Do Old Time Christimas Festival ao Carnaval
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 171
Correspondência Euro-Brasileira©
Do Old Time Christimas Festival ao Carnaval
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 171
Correspondência Euro-Brasileira©
Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.
N° 171/12 (2018:1)
Do „Old Time Christmas Festival“ ao Carnaval
no seu deslocamento no calendário como problemática cultural nas Antilhas
- os Steel drums em processos culturais performativos - de Trinidad a Antigua e sua projeção -
Realizados no período do Advento, os estudos em Antigua - como em outras regiões - foi marcado por uma atenção particular a elos de processos históricos coloniais com um sistema de concepções e imagens de antiga proveniência transmitidos pela tradição cristã do ciclo do calendário que abrange o Advento, a festa da Imaculada Conceição, o Natal e Reis, prolongando-se até o Carnaval.
Retomou-se, assim, na Antigua, estudos de concepções de espaço relacionadas sobretudo com a linguagem visual mariana que foram de particular significado para as regiões marcadas pelos portugueses.
Antigua, que com o seu nome lembra a devoção mariana de Santa Maria de la Antigua de Sevilha (Veja), favorece porém também reflexões relacionadas com a música, uma vez que o canto de Maria - o Magnificat - desempenha papel fundamental nas concepções musicais cristãs. (Veja)
Em diferentes ilhas do Caribe - entre outras em St. Kitts, ponto de partida da colonização de Antigua - revela-se o significado do conteúdo do „Deposuit potentes de sede et exaltavit humiles“ do Magnificat na linguagem visual de expressões tradicionais do período do ano que vai do Advento ao Carnaval. Esse fato manifesta os fundamentos musicais de práticas lúdicas transmitidas de longínquo passado marcado pela catequese na Europa medieval.
Essa formação através de séculos teve a sua expressão na linguagem visual de folguedos que, dando continuidade a processos performativos, foram transmitidos a regiões extra-européias por caminhos diretos através de europeus ou através da África.
A linguagem visual dessas práticas lúdicas do ciclo do ano revela uma coerência de relações entre o ciclo do ano natural do hemisfério norte e os sentidos espirituais do calendário religioso e somente a partir da análise dessas relações pode-se compreender o sistema de concepções e imagens culturais de antiga proveniência que se manteve através dos séculos.
O deslocamento do calendário nas suas relações com o ano natural a regiões descobertas do hemisfério sul - como no caso do Brasil - criou a complexa discordância entre o mundo perceptível pelos sentidos e aquele celebrado no calendário religioso.
As graves consequências desse deslocamento - que traz consigo o risco de uma desvalorização da percepção da natureza e o da vida em edifício cultural virtual sem elos com a realidade - vem sendo alvo de contínuas discussões.
Entre outras reflexões, tem-se cogitado na possibilidade de reintegração desses elos entre o perceptível e o intendido através de um re-deslocamento das festas do calendário religioso, reestabelecendo-se as suas relações com o ano natural.
A consideração das Antilhas pode contribuir a essa discussão, uma vez que traz à luz também os riscos que traz um deslocamento de festas.
Do „Old Time Christmas Festival“ ao Carnaval e seu deslocamento no ciclo do ano
Várias expressões de folguedos da época natalina até o carnaval foram transferidos para julho, causando uma grave perda de sentidos, tornando, pela complexidade dos deslocamentos entre imagens e o mundo perceptível pelos sentidos, confusos e de difícil leitura.
Em Barbuda, o Carnaval passou a ter lugar em Junho (Caribana). Aqui o deslocamento não é tão sensível, uma vez que a linguagem visual de folguedos do ciclo de Natal, Reis e Carnaval apresenta elos com o período de festas juninas.
Esse deslocamento por motivos pragmáticos de fomento ao turismo e à economia representou uma grave perda cultural para Antigua. Ele prejudica processos esclarecedores que pressupõem uma leitura atenta do sistema de imagens transmitido pela tradição.
A quebra de elos entre o ciclo do ano festivo do calendário civil e religioso relativamente ao ano natural apresenta no Caribe uma particular complexidade.
Se a linguagem visual dos folguedos era ligada às estações do ano segundo a situação européia, a sua transferência para outras situações climáticas do Caribe já resultara em deslocamento entre o repertório de sinais e o mundo percebido pelos sentidos. Assim, o Natal, caindo no inverno europeu, inteligível na sua linguagem de imagens com referências ao período de longas noites e inverno, interpretadas no sentido da Humanidade terrena onde ocorreu a Encarnação, já tinha passado a ser celebrado em tempo quente e iluminado, uma problemática que diz respeito a muitos países em zonas equatoriais e do hemisfério sul, entre êles o Brasil.
