Felix Speiser na Amazônia e em Vanuatu
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 168

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Vanuatu. Foto A.A.Bispo 2012. Copyright

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Vanuatu. Fotos A.A.Bispo 2012©Arquivo A.B.E.

 


Vanuatu. Foto A.A.Bispo 2012. Copyright
N° 168/4 (2017:4)


Australásia, Brasil e Suíça
A Basiléia na história de estudos culturais intercontinentais:
Felix Speiser (1880-1949) na Amazônia e em Vanuatu


Cinco anos de ciclo de estudos em Vanuatu

 

Ao considerar-se as ilhas de Sonda - em particular Timor-Leste -, não se pode deixar de dar atenção à Austrália e ao papel de australianos nas relações intraregionais e internacionais. (Veja)

Esse fato traz à consciência a necessidade de que a pesquisa não seja delimitada a uma região ou a um país isolado e, no caso de Timor-Leste a seu passado de formação colonial portuguesa, mas a um complexo geográfico-cultural que ultrapassa fronteiras de atuais configurações nacionais.

Entra-se assim na discussão de relações do Sudeste Asiático com o amplo espaço da Australásia.

O conceito de Australásia, se justificável sob o aspecto científico-natural, biológico e botânico, é sempre salientado como sendo problemático sob o aspecto cultural, social e político. A área assim delineada encerra uma países muito diferentes entre si, uma vez que ao lado da Austrália e a Nova Zelândia nela se incluem Nova Guinea, ilhas da Melanésia e mesmo parte da Indonésia.

Considerando porém as relações entre Cultura e Natureza, como é escopo da A.B.E., a consideração desse espaço delimitado pela linha Wallace, que o separa da Ásia, justifica-se o estudo do complexo australásico sob a perspectiva de processos culturais. (Veja)

Vários países que pertencem à Australásia já foram objeto de estudos referenciados segundo o Brasil. (Veja) Nos trabalhos de 2017, que focalizaram sobretudo as ilhas de Sonda, consideraram-se algumas das complexas relações interregionais. Entre elas, aquelas com a Indonésia que, em regiões como Bali, já pertence geograficamente à Ásia. (Veja) Por outro lado, foram sobretudo as relações com a Austrália que mais marcaram os estudos, em parte devido à atualidade de conflitos derivados de questões de limites marítimos.

Torna-se oportuno, assim, recordar alguns aspectos de reflexões anteriores levadas a efeito em países da Australásia.

Vanuatu. Foto A.A.Bispo 2012. Copyright
Recordando significado de museus de Vanuatu

Decorridos cinco anos de estudos euro-brasileiros em Vanuatu, na Oceania (Veja) realizados antes da tragédia natural que devastou o país, cumpre recordar que Vanuatu possui, entre outras instituições, um museu de particular relevância para estudos de organalogia, música, dança, teatro e de outras expressões em geral da vasta esfera da Australásia. (Veja)

Esse museu, pelas suas coleções, representa importante centro para estudos etnológicos voltados a populações indígenas e outros grupos populacionais de várias regiões não só sul-pacíficas, da Polinésia, da Micronésia, em parte da Melanesia, assim como de povos polinésicos em outras regiões, como na Nova Zelândia e no Hawai, mas também do Madagascar, de Taiwan, Filipinas e mesmo em grupos populacionais da China, da Tailândia, do Vietnam, Miamar e Cambodja, em Sri Lanka, em Brunei e mesmo na África do Sul.

Sob o ponto de vista dos estudos culturais referentes a regiões que mais se inserem no âmbito daquelas marcadas pelos portugueses, como Malaca na Malásia e, sobretudo, Timor do Leste, a consideração desse museu no complexo espaço designado como austronésico surge como relevante.

As reflexões encetadas no Museu de Vanuatu em 2012, disseram respeito também e sobretudo a elos com o continente americano, lembrando-se aqui sobretudo de Surinam.


Questões australásico-americanas - aportes organológicos

Para além de vínculos dessa esfera do globo com o continente americano, explicáveis históricamente através de migrações mais recentes, colocaram-se questões de similaridades culturais de mais difícil elucidação e que já preocuparam estudiosos há décadas, em particular também aquelas de musicólogo-comparativos que constataram paralelos sobretudo no instrumentário e em sistemas que seriam com êle relacionados.

Essas preocupações, embora há muito discutidas e mesmo relativadas, adquiriram nova atualidade no âmbito do projeto de estudos músico-culturais indígenas iniciado na prática em congresso internacional levado a efeito no Rio de Janeiro por motivo dos 500 anos do Descobrimento da América em 1992.

