Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Foto em cor- Bruxelas. A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 153/14 (2015:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3166





A Avenida Central e a imagem do Rio de Janeiro
na concepção do novo centro e na propaganda brasileira da
Belle Epoque


Ciclo de estudos em Bruxelas pelos 450 anos do Rio de Janeiro
Com os agradecimentos à Biblioteca Real de Bruxelas

 
Na passagem dos 450 anos do Rio de Janeiro, cumpre considerar, nos Estudos Culturais, o significado dessa cidade para a imagem do Brasil na Europa. Múltiplas questões relacionadas com imagens, e portanto visuais, colocam-se no centro das atenções.


Como poucas cidades do mundo, critérios visuais revelam-se, no caso do Rio, em todo o seu fundamental significado para a análise de processos urbanos, tanto no sentido mais imediato do planejamento urbano e da arquitetura, como no cultural e humano em geral, intelectual, psicológico e mental.


O estudo do edifício ou de edifícios culturais exige a consideração das estreitas relações entre imagens e concepções intrínsecas nas suas complexas relações entre si, no seu dinamismo e transformações.


O edifício imagológico recebido da Europa com a colonização  e cristianização


Sistemas ou construções culturais testemunham que a percepção e a leitura da natureza do mundo envolvente da terra e das estrelas dos céus foram ponto de partida na procura de conhecimentos, no reconhecimento de estruturas, leis, princípios, causas e finalidades do mundo e do homem.


Desse olhar atento, dessas observações chegou-se  critérios orientadores da própria leitura do mundo envolvente como aqueles ensinados por teólogos do passado e que já revelam complexas e recíprocas interações entre concepções resultantes de conhecimentos e abstrações e a leitura do percebido visualmente.


Trata-se sempre da exigência de leituras atentas, não de olhares superficiais, do procurar ler entendendo sentidos intrínsecos ou imanentes, velados a um olhar dirigido às aparências, mas revelados àquele que procura enxergar o invisível.


A natureza perceptível surge como um texto, um livro, e este lugar-comum deve ser compreendido no sentido de um livro que deve ser lido não superficialmente de forma literal, mas nos seus sentidos mais profundos, por detrás das palavras, pressuposto para o conhecimento e o reconhecimento de estruturas, regularidades e mecanismos processuais, causas e efeitos. Não se trata nessa leitura de meras interpretações, mas de cognição.


Reciprocamente, o fato de escritos - e Escrituras - não serem lidas neste sentido, mas superficialmente, ao pé da letra, pode ser visto como causa de mal-entendidos  e fundamentalismos, testemunhos de um não-enxergar, de um não-compreender, de um obscurantismo, com todas as suas lamentáveis consequências constatadas no presente.


Com a colonização e a missionação, o Brasil recebeu o edifício cultural do Ocidente europeu, resultado de relações entre a leitura da natureza do hemisfério norte e a visualização do mundo e do homem.


Problemas do deslocamento das relações de imagens e sentidos no hemisfério sul


O deslocamento das relações entre a perceptível no olhar do mundo natural no hemisfério sul e as imagens e sentidos do hemisfério norte transmitido culturalmente cria compreensivelmente uma situação de incongruências e tensões.


O homem, não reconhendo relações diretas ou mesmo percebendo oposições entre o que vê no mundo exterior e o que vê internamente na linguagem das imagens do edifício cultural e celebradas nas festas do calendário religioso vive em mundo virtual, em prejuízo da sensibilidade - da admiração e do respeito - pelo ambiente que o rodeia. Pode também sentir-se impelido a superar essa desarmonia, tentando abandonar o mundo cultural com as suas imagens e intrínsecas concepções transmitido sobretudo pela religião e voltar-se ao mundo sensorialmente visto e existencialmente vivido.


