Aclimatação de Carlos Gomes em Milão

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 161

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 161/03 (2016:3)





Questões de aclimatação nos estudos imigratórios
e de adaptação de brasileiros na Europa

chuva e frio de Milão em A. Carlos Gomes (1836-1896)

considerados em 1936 por Luís Heitor (1905-1992) e reconsiderados na Itália em 1976

50 anos de homenagem a Carlos Gomes em São Paulo (1966)

40 anos do início do programa euro-brasileiro em Milão (1976)

30 anos do Ano Carlos Gomes (1986)


Fotografias de sessão em Milão, janeiro/fevereiro de 1976

 

Problemas de aclimatação foram estiveram no centro de atenções de estudos coloniais e de emigração européia no passado. Foram tratados sob o aspecto climático, geográfico em geral, etnográfico e cultural em muitas publicações, dando ensejo a estudos e influenciando medidas políticas e empreendimentos. (Veja)


Atualmente, as atenções são antes marcadas por conceitos de integração, mudança ou manutenção de identidades de imigrantes. Neste sentido, a problemática adquire grande atualidade.


Em geral, a preocupação pela aclimatação no passado era dirigida aos emigrantes em terra estrangeira, em particular ao estabelecimento de europeus em regiões abertas à colonização. No presente, a preocupação por questões de integração - e reciprocamente de processos desintegrativos - é mais acentuada relativamente a migrantes que se estabelecem em país sob cuja perspectiva se desenvolve o discurso.


Percebe-se, assim, ainda que de modo impreciso, dois direcionamentos a partir da posição do observador: um, voltado a esfera estranha no qual se efetua o estabelecimento de elementos do próprio contexto, outro, voltado à própria esfera cultural na qual se estabelecem homens e grupos populacionais vindos de fora.


Atualidade de estudos de questões tratadas no passado sob o conceito de aclimatação


A atualidade desses estudos manifesta-se hoje de forma crucial na Europa, quando grande número de fugitivos e migrantes atravessam fronteiras e, despertando inseguranças, levantam questões relativas à estranheza de sua cultura, à sua capacidade de integração e aos caminhos para alcançá-la.


Segundo a distinção convencional de disciplinas culturais, ter-se-ia aqui uma correspondência àquela existente entre aproximações etnológicas e folclóricas, que, mais precisamente, na terminologia alemã, diz respeito à distinção entre povos e povo - Völker- e Volkskunde. Já há várias décadas, porém, constatou-se a necessidade de uma ainda maior diferenciação na análise desses processos culturais ou um maior acento a um de seus aspectos: aquele da perspectiva do protagonista, do homem que sai da sua terra e que se transporta temporariamente ou definitivamente a um país estranho.


Essa perspectiva exige grande empatia do observador, que deve procurar transportar-se à situação humana daquele que é envolvido ou a reflexão sobre o vivenciado por aqueles que se inscrevem nos processos.


São assim antes questões psicológico-culturais e de auto-análise no caminho de tomada de consciência que se levantam. É nesse sentido que se coloca primordialmente a problemática nos estudos de migrações de países que foram no passado antes receptivos da imigração ou coloniais àqueles que foram antes da emigração ou colonizadores.


É esse o caso das análises e reflexões quanto  aos brasileiros que se transferem para a Europa ou outros países do mundo, à sua maior ou menor adaptação, à formação de círculos ou comunidades, à acentuação de laços com o Brasil ou à assimilação e identificação.


Esses estudos são de significado humano e para as relações entre povos, favorecem um aguçamento da percepção para situações vivenciadas e contribuem ao esclarecimento. Não são, porém, de fácil realização quanto ao emprêgo de metodologia adequada. Observações empíricas e o registro do vivenciado e sentido em entrevistas necessitam ser acompanhados por dados que possibilitem a profundidade histórica.


Constatar o que outros experimentaram em contextos temporais precedentes possibilitam reconhecer paralelos e diferenças, favorecendo a distinção entre o que é antes genérico, resultado de encontros e interações culturais e o que é antes individual e a arbitrário.


As fontes que possibilitam a análise do experimentado e do caminho seguido por brasileiros em diferentes contextos do Exterior no passado precisam ser levantadas e consideradas com atenção. São, em particular, cartas a familiares e amigos que permitem reconhecer problemas vivenciados através de menções e confissões que não seriam feitas em público. Considerá-las surge como de significado para a compreensão de procedimentos, tendências do pensamento e obras, uma vez que co-determinaram estados de espírito e tiveram repercussões na criação artística.