Os folguedos tradicionais, porém, continuavam em concordância com o calendário instituído após a chegada dos europeus, ou seja, os folguedos do ciclo de Natal, Reis e o Carnaval, por exemplo, continuaram a ser festejados nos meses correspondentes.
Esses festejos eram marcados, como em outras ilhas, pelas mascaradas com as suas figuras tradicionais explicáveis pela antiga catequese. Entre elas incluiam-se figuras conhecidas de outros contextos - também no Brasil - como a do boi e dançantes mascarados com chifres, figuras em armações, os homens que pulam (Moko jumbie, Jumpa-Ben) acompanhados por tambor, pífaro e triângulo e boompipe, um repertório que, devido à presença britânica em Antigua, era enriquecido com o highland fling e carol trees.
Ao lado de folguedos natalinos e carnavalescos tradicionais transpostos para essa época do ano, nele surgem novas práticas e expressões, em particular as Steelbands.
Paralelamente ao carnaval assim deslocado para o verão realiza-se o festival internacional „Romantic Rhythms“ e que faz com que Antigua e Barbuda se tornem centros relevantes da vida musical de concertos internacional. Estabeleceu-se até mesmo uma certa concorrência entre o carnaval e esse festival de verão. Antigua tornou-se um centro de importância não só na música popular pan-caribenha como também na vida musical internacional.
Estudos de processos musicais pan-caribenhos e globais - World Music
Sob o aspecto musical, reconheceu-se há muito que Antigua adquire cada vez mais uma especial relevância para os estudos de processos culturais da região do Caribe e na vida musical internacional.
Esses processos foram tratados em seminários levados a efeito em colaboração com o I.S.M.P.S. em universidades alemãs das últimas décadas, salientando-se o primeiro do gênero dedicado à „World music“ na Universidade de Bonn, em 2002/2003 e o seminário „Música e Análise Cultural: Processos Interamericanos no Caribe“ na Universidade de Colonia, em 2005, ambos sob a direção do editor.
A primeira viagem realizada a Antigua foi já motivada pela constatação de um particular interesse dessas ilhas no âmbito dos trabalhos do I.S.M.P.S., também pelo fato de para ali terem vindo emigrantes portugueses em fins do século XIX e que para ali trouxerem expressões tradicionais e práticas musicais.
Em viagem de estudos realizada em 2005 ao Caribe, considerou-se, entre outros aspectos, a prática e o significado de Steelbands de Trinidad e Tobago, assim como de Antigua, o que deu motivo à continuidade de estudos em 2017.
Sempre constatou-se que o estado dos conhecimentos musicais relativos ao passado dessas ilhas é deficiente, o que prejudica a consideração adequada de processos culturais. O levantamento de fontes documentais ainda se encontra em estado insatisfatório e mais ainda insatisfatória é a situação dos estudos, marcados que são por interpretações arbitrárias quanto a origens históricas da prática.
Em Antigua nasceram músicos que se tornaram populares de calypso, soca, zouk e reggae, gêneros muitos deles recebidos de outros contextos, como o steeldrum e o calypso de Trinidad e Tobaco, o soul calypso ou soca, e o reggae e dancehall da Jamaica.
A expressão considerada como sendo a mais tradicional das ilhas é a benna e que é vista como remontante à época da emancipação dos escravos na primeira metade do século XIX. A prática de execução, em alternância responsorial, sugere proveniência africana, o conteúdo dos textos cantados revela referências a intrigas ou disque-disques sociais.
A prática musical adquire aqui um sentido de meio de comunicação, difundindo novidades e „rumores“ na ilha. Deslocada de seus possíveis contextos no ciclo do ano, a benna, assim como outras expressões tradicionais, é praticada sobretudo no contexto do carnaval. Ouve-se, aqui, também a explicação de que os africanos teriam sido impedidos de celebrar o carnaval à época da presença francesa, praticando-o porém secretamente, dando origem à benna. Como outras elucidações desse tipo, deve ser esta considerada como uma hipótese não fundamentada e passível de revisão.
Problemas de origens e hipóteses questionáveis de proveniência histórica
Como outras ilhas do Caribe, pouco ou nada se conhece a respeito dos povos indígenas que habitavam as ilhas que hoje constituem Antigua e Barbua antes do seu descobrimento por Cristóvão Colombo (ca. 1451-1506) em 1493. Extintos, apenas pode-se tirar conclusões a respeito de suas expressões musicais e de dança a partir dos estudos em geral de grupos de famílias Aruaque e Caraíba de outros contextos.
Referências históricas de interesse musicológico remontam à segunda metade do século XVIII. Elas dizem respeito a práticas de música e danças de escravos africanos trazidos para o trabalho nas plantações de açúcar e mencionam instrumentos musicais. Entre estes, registram aquele designado por banjar (bangoe) e toombah (tumba, tum-tum).