A paisagem do Rio e o significado da Estética como ciência da percepção


A fascinante magnificência da natureza do Rio de Janeiro torna quase que impossível o fechar de olhos ao mundo envolvente. O homem, extasiado, é arrebatado pelo mundo perceptível pelos sentidos, pelo sensorial, e as tendências de ler o que se lhe depara nas suas suas leis internas e princípios leva-o reconhecer incongruências com o mundo cultural e a procurar novos caminhos, afastando-o do recebido pela formação e tradição religioso-cultural ou resignificando as suas celebrações.


A Estética - compreendida no seu sentido mais amplo como ciência da percepção - assume no caso do Rio de Janeiro um significado extraordinário devido à beleza ímpar da sua paisagem, e essa importância revela-se nas suas dimensões mais profundas e abrangentes das suas relações com processos cognitivos e suas implições para a história das ciências naturais e da cultura.


Aqueles que chegavam da Europa nunca puderam esquivar-se da impressão extasiante do cenário da baía da Guanabara e compreende-se que foi sobretudo essa natureza que marcou a imagem positiva do Rio de Janeiro no mundo no decorrer dos séculos.


Os relatos mais antigos não economizam porém em salientar o contraste entre essa magnífica paisagem e a cidade desenvolvida no decorrer da colonização, descrita em termos negativos.


Cidade colonial e o novo Rio na mudança de edifícios  culturais de imagens e sentidos


Essas apreciações críticas intensificaram-se no início do século XX, quando em textos que passaram a decantar o Rio transfigurado à época do Centenário da Abertura dor Portos às nações amigas em 1908 - como aqueles apresentados em congressos internacionais pela representação diplomática do Brasil - acentuou-se a oposição entre a cidade metamorfoseada e o velho Rio do centro comercial e da zona portuária.


Assim, Manuel de Oliveira Lima descrevia em 1908 em Genebra o Rio demolido como sem luz e ar, sem higiene, antro de infecções, sombrio e triste, cuja vida era pautada pelas festas religiosas, em tudo diferente do Rio que fazia jus à grandiosidade da paisagem, saneado, cheio de luz, de alegria e música. (Veja)


Constata-se nesses textos uma nova qualidade ou mesmo complexas inversões nas relações entre natureza e cultura. Os critérios teóricos utilizados pelos representantes do Brasil refletiam conhecimentos das Ciências Naturais ganhos no decorrer do século XIX, da teoria da Evolução ampliada a filosofia ou visão do mundo - Weltanschauung -, ao evolucionismo ou darwinismo representado sobretudo por Ernst Haeckel (1834-1919).


A observação da natureza - em dimensões globais - é que tinha fornecido as bases para um sistema de concepções que agora se mostrava distinto ou mesmo substituia aquele de antigas origens e transmitido nas suas referenciações bíblicas fundamentadas na Genesis. 


Diferentes acepções de desenvolvimentos orgânicos


A privilegiada natureza do Rio de Janeiro favorecia que o Rio fosse apresentado como cidade-entidade que recapitulava em pouco tempo um caminho evolutivo para cujo percurso o gênero humano tinha levado séculos.


Se hoje a consciência histórica e patrimonial é machucada ao constatar a falta de comoção perante a demolição da cidade colonial e de monumentos remontantes às suas origens, e que surge como que crescida quase que „organicamente“ através dos tempos, era outro o conceito do orgânico, da organicidade e de organismo na visão teórica do novo Rio metamorfoseado.


O pensamento em analogias baseava-se em imagens ganhas de conhecimentos botânicos e biológicos em geral, em particular da morfologia das plantas, tratada em obra epocal de Haeckel.


A observação científico-natural conduzira a imagens que passaram a conduzir a visão histórica e as visualizações do presente. Diferentemente do edifício cultural consuetudinário, transplantado com a colonização e a missão, onde imagens e seus sentidos correspondiam a um posicionamento do observador no hemisfério norte, a Weltanschauung evolucionista ou social-darwinista baseava-se em conhecimentos de validade geral, para o globo, para a vida animal e para o Homem que nela inseria-se. Critérios compreendidos como universais da evolução civilizatória passavam a ser condutores na apreciação de desenvolvimentos e na propaganda da nova imagem da capital como coração do Brasil.