A constatação de que a problemática indígena transcende fronteiras nacionais e mesmo continentais, devendo ser analisada nas suas inserções em processos sociais, culturais e políticos em diferentes contextos - e portanto de desenvolvimentos no tempo - exige uma atualização de perspectivas e procedimentos nos estudos culturais em relações internacionais, superando aproximações exclusivamente étnicas ou linguísticas.


Histórico dos estudos relacionados de contextos culturais indígenas

Essa ampliação dos estudos da problemática indígena/aborígene a partir de um projeto nascido no Brasil foi preparada com trocas de idéias com estudiosos dessa esfera do globo desde o início do programa euro-brasileiro na Alemanha, em 1974, em particular no âmbito do departamento de Etnomusicologia de organização internacional dirigido pelo editor.

Esses estudos tiveram repercussão em trabalhos realizados em vários países da Ásia, do Sudeste Asiático e do Pacífico, entre eles no ciclo de estudos levado a efeito na Indonésia, em 1996 e em cursos e seminários realizados em universidades alemãs.

As questões que se colocaram em Vanuatu, em 2012 e que agora foram retomadas na Indonésia, foram e são estreitamente relacionadas com problemas teóricos, de concepções e metodologia, não podendo ser consideradas independentemente do desenvolvimento do pensamento dos diferentes pesquisadores e das rêdes por êles influenciadas. Também aqui revela-se a necessidade de condução de estudos culturais em estreito relacionamento com os estudos da própria ciência, como preconizado pela A.B.E..

História da pesquisa - Suíça, Brasil e Australásia: Felix Speiser 

Há um pesquisador que como poucos estabeleceu pontes entre a Australásia, o Brasil, a Indonésia e a Europa de língua alemã, e que é raramente considerado nos estudos euro-brasileiros: o suíço Felix Speiser. Foi um autor relembrado no âmbito do projeto dedicado às culturas musicais indígenas do Brasil. ((A.A.Bispo, „Ein schweizerisches Projekt der Dokumentation von Gesängen und Tänzen der Aparai“, Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens: Stand und Aufgaben der Forschung, IV, Rom/Siegburg: Franz Schmitt, 2002, 313-314)

Esses seus elos com o Brasil foram considerados mais recentemente por Jeroen Dewulf em livro publicado em 2007 (Brasilien mit Brüchen. Schweizer unter dem Kreuz des Südens. Zurique: Verlag der Neuen Zürcher Zeitung).

Nascido e falecido na Basiléia, estudou Química naquela cidade, em Neuenburg e Göttingen, doutorando-se posteriormente em  Etnologia em Berlim. Como funcionário da empresa Geigy (Novartis), realizou viagens pelo continente americano. O seu interesse por estudos etnológicos do continente americano foi marcado primeiramente por uma pesquisa entre os índios Hopi, em 1906. Speiser uniu assim interesses e aproximações marcadas por sua formação científico-natural com aqueles relativos a contextos culturais extra-europeus. 

Nos seus estudos de Etnologia na Friedrich-Wilhelms-Universität e no Museum für Völkerkunde de Berlim, teve como orientador o austríaco Felix von Luschan (1854-1924). A mãe deste seu professor, Christine von Luschan, originalmente Hocheder (1833-1879), era nascida no Brasil, descendente de imigrantes do Tirol. O seu pai, geólogo e garimpeiro, tinha desenvolvido métodos de tratamento de minérios auríferos, tendo atuado no Brasil a serviço de em Viena. Esse estreito relacionamento familiar do seu professor com o Brasil parece poder explicar em parte o interesse de Speiser pelo Brasil.

De 1910 a 1912, Speiser realizou uma viagem de pesquisas a Vanuatu, então Novas Hebridas, publicando o resultado de suas pesquisas em Berlim (Südsee, Urwald, Kannibalen : Reiseeindrücke aus den Neuen Hebriden, Leipzig: Voigtländer Verlag 1913;Two Years with the Natives in the Western Pacific; London: Mills & Boon, 1913).

Seguindo-se a essas impressões de viagem, publicou a seguir materiais etnográficos que justificam o seu renome como personalidade destacada na história cultural de Vanuatu. (Ethnographische Materialien aus den neuen Hebriden und den Banks-Inseln, Berlin: Kreidel Verlag 1923; Ethnology of Vanuatu. An early twentieth century study. Crawford House, Bathurst NSW 1991).

Após ter-se doutorado em Etnologia, em 1914, tornou-se, em 1917, professor extraordinário da Universidade da Basiléia. Em 1924, viajou ao Brasil, realizando estudos no Pará e no Amapá, dedicando-se em particular aos índios Aparai.