Como em outras ilhas do Caribe, a música e a dança em bailes de círculos mais altos da sociedade seguiam modêlos europeus, em particular aqueles que baseavam-se em referências a costumes populares da sociedade inglesa como as country dances - e a recepção da quadrilha - e highland fling. Essas referências a costumes populares passaram, em contexto marcado pela grande porcentagem de africanos na sociedade colonial, à integração de elementos africanos. Como em outros países, como no Brasil, a quadrilha permaneceu viva na tradição popular.
A música para essas danças, seguindo também em princípio práticas européias, era feita segundo as possibilidades instrumentais existentes, no caso sobretudo por rabeca ou violino (fiddle), acompanhado por tamborim e triângulo.
Tanto na vida dos círculos sociais europeus como naqueles dos trabalhadores, a música religiosa não deve ser subestimada, ainda que pouco estudada. Já a monumental igreja anglicana de St. John manifesta o significado dado à religião pelos ingleses e que incluia a prática de hinos religiosos.
Em comparação com outras ilhas, tem-se observado que se perderam práticas lúdicas tradicionais de antiga proveniência mantidas sobretudo por africanos e seus descendentes. Antigua apresenta assim menor repertório de folguedos do que outras ilhas. Essa perda de tradições é em geral explicada pelo fato da escravidão ter sido abolida relativamente cedo e pela intensidade da presença militar britânica no porto e nos Shirley Heights.
Steel-bands em Antigua e processos performativos
Um dos elementos que integram o carnaval deslocado para fins turísticos no calendário é a steelband, grupo de percussão no qual os tambores são feitos em geral recipientes de metal tais como latões de ferro ou canos metálicos. No carnaval há competição de bandas, escolhendo-se a melhor banda da ilha.
Com o desenvolvimento da prática, passaram a incluir instrumentos industrializados e de alto custo. As latas são trabalhadas cuidadosamente, abauladas e fundidas, cromeadas e afinadas. Esse processo aperfeiçoou-se na Trinidad e Tobago, sendo os instrumentos exportados para Antigua. Assim como o deslocamento do carnaval e suas transformações, também aqui trata-se de uma recepção cultural de Trinidad e Tobago.
Se no Brasil o fomento da prática instrumental infanto-juvenil através sobretudo da criação de orquestras jovens e de orquestras em favelas revela o reconhecimento do significado do ensino de instrumentos e da prática de conjunto por parte de órgãos governamentais e de entusiastas, em Antigua o fomento às steel-bands manifesta uma consciêntização similar quanto ao significado educacional e social do tocar em grupo. Esses conjuntos, as steel orchestras e as bandas não atuam apenas no carnaval, mas também em shows e festas nos povoados do interior, desempenhando assim importante papel na vida cultural das ilhas.
A Secretaria de Cultura do Govêrno de Antigua e Barbuda auxilia e favorece por diferentes meios a prática das steel bands. Ela coloca um espaço de seu edifício para os ensaios diários. Há uma National Youth Pan Orchestra, com mais de 21 jovens, - conjunto portador de prêmios pan-caribenhos - uma West Side Symphony Steel Orchestra, além de grupos com denominações menos ambiciosas.
Os diversos conjuntos do país - acima de dez - atuam sob a responsabilidade de uma coordenadora que trabalha em estreito contato com o Ministro da Cultura. Entre as peças mais executadas encontram-se Earthquake de Lord Kitchener, de Trinidad, e Dont Stop the Party, de „The Mighty Swallow“.
Já esse repertório, assim como as características de estilo, de configurações musicais e de práticas de improvisação revelam a interação desses conjuntos com tendências da música popular, a recepção do repertório internacional, sobretudo do jazz, assim como o fato de serem resultado de ensino e treinamento sistemático.
A steelband, nesse sentido, coloca problemas para estudos culturais se estes forem orientados segundo conceitos convencionais de Folclore e Música Popular. Levando em consideração conceituações de Folclore de alguns pensadores brasileiros, não poderia ser vista como exemplo de „cultura espontânea“ folk, não resultante da ação de ensino formal e de meios de comunicação de massa. Manifesta-se, aqui, a necessidade já reconhecida há décadas de reorientação da atenção não a esferas categorizadas da cultura, mas a processos, uma vez que a steelband demonstra a transpassagem e mesmo a superação de pressupostas divisões.
O baixo-ostinato na prática musical das steel-bands e seu sentido performativo
Um dos aspectos observados na prática de ensino das steel-bands diz respeito ao papel desempenhado pelo ostinato, mais precisamente pelo baixo-ostinato. Esse significado foi discutido em diálogos com mestres e instrumentistas e constatado em perfomances.