Não ecletismo arquitetônico, mas sinal de evolução em recapitulação biogenética


Sob essa perspectiva, compreende-se uma certa ausência de escrúpulos em reproduzir estilos de arquitetura e mobiliário urbano das grandes metrópoles do Velho Mundo, uma vez que o que seria posteriormente desqualificado como ecleticismo poderia ser visto como uma das expressões do universalismo, de uma recapitulação quase que biogenética de desenvolvimentos evolutivos de séculos.


Como as aulas de Oliveira Lima de abertura do curso de Estudos Brasileiros na Sorbonne documentam (Veja), esse universalismo não contrariava concepções do nacional, de individuação ,pelo contrário, constituia um outro aspecto da mesma visão do mundo.


O pensar em analogias justificava equiparar a formação ontogenética do indivíduo com a nacionalidade, esta, na sua formação recapitulando o desenvolvimento de séculos da civilização.


A desvalorização estética do Rio antigo - falta de gosto dos portugueses


O significado da Estética manifesta-se também no Rio considerado sob a Weltanschauung justificada por critérios derivados da teoria da evolução. Oliveira Lima  - e, entre outros, o Vice-Consul do Brasil em Antuérpia - falavam da feiúra do Rio antigo, apontando aqui como uma das causas a „falta de gosto“ dos portugueses na arquitetura e nas artes.


O „gosto“ correspondente a um estado civilizatório e cultural evoluído, refinado, marcado pelo cultivo de maneiras, do trato social, da delicadeza de sentimentos, de forma e de traje tinha como referencial as cidades européias que também passaram por reconfigurações, sobretudo Paris. Paris era também modêlo de obras urbanas e arquitetônicas em outras capitais européias, salientando-se aqui Bruxelas, centro de influente colonia brasileira desenvolvida ao redor de Oliveira Lima.


O papel da fotografia na propaganda do Rio como capital de país evoluido


Não só textos e pronunciamentos que decantavam o Rio de Janeiro possuiam imagens subjacentes e utilizavam-se de uma linguagem em imagens apesar de toda a argumentação de cunho científico-natural, mas também fotografias - além de pinturas - contribuiram à demonstração do papel modelar do Rio de Janeiro, da ordem e progresso que representava.


Nem todas essas imagens surgiam como ilustrações do texto. Sem maiores explanações, falavam uma linguagem própria, visual. Se no tratamento da questão da evolução da capital do Brasil no congresso dos americanistas em Viena, em 1908, Oliveira Lima utilizou-se sobretudo de fotos do Rio antigo, necessariamente negativizadas à luz da sua argumentação, (Veja) no congresso dos geógrafos em Genebra, no mesmo ano, a metamorfose do Rio foi demonstrada pelo Vice-Consul em Antuérpia com fotografias das grandes obras já realizadas, a do canal do Mangue, a do cais da Glória, a dos jardins da praia do Botafogo e da Avenida Central. (Veja)


Um papel fundamental desempenhou a fotografia na difusão de conhecimentos do Brasil na Alemanha, o que dá testemunho a quantidade de imagens do livro „Brasil - um país do futuro“, de Heinrich Schüler, com palavras introdutórias de Oliveira Lima, de 1911, uma obra de grande difusão (Brasilien: Ein Land der Zukunft, 3a. ed., Stuttgart e Leipzig: Deutsche Verlags-Anstalt 1912). (Veja)


Já publicações anteriores tinham oferecido aos leitores alemães muitas ilustrações e fotografias do Brasil; as imagens da obra de Schüler adquirem porém particular interesse por terem sido escolhidas por um autor alemão que já vivia há anos no Brasil, considerando o país uma segunda pátria e que pretendia contribuir para um maior conhecimento do país na Alemanha.


