luigi expôs uma cama de madeira artisticamente elaborada em madeira de lei.

A Italo-Paulista, de Giovanni Uras, esteve presente como empresa de liderança na indústria de vidros e cristais. Além dos já mencionados produtores de chapéus Monzini e Schiffini, a indústria de tecidos de lã e algodão esteve representada através de Alessandro Ranzini.

Na indústria alimentícia, salientou-se a de massas, onde se destacavam os irmãos Secchi.
O guia da mostra registra um verdadeiro "exército" de produtores italianos de licores finos em São Paulo. Para além da família Trevisan - os irmãos Trevisan e Luigi Trevisan - estabelecida em 1886, atuavam na produção de licores Domenico Gaggini e Irmão, assim como Luigi Travaglio e E. Fincato. Andrea Fasole foi apresentado como proprietário da mais esplêndida confeitaria de São Paulo e os irmãos Sarti como responsáveis por um excelente hotel.

Quanto à fotografia e as artes decorativas, a mostra incluiu trabalhos fotográficos de Michele Rizzo, assim como aqueles de douração do pintor Giuseppe Cordoni.

A determinante presença dos italianos na vida musical foi salientada com informações transmitidas pela revista "A música para todos", de Nestore Fortunati.

Também firmas e nomes do interior paulista estiveram representadas na mostra, salientando-se Varoli e Pedretti, de Botucatú.

Da produção de italianos residentes em Minas Gerais, os organizadores conseguiram materiais de Juiz de Fora, nomeadamente de Pantaleone Arcuri e Timpone. De Curitiba, a mostra incluiu obras do escultor Giuseppe Caporali, assim como materiais concernentes a atividades de Violani e Velloso e Cia..

Contrastes de imagens: os italianos em São Paulo vistos por viajante alemão

A demonstração do progresso e dos alcances da produção dos italianos no Brasil da exposição de Turim contrasta com a imagem oferecida por viajantes de outras nacionalidades, como no caso do alemão Ernst von Heisse-Wartegg, um dos mais destacados autores de relatos de viagem do Império alemão. Tendo estado na América do Sul entre 1903 e 1913, a sua atenção foi dirigida às possibilidades que o subcontinente oferecia como campo de trabalho para os alemães. (Zwischen Anden und Amazonas: Reisen in Brasilien, Argentinien, Paraguay und Uruguay, 3a. ed., Stuttgart, Berlin, Leipzig: Union Deutsche Verlagsgesellschaft 1915, 147 ss.).

O autor inicia a sua descrição de São Paulo salientando a sua diferença relativamente a Salvador em caráter e aparência. Se a população baiana era marcada pelos descendentes de africanos, a de São Paulo era pelos estrangeiros. Salvador era uma cidade do passado, São Paulo, uma do futuro. Era uma cidade em transformação, inacabada, fragmentária. A ela faltava o traço unificador e caráter. A primeira impressão daquele que chegava de trem vindo do Rio de Janeiro era aquela de entrar numa cidade qualquer do sul dos EUA, de Wilminton, Atlanta ou Louisville, não em cidade do Brasil como maravilhoso país tropical. São Paulo não era uma cidade brasileira de 450.000 habitantes, mas sim uma cidade italianda de ca. 100.000 moradores, uma portuguesa de ca. de 40.000, uma grande cidade espanhola e também uma pequena localidade alemã com ca. de 10.000 habitantes.

Os italianos, numericamente predominantes na cidade, tinham em mãos sobretudo o pequeno comércio, assumindo em geral posições subalternas. Apenas uma casa comercial podia concorrer em dimensões e riqueza com as alemãs e inglesas.

Uma característica de São Paulo eram os engraxates italianos, que trabalhavam sobretudo ao redor do Largo do Rosário. Alinhavam-se ao comprido entre a calçada e a rua, protegendo a si e os clientes do sol e da chuva com grandes parasóis de tecido, limpando botas com dignidade e elegância. (op.cit. 156)

Súmula de trabalhos da A.B.E.e do I.S.M.P.S. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“ A primeira Mostra italo-brasiliana na Esposizione nazionale italiana de 1898 em Turim“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 159/9 (2016:01). http://revista.brasil-europa.eu/159/Mostra_italo-brasiliana_Turim.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

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Fotos: Turim 2005/6, A.A,Bispo ©Arquivo A.B.E.