Nas execuções observadas, o instrutor, que é aquele que executa a parte melódica com improvisações que exigem em geral extraordinária virtuosidade percussiva, conhecimentos e técnica, transmite de início àquele que executa o baixo no instrumento maior, o motivo que será repetido e que constituirá também a base harmônica do que será desenvolvido na execução.
Este - no caso o educando - aprende a série de notas que será continuamente repetida, procura dominá-la, assimilá-la musicalmente e, após primeiras repetições, revela estar pronto para que a execução se inicie. Naturalmente essa capacidade pressupõe já um domínio rítmico e da técnica instrumental e o conhecimento dos tons nas diferentes partes do instrumento.
O mestre dirige-se então a seu instrumento e insere-se melodicamente na estrutura rítmico-harmônica já assim estabilizada. As repetições tornam-se obcessivas, em crescente intensidade, mas também em diferenciação dinâmica e expressiva, uma obstinação que corresponde bem à designação da secular técnica do ostinato. Esta é elemento fundamental de ensino, de relações mestre-aluno, um procedimento refletido de estruturação musical que não é „espontâneo“ ou transmitido de modo não-refletido pela tradição, mas conscientemente empregado.
A série de sons do baixo que constituirá a base harmônica revela a tradição ocidental de linguagem harmônico-tonal. Mesmo que os executantes sejam descendentes de africanos, essa estruturação harmônico-tonal, muitas vezes constante de encadeamentos de acordes como ensinados em cursos de harmonia elementar, revela ser resultado de recepção cultural ocidental.
Elos com sentidos de antigas práticas lúdicas da época do Advento, Natal, Reis e Carnaval
Esse fato, porém, não significa que a steelband não deva ser considerada nas suas relações com folguedos de mais antiga proveniência do ciclo de Natal, Reis e Carnaval do „Old Time Christmas Festival“ e, assim, possibilitar análises mais diferenciadas de imagens e sentidos.
Ainda que em geral deslocadas no ano, a steelband revela sentidos comuns a práticas lúdicas dessa época do ciclo festivo do calendário tradicional na sua linguagem visual em geral pouco compreendida.
Significativamente, apesar de toda a seriedade do ensino e da prática de execução, as próprias designações dos grupos possuem conotações jocosas como Supa Stars Steel Orchestra ou Hells Gate Steel Band, esta a mais antiga orquestra que participa em competições carnavalescas.
Tem-se, assim uma linguagem visual que corresponde àquela de figuras de antigos folguedos que refletindo a ação da catequese da Idade Média. Essa linguagem de imagens representam o homem do estado deste mundo terreno ou no seu contraste com o estado do homem espiritual na tradição de pensamento de S. Agostinho e que corresponderiam a dois tipos de amor, ao amor a si próprio, que leva à altivez, com consequências negativas de todo tipo, e o amor ao próximo.
Essas representações, nas suas possíveis atualizações em potência de crítica à autoridade, são fundamentalmente hilariantes: o cristão, que superou em princípio o estado carnal, já ri desses portentosos e de toda a expressão de poder e importância nascida da altivez do homem terreno: Deposuit potentes de sede.
Reconhecendo essas relações com a linguagem visual de antigas figuras do ciclo de Natal, Reis e Carnaval, compreende-se o sentido intrinsecamente crítico de denominações de steelbands segundo orquestras sinfônicas como a National Youth Pan Orchestra e a West Side Symphony Steel Orchestra.
Como discutido nos diálogos, poderia aqui ver-se uma crítica silenciosa à prática musical erudita estabelecida, compreendendo-se, então, que as steelbands surjam como contraparte de festival de música de verão no qual tomam parte artistas de renome internacional. A critica à altivez do homem de antiga tradição teria então uma atualização em crítica à prática altiva ou elitária da vida de concertos, à auto-consciência de músicos e a seu poder.
O tambor e o percutir na linguagem simbóilca e a transformação de instrumentos
Uma outra questão levantada disse respeito a correspondências com práticas musicais de mais antiga tradição e sua simbologia. Nessas reflexões, partiu-se do fato dos instrumentos serem tambores, ainda que de latões de metal, ou seja, sem membranas de couro. O antigo significado do bater, na complexidade de seus sentidos, permaneceria vigente, assim como sentidos conhecidos da antiga simbólica de tambores. Lembrou-se que a substituição de tambores de madeira e couro por outros de metal pode ser constatada em outros contextos, também na Península Ibérica.
A substituição de instrumentos nas suas relações com a manutenção ou não de sentidos tem sido uma preocupação constante dos estudos organológicos no movimento de renovação teórica originado em São Paulo na década de 1960. Essas transformações, que levam a questionamentos de sistematizações organológicas convencionais, - por exemplo na problemática maraca/viola - constituiu um dos complexos temáticos tratados repetidamente em encontros, no Primeiro Simpósio „Música Sacra e Cultura Brasileira“, em 1981, e no congresso pelos 500