O livro representa assim obra não de viajante estrangeiro, com impressões de passagem, mas do teuto-brasileirismo. O pensamento marcado pelas concepções científico-naturais de Darwin e dos evolucionistas faz-se notar já no prefácio, onde Schüler diz ter vivido 25 anos de luta pela existência no país, em meio à vida ativa, sendo assim capaz de penetrar na alma do povo luso-brasileiro e da alemanidade no Brasil. As suas imagens, sem relações diretas com o texto e sem maiores explicações, na sua maioria do Rio de Janeiro, servem a esse intento.


A obra sobre o Brasil é aberta de forma emblemática com uma fotografia de página inteira do Pão de Açúcar como marco da entrada da baia do Rio de Janeiro. Seguem-se se imagens de Pedro Alvares Cabral, de índios e de Maurício de Nassau, do monumento a Pedro I no Rio de Janeiro, apresentando-o no ato do grito do Ipiranga, e de uma reprodução de quadro da Batalha de Humaitá. Essas imagens acompanham o primeiro capítulo dedicado a uma visão retrospectiva da história do Brasil.  Num mapa desdobrável, o leitor alemão podia constatar como todas as nações do Velho Mundo cabiam dentro do Brasil. Após a reprodução de um cartão postal de Petrópolis como cidade de residências de diplomatas estrangeiros e, em contraste, a de um típico vendedor de latas do Rio de Janeiro, a primeira grande fotografia da nova cidade é significativamente aquela da Biblioteca Nacional.


Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro



O leitor alemão é assim confrontado com o novo Rio através de um edifício monumental que, com a sua entrada, alcançável por grande escadaria, nela elevando-se como que antigo templo, manifestava de forma expressiva nas suas referências classicistas o significado dos conhecimentos e do saber na nova capital.


O edifício, cuja pedra fundamental fora lançada em 1905, tinha sido inaugurado pouco antes da publicação da obra, em 1910, constituindo uma dos mais representativas construções da Avenida, um marco de alto conteúdo simbólico na configuração geral da artéria. A Avenida havia sido inaugurada pelo Presidente Rodrigues Alves no dia da Independência, 7 de setemhro de 1904 e entregue ao tráfego no dia da Proclamação da República, 15 de novembro de 1905.


Carnaval na Avenida Central


De particular interesse sob o aspecto dos estudos culturais é a inclusão de uma foto do carnaval do Rio de Janeiro na Avenida Central, um testemunho do significado que já se emprestava ao carnaval na cidade recentemente reconfigurada e na propaganda do Brasil na Europa.


A foto apresenta uma grande aglomeração popular na Avenida Central, uma multidão que lotava parte da via entre monumentais edifícios já construidos, entre outros da Escola de Belas Artes. No primeiro plano, à direita, reconhece-se uma construção ou pavilhão com reclame de cinematógrafo.


A multidão, pelas suas vestimentas, difere muito dos participantes de carnaval da atualidade - homens de casaca ou traje preto, chapéu e bengala, mulheres de vestidos longos.


O carnaval, parte integrante do calendário de festas no ciclo do ano religioso da antiga cidade demolida, mantinha-se na nova. Mais do que um anacronismo ou resíduo do passado tão negativamente criticado nas exaltações do novo centro, poder-se-ia ver na sua continuidade interações entre o edifício cultural consuetudinário e a nova visão do mundo.


A ausência do elemento popular, o cunho quase que aristocrático e elegante dos trajes, que pesados e quentes correspondiam antes à época de inverno na Europa, poderiam ser vistos como indícios não tanto de uma continuidade, mas de um transplante do carnaval europeu.


Esquina da Avenida Central com a Rua da Assembléia



Uma impressão da vitalidade da artéria central do novo Rio de Janeiro obtiveram os leitores alemães com uma imagem da esquina da Avenida Central e da Rua da Assembléia. A fotografia mostra uma aglomeração constituida por passantes e sobretudo por homens e grupos que ali se encontravam parados, fumando ou em conversas, o que demonstrava o significado sócio-cultural da esquina na intersecção do novo com o velho, simbolizado no caso pelo Convento de Santo Antonio aos fundos.