Entre as poucas personalidades da história cultural em relações Brasil-Europa que deixaram grande número de documentos que testemunham processos de aclimatação e integração destaca-se o compositor Antonio Carlos Gomes (1836-1896).


Problemas de aclimatação de Carlos Gomes em Milão


Milao 1976. Foto A.A.Bispo 1976. Copyright
Problemas de aclimatação do compositor brasileiro na Itália estiveram no centro de atenções no início do programa euro-brasileiro em meados dos anos 1970. Esse interesse foi despertado pelo fato do projeto "Culturas Musicais da América Latina no século XIX", desenvolvido no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia, relacionar questões histórico-musicais e perspectivas etnomusicológicas. (Veja)


No âmbito das reflexões e dos debates de então, realizou-se uma viagem de estudos à Itália, em particular a Milão, onde, com a própria vivência da cidade e de suas condições naturais, procurou-se tratar de forma mais empática os dados oferecidos por Carlos Gomes na sua correspondência, considerados na literatura e que foram marcados por repetidas reclamações e críticas quanto ao tempo e à cidade.


Uma das questões então colocadas é aquela da razão da escolha da Itália - mais especificamente Milão - para o aperfeiçoamente do jovem Antonio Carlos Gomes. Sempre se menciona o fato de que, segundo o desejo de Dom Pedro II, os seus estudos deveriam desenvolver-se na Alemanha.


Segundo os seus biógrafos, o próprio Carlos Gomes ter-se-ia arrependido de não ter ido à Alemanha. Muitos teriam criticado até mesmo uma posterior tendência em direção ao wagnerianismo na sua obra, o que foi por outros negado ou relativado pelo fato do brasileiro não ter formação e erudição à altura para seguir desenvolvimentos alemães.


Também frequentemente manifesta-se a suposição de que a escolha da Itália devesse a uma influência da imperatriz, Dona Teresa Cristina, de origem napolitana.


Com razão, alguns pesquisadores salientam a formação marcadamente italiana de Carlos Gomes no Brasil e o meio da ópera italiana no Rio de Janeiro em que viveu. Mais do que tentativas de explicação sem maior importância, esse debate traz à consciência os diferentes pesos no direcionamento estético-cultural do Segundo Império, condicionados pelos elos familiares dos soberanos respectivamente com a esfera austríaca/sul-alemã e com Nápoles.


Essa dicotomia era porém coerente político-culturalmente, uma vez que também o reino de Nápoles sob os Bourbons fazia parte da situação reconstruída pela Restauração. A união dos soberanos brasileiros manifesta uma arte diplomática refletida e conscientemente orientada segundo a situação das potências da sua época, da Europa do Congresso de Viena. Sendo a música, em particular o canto lírico e o melodrama, principais bens patrimoniais de Nápoles, compreende-se a vinda de personalidades destacadas da vida musical napolitana ao Rio de Janeiro e o papel relevante que desempenharam como artistas e professores. (Veja)


O jovem músico conviveu e alcançou os seus primeiros sucessos no Brasil em ambiente marcado pelos vínculos com a vida musical e sobretudo lírica de uma esfera mediterrânea íbero-itálica do contexto político-cultural borbônico e da Restauração. Mesmo as suas primeiras óperas, em português, correspondente ao movimento da ópera nacional, remontava a intuitos desse contexto, no caso em particular ibérico, como manifestado nas zarzuelas e no ativismo de Don José Amat no Rio de Janeiro.


Ópera italiana e ópera nacional foram, assim não representativas de antagonismos, mas pertenceram, coerentemente, a uma mesmo contexto mediterrâneo vinculado por laços político-culturais. Sob essa perspectiva, o fato de Carlos Gomes não escrever mais posteriormente óperas em português, não constituiu uma expressão de europeização do compositor em traição a ideais de ópera nacional ou em português, mas sim apenas a preferência por uma língua considerada como mais adequada a uma cultura do bel canto segundo critérios qualitativos internacionais.