Já em 1929 retornou ao mundo insular do Pacífico, realizando estudos em várias ilhas e, em especial, na Nova Guinea.

Como diretor do Museu de Etnologia (Völkerkundliches Museum) da Basiléia, atividades que desempenhou entre 1942 e 1949, continuou a manter contatos com estudiosos brasileiros.

Felix Speiser e Theodor Koch-Grünberg (1872-1924): Índios Aparaí

É significativo que Speiser tenha dedicado o relato de sua viagem ao Brasil de 1924 e de sua visita aos Aparai no rio Paru à memória de Theodor Koch-Grünberg.

Na sua viagem realizada dez anos antes ao Mar do Sul, tinha-se preocupado com a tarefa de registrar a vida de „povos naturais“ em filmes. Theodor Koch-Grünberg incentivou-o a dedicar-se aos povos indígenas da América do Sul, tendo Curt Unckel Nimuendaju (1883-1945) aconselhado o estudo dos Aparai no rio Paru, que por êle tinham sido visitados em 1913.

No mesmo navio que trouxe Speiser viajaram Theodor Koch-Grünberg e Hermann Dengler (1890-1945 ) que iam participar da expedição às fontes do Orinoco organizada pelo americano A. Hamilton Rice (1875-1956).

Em 1926, Speiser publicou, em Stuttgart, o seu livro com o sensacionalista título Im Düster des Brasilianischen Urwalds.

Embora o relato de Speiser ofereça numerosos dados de interesse etnográfico, o seu renome no Brasil foi prejudicado por uma observação crítica de Herbert Baldus (1899-1970).

„Narrativa de uma visita aos Aparaí do rio Paru, afluente setentrional do Amazonas. Numerosas observações etnográficas são intercaladas. A evidente incapacidade do autor de grangear a simpatia dos índios leva-o a um ressentimento que envenena o livro, tornando sua leitura bastante desagradável.“ (Herbert Baldus, Bibliografia Crítica da Etnologia Brasileira, N° 1583, São Paulo:Edição do IV Centenário 1954, pág. 690).

Apesar desse ressentimento percebido por Baldus, as observações de Speiser foram utilizadas por Günther Stahl em livro sobre a personalidade de indígenas sulamericanos, marcando assim a imagem do indígena na literatura da época. („Material zur Persönlichkeitsforschung bei den südamerikanischen Indianern“, Mitteilungsblatt der Gesellschaft für Völkerkunde, Nr.4, Leipzig 1934, 11-17).

Referências à cultura musical indígena pelo médico Arnold Deuber

Sob o aspecto musical, salientam-se a descrição e as imagens dos preparativos de uma festa com dança e flautas. Um capitulo é dedicado ao significado dos ornamentos de uma casa de dança, da géstica e do simbolismo de máscaras. Também instrumentos musicais são descritos.

O significado etnomusicológico da obra deriva porém sobretudo de um anexo sobre música e instrumentos musicais de Arnold Deuber, um médico de crianças da Basiléia que tomou parte na expedição de Speiser e que nela desempenhou importante papel.

Deuber esteve após o término da Guerra envolvido em problemas de de-nazificação na Suíça, acusado que foi de ter sido médico de confiança de instituições nacionalsocialistas e estar envolvido com organizações de Frontistas.

Deuber inicia o seu relato com observações que sugerem diferenças quanto à concepção do que é música. Sempre que pedia a um Aparai que cantasse ou assobiasse uma melodia, ouvia como resposta que os Aparai não faziam música. Quando, porém, um brasileiro cantava ou assobiava uma canção, os indígenas ouviam com atenção e pediam mais.

Ainda que Deuber nunca tivesse ouvido um canto, constatou o significado da música nas suas relações com a dança. Essa música não era apenas um acompanhamento da dança, mas tinha um sentido ritual e era parte integrante da própria cerimônia. Deuber distinguiu entre um tipo mais simples, o da música como acompanhamento de dança, e uma música de dança mais desenvolvida com cantos rituais, na qual muitos espíritos de animais eram mencionados e que possuiam passos próprios e melodias específicas.

Deuber levantou a hipótese de terem sido essas melodias no passado cantos com textos que teriam sido perdidos. Registrou a ocorrência de sons parciais nos instrumentos que soariam como se a música viesse de longe e que davam ao observador externo uma impressão demoníaca.

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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.) „ Australásia, Brasil e Suíça. A Basiléia na história de estudos culturais intercontinentais:
Felix Speiser (1880-1949) na Amazônia e em Vanuatu i“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 168/4 (2017:4).http://revista.brasil-europa.eu/168/Amazonia_e_Vanuatu.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
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