O observador podia constatar o clima festivo-elegante do centro comercial que antes da reforma tinha sido tão criticado.  A ornamentação festiva das fachadas dos edifícios, os artísticos candelabros da Avenida, a decoração em mosaico português das calçadas, a arborização, as grandes janelas abertas, as bandeiras e as cortinas salientavam a preconizada nova alegria de viver, o arejamento e luz.


Assim como a Avenida que cortara o antigo centro e levava da baia aos bairros mais distantes, o progresso surgia relacionado com as facilidades de transporte e comunicação, demonstrada aqui pelos bondes na sua parada na Rua da Assembléia. O interessado no Brasil era aqui visualmente informado da excelência da rêde de transportes coletivos no Rio de Janeiro, decantada por viajantes pelo conforto e o arejamento dos veículos abertos, com ou sem reboques, que rapidamente interligavam os vários pontos da cidade. Os mais atentos poderiam ler que um dos bondes retratados unia essa esquina central com uma das zonas então também em completa reestruturação, o Cais do Porto.


O prospecto da Avenida Central


Se as fotografias anteriores mostraram o principal edifício e a vida da Avenida Central, tanto a vida festiva da sua ocupação no carnaval e a quotidiana da vida urbana na esquina da Rua da Assembléia, o Brasilien de Schüler inclui uma visão da Avenida do mesmo ponto de observação daquela difundida em outras obras.


O observador impressiona-se ao ver uma artéria monumental e festiva, ao mesmo tempo porém não demasiadamente ampla nas suas dimensões, favorecedora de uma vida urbana de alta qualidade.



Em poucos anos tinha-se realizado um ato de força monumental de construção de edifícios que a ladeavam sem interrupções, revelador de ação ordenada e consequente, enérgica e autoritária de seus responsáveis, em particular do Eng. Paulo de Frontin (1860-1933).


O cunho festivo da artéria era salientado pelas suas torres, cúpulas e torrinhas que sobressaiam da norma de altura dos edifícios, e o cuidado pela configuração das esquinas manifestava-se, como na Europa, nos cantos especialmente ornamentados e acentuados nos seus cimos. As luminárias de metal artísticamente trabalhadas, as árvores recém-plantadas e o já considerável
número de automóveis e veículos de tração animal salientavam a vitalidade de uma artéria que muito bem poderia encontrar-se numa cidade européia, trazendo à memória principal artéria da cidade baixa de Bruxelas.


O cuidado tomado na configuração de prédios de esquinas, suavizados com formas em curva e acentuados por elementos decorativos e torres, é documentado em outra imagem da Avenida Central incluida na obra,  reproduzida de um cartão postal.


Cortejo fúnebre do deputado Dr. Germano Haßlocher  (1862-1911) na Avenida Central


Tratando-se de obra de um teuto-brasileiro, particularmente relacionado com o Rio Grande do Sul - o seu mentor havia sido Carl von Koseritz (1830-1890) -, compreende-se a inclusão no Brasilien - Land der Zukunft de uma fotografia do enterro do Dr, Germano Haßlocher, falecido repentinamente em Milão em 1911, ano da publicação da obra. Esse político, jurista e publicista do Rio Grande do Sul assumia significado para o meio teuto-brasileiro por ser o primeiro deputado federal de origem alemã no Brasil.



Com essa imagem que homenageia o político do Partido Republicano Riograndense, o autor sinaliza a sua orientação política, o que não deixa de ter significado para a leitura de sua obra. A fotografia registra a grande quantidade de pessoas e da banda de música que, em dia de chuva, acompanharam o féretro.


Esquina da Avenida Central com a Rua do Ouvidor e o edifício do Jornal do Commercio



Em estreito relacionamento com a imagem anterior, Heinrich Schüler documenta com essa fotografia o significado da imprensa no Brasil com a menção do edifício do Jornal do Commercio, como o mais antigo e maior jornal da América do Sul.