Pelo fato de não estabelecer-se em Nápoles, mas sim em Milão, e com o desenrolar dos acontecimentos internos da península com o Risorgimento e a unificação sob o Reino da Itália, Carlos Gomes afastou-se do contexto mediterrâneo íbero-itálico em que se formara e que passou a representar configurações político-culturais passadas, ainda que continuando a vigorar no Brasil.


A questão que se coloca é a razão pela qual Carlos Gomes se dirigiu a Milão, e não a Nápoles. A resposta a esta questão reside no papel desempenhado por Francisco Manuel da Silva (1795-1865). o diretor do Conservatório Imperial. Tendo estudado com Sigismund von Neukomm (1778-1858), músico austríaco de sólida formação, e cuja memória sempre foi mantida com a mais elevada consideração, Francisco Manuel da Silva preferia que Carlos Gomes recebesse uma formação teórica mais severa, "científica" na concepção da época, disciplinadora da produção musical antes espontânea, informal, pouco refletida, nascida da prática musicante entusiástica de coros de igreja, de banda, e da música doméstica e de salão vocal e instrumental.


Da correspondência entre Carlos Gomes e Francisco Manoel percebe-se o quanto este tinha Sigismund von Neukomm como modelo de exemplaridade e como tinha confiança absoluta na orientação severa do professor de Carlos Gomes em Milão, Lauro Rossi (1810-1885). Nele via a garantia de que Carlos Gomes, embora na Itália, recebesse uma formação similar áquela que experimentara com Sigismund von Neukomm. Dessa forma, escolhendo-se Milão como local de formação do bolsista, conciliou-se as duas tendências representadas pelo casal imperial, aquela dirigida antes à cultura do bel canto napolitano da imperatriz e a mais sólida quanto à erudição e à formação teórica de preferência de Dom Pedro II.


Lauro Rossi, comunicando que Carlos Gomes não podia ser matriculado no Conservatório, devendo antes com êle preparar-se particularmente para prestar exames de admissão, deixa perceber, embora mencionando classes lotadas e a idade do brasileiro, que este não tinha nível para os estudos regulares, compondo amtes espontaneamente. Francisco Manoel controlava os exercícios de contraponto do estudante enviados de Milão, que revelavam insuficiências e as dificuldades de Carlos Gomes em suprir lacunas na sua formação, neles percebendo, porém, métodos de ensino que lembrava aqueles de Sigismund von Neukomm.


Constata-se, nessa correspondência, as dificuldades encontradas pelo brasileiro em submeter-se a essa disciplinação em estudos de contraponto e fuga. Essas dificuldades eram não só técnicas de aprendizado teórico por falta de habilidade ou inteligência do compositor, mas antes culturais e de idade, resultando do desconforto, do desgosto e mesmo da má vontade de disciplinar e reprimir a sua liberdade criadora, levando-o a um profundo mal-estar e depressão.


Tratou-se, assim, de uma questão antes cultural ou psicológico-cultural de não poder dar asas à sua atividade composicional, de sentir reprimida, tolhida a sua liberdade. Enquanto Francisco Manuel o incentivava a dar continuidade a seus exercícios de contraponto, Carlos Gomes, significativamente, entusiasmava-se antes pela música pomposa da grande ópera de G. Meyerbeer (1791-1864), enviando a seu professor partitura até mesmo para possível uso na Capela Imperial.


Esse desapontamento quanto a não poder expandir-se e não receber apenas louvores entusiásticos como no Brasil, sendo até mesmo vedada a sua matrícula e sujeito a críticas,  associou-se ou teve a sua expressão em reclamações quanto ao clima, à cidade e à vida musical de Milão.


Clima de Milão, problemas de aclimatação em dimensões psicológico-culturais


Na sua correspondência, manifesta explicitamente o seu estado depressivo, doentio, que tirava-lhe forças criadoras e que o levava mesmo a pensar em abandonar os estudos e a regressar. É significativo que repetidamente tenha pedido que o deixassem transferir-se para Nápoles. Ao contrário do ambiente que encontrou em Milão sob a orientação disciplinadora do estudo do contraponto, Nápoles trazia-lhe à lembrança a atmosfera de exuberância do cantar e da vivência musical de corpo e alma dos napolitanos que conhecera no Brasil.