O observador impressiona-se também aqui com as construções ornamentadas como palácios da Avenida e a diversidade de referências estilísticas, podendo-se constatar o art nouveau no Brasil no edifício de alta qualidade construtiva, com mansarda e amplas janelas revestidas com parapeitos de metal e terraços protegidos por toldos.


A fotografia permite reconhecer a função ordenadora da fisionomia da Avenida das linhas de janelas e dos parapeitos que, embora variando em altura em dependência das diferentes alturas de pisos, conferem unidade à heterogeneidade da organização vertical da via.


Essa representação da Avenida traz à consciência o procedimento empregado na edificação da Avenida, em particular de suas fachadas, escolhidas em concurso, sendo julgadas entre outros pelo Prefeito, pelo engenheiro responsável, e pelo Dr. Lauro Müller como Ministro de Transportes e Obras Públicas.


O Teatro Municipal do Rio de Janeiro



Se a Biblioteca Nacional e a Escola de Belas Artes já haviam sido retratadas em imagens anteriores, o livro de Schüler reproduz um dos edifícios de maior significado emblemático e qualidade arquitetônica da Avenida Central: o Teatro Municipal. O ângulo escolhido para a fotografia do teatro, das escadarias da Biblioteca, onde o seu significado como término da avenida à frente da Praça Central, foi também aquele que se constata em fotos de anos posteriores. A obra de Schüler manifesta também aqui a sua atualidade, uma vez que o teatro havia sido completado em 1909, ou seja, dois anos antes da sua publicação.


A data - 14 de julho - assim como o estilo do ediíficio, indica a orientação segundo a Opera ou Palais Garnier de Paris, trazendo à consciência às relações da reconfiguração do Rio com aquela de Paris de algumas décadas atrás. Se a Opera de Charles Garnier (1825-1898) porém manifesta o passado do Segundo Império francês, a do Rio de Janeiro revela um intento de conferir ao edifício uma ainda maior monumentalidade através da sua maior elevação do nível da rua, e maior elegância segundo os critérios da Belle epoque, entre outros pela suavização de linhas retas do corpo do edifício através de cantos arredondados em unidades coroadas com cúpulas.


Rua da Carioca



O raio da transformação urbana causado sobretudo pela Avenida Central e que atingiu vias de antiga história e tradição popular do centro do Rio é sugerido na obra de Schüler com uma foto da Rua da Carioca. Essa fotografia completa por assim dizer aquela anterior da Rua da Assembléia, representada na sua esquina com a Avenida Central. Também aqui parece que o centro das atenções foi dado sobretudo ao sistema de bondes elétricos, reconhecido pela sua modernidade e excelência no Exterior.


Palácio Monroe



A obra de Schüler incluiu não uma fotografia do Palácio Saint Louis, que já denomina de Monroe, mas sim uma imagem pintada do mesmo. Essa singularidade talvez possa ser explicada pelas circunstâncias especiais do edifício, hoje de extraordinário interesse sob a perspectiva dos estudos culturais.


Em estrutura metálica, reaproveitável segundo prescrições governamentais, fora construído como pavilhão do Brasil para a Exposição Universal de 1904 em Saint Louis, sendo transportado para o Brasil em 1906, por ocasião da Conferência Panamericana. Essas circunstâncias levou a que o edifício fosse designado segundo o presidente James Monroe (1758-1831), vulto do Panamericanismo.


O significado desse edifício - para além do interesse histórico-arquitetônico de ter sido desmontável e ser transportado dos Estados Unidos ao Rio de Janeiro - reside hoje sobretudo no fato de ter criado no centro da capital do Brasil uma relação entre a cidade metamorfoseada segundo perspectivas européias e o contexto panamericano.


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„A Avenida Central e a imagem do Rio de Janeiro na concepção do novo centro e na propaganda brasileira da Belle Epoque.“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 153/14 (2015:01). http://revista.brasil-europa.eu/153/Fotos-Avenida-Central.html