Luís Heitor Corrêa de Azevedo (1905-1992), no estudo de correspondência entre Carlos Gomes e Francisco Manuel de 1864/1865, constatou, em 1936, as dificuldades de aclimatação do compositor em Milão, para além daquelas derivadas de um ensino teórico rigoroso:


"Note-se, também, a difficuldade que tem esse brasileiro de gemma, fortemente acaboclado, em acclimatar-se no extrangeiro. Soffre o seu organismo e soffre a sua alma; vive adoentado e indisposto; perde a alegria, a coragem e a 'inspiração'. Isso é typico do authentico cabôclo, ao sahir do ambiente nativo. Depois, naturalmente, com o correr dos annos, a sua natureza tornou a encontrar um equilibrio novo, em relação com o meio que elegera para viver. A adaptação custou muito, porém (...)" ("Carlos Gomes e Francisco Manoel, Correspondência Inedita (1864-1865)", Revista Brasileira de Música, Número especial consagrado ao 1° centenario do nascimento de A. Carlos Gomes III/2, Rio de Janeiro, 1936, 323 ss, 324)


Particularmente expressiva neste sentido é a sua carta de 3 de maio de 1865:


"O meu amigo deve saber que desde que estou em Milão não tenho gozado perfeita saude. Perfeita saude se entende: não soffrer o mais pequeno encommodo phisico em toda extensão da palavra; porem a mim sussede o contrario: soffro continuamente mal de garganta e de cabeça que sendo frequentes me fasem perder muito tempo dos meus estudos, e me deixão de um humor insoportavel. Tambem do moral muito tenho soffrido!

Confeço-lhe meu charo maestro, que eu aqui em Milão passo á maior parte do meu tempo muito triste. Ainda mais triste fico quando penso que a minha falta de saude me resultará talves a desgraça de não poder satisfaser um artigo das instrucções que recebi do governo, que quer dizer: escrever alguma composição importante até os dois primeiros annos de estada na Europa.

Esta idéia de que o tempo se passa, e que eu não tenho a cabeça bastante livre para ter inspiração...me disespera e discoroçôa." (op.cit. 332)


Essas reclamações tinham a sua expressão em críticas quanto ao tempo em Milão. Ali chegando no mês de dezembro, a sua primeira impressão da Itália foi a do inverno, que em Milão é particularmente húmido.


O frio excessivo e a escuridão do inverno de uma cidade que se encontrava então em fase de acelerada industrializacão, marcada por atividades fabrís e pelo operariado proveniente de várias regiões surgia em correspondência à atmosfera que vivenciava nos seus estudos de contraponto e em contraste com o calor ameno e a luz de sua terra natal.


Carlos Gomes salientou na sua correspondência o clima que lhe era desagradável dessa região italiana, na qual os Alpes e os Apeninos constituem barreiras para com os ventos do Norte da Europa e do Mediterrâneo, o que poderia ser entendido também no sentido metafórico do termo.


Como menciona, os invernos ali eram frios, chuvosos, com nevoeiros, os verões muito quentes, mesmo em comparação àqueles do Rio, sempre predominando muita humidade, ocorrendo fortes vendavais no início do ano.


Críticas de Carlos Gomes quanto ao tempo em paralelos com a atualidade


A correspondência de Carlos Gomes permite que se reconheça experiências vivenciadas por muitos brasileiros que vêem estudar na Europa: decepções por não experimentarem manifestações de apreço e entusiasmo a que estavam acostumados no Brasil, a humilhação de se sentirem novamente examinados e criticados, de retornarem a bancos escolares, o desconforto de constatarem a sua própria formação deficiente ou falta de disciplina pessoal.


A correspondência de Carlos Gomes testemunha também as tentativas de justificar essas frustrações pessoais atráves de críticas ao tempo, ao frio - e à frieza nas relações humanas - , à falta de luz, a cidades e à cultura.


Para Carlos Gomes, a vida musical de Milão era desapontadora, decadente, não correspondendo à elevada imagem que se tinha no Brasil do ambiente cultural das cidades italianas.


Para um jovem vindo da província, do interior de São Paulo, e que alcançara já sucessos na Côrte, confiante em si, cheio de entusiasmo, vitalidade e mesmo rudeza e agressividade "caipora" ou impetuosidade paulista, de auto-afirmação e decisão de vencer, a experiência resfriadora de um ensino teórico de "antiga escola" não podia deixar de abalar profundamente a auto-estima e tirar motivações.


Já no Rio de Janeiro o jovem do interior em progresso de uma província já tinha demonstrado a sua auto-consciência na forma de comportamento rude e combativo, e talvez tenha sido não só a falta de formação sólida musical mas também a provincianidade que se manifestava nessa falta de distinção e cultivo do paulista uma das razões que tenha levado o diretor do Conservatório como mentor de Carlos Gomes a defender um aperfeiçoamento disciplinador não só musical mas também de caráter do jovem artista.


Colocando a culpa de sua frustração nas condições climáticas e na cidade de Milão, Carlos Gomes vinha de encontro na sua crítica e comportamento a determinados círculos da sociedade local.


Em época de crescente industrialização, de aumento do operariado, dos problemas de moradia, de vida e de condições de trabalho, o que levava a uma crescente insatisfação e reinvidicações trabalhistas, personalidades de posses, influência política, assim como intelectuais e artistas procuravam sair da cidade sobretudo á época de verão, dirigindo-se às regiões mais altas das proximidades, de clima mais ameno e de vida mais tranquila e próxima à natureza.


Rio de Janeiro/Petrópolis - Milão/Lecco


Quase que em paralelo com a situação que conhecia do Rio de Janeiro, onde a exemplo da família imperial muitos se transferiam a Petrópolis, a região dos lagos alpinos junto às altas montanhas, de vegetação exuberante e clima saudável era procurada por famílias de posses milanesas, intelectuais e artistas.


Também Carlos Gomes procurou, em estações de veraneio que passava em Lecco, fugir do calor excessivo, da agitação milanesa e das intrigas do meio artístico para recuperar forças, trabalhar e criar em ambiente propício à concentração. Assim seguindo o exemplo de personalidades de círculos sociais que respeitava, deu um passo significativo no seu processo de integração.


Talvez tenha sido justamente essa procura de um mundo bucólico, proximo às tradições e à natureza, ainda não abalado pelos desenvolvimentos industriais e suas consequências socias, sentido como sano, o caminho que o aproximou de uma visão interno-italiana marcada ao mesmo tempo por consciência histórica, de tradições e de distância crítica quanto a desenvolvimentos.


Este teria sido o caminho para assumir uma visão de dentro, uma posição equivalente àquela dos próprios italianos de seu círculo social, passando a ser reconhecido por estes como um dos seus, plenamente integrado.


A integração teria assim se processado por meios conservadores quanto a valores, românticos no seu direcionamento histórico e de valorização da tradição popular, ao mesmo tempo porém rebeldes ou inconformistas perante desenvolvimentos sociais.


A identificação com essas visões interno-italianas de personalidades e de círculos de liderança, de tradicionais famílias ou já de situação financeira solidificada, levou necessariamente a um conflito quanto às condições de um forasteiro nos seus anelos de ascensão.


Ter-se-ia aqui a explicação de uma ambivalência em processos de integração exemplificados por Carlos Gomes: a concomitância de um posicionamento conservador de valores e inconformista quanto à sociedade e a desenvolvimentos da época com impulsos de representação.


Se para uma personalidade do país, no caso a Itália, viver num residência herdada da família ou possibilitadas por situações mais seguras de vida surge como fato dado, de modo que o próprio inconformismo ou crítica de desenvolvimentos assume aspectos de distanciamento crítico quanto à própria situação, para o estrangeiro que procura reconhecimento deve ser adquirida e construída e, para isso, deve usar dos mesmos meios que critica nos desenvolvimentos sociais.


Trata-se aqui de uma incoerência de impulsos que parece poder explicar tensões e ambivalências que se registram na correspondência de Carlos Gomes, na sua vida e, possivelmente, na sua própria obra.


De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo



Atenção: este texto deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Veja o índice da edição


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). “Questões de aclimatação nos estudos imigratórios e de adaptação de brasileiros na Europa: chuva e frio de Milão em A. Carlos Gomes (1836-1896) considerados em 1936 por Luís Heitor (1905-1992) e reconsiderados na Itália em 197 “
.Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 161/03 (2016:03). http://revista.brasil-europa.eu/161/Carlos_Gomes_em_Milano.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne
Corpo consultivo - presidências: Prof. DDr. J. de Andrade (Brasil), Dr. A. Borges (Portugal)




 






Milãoo 1976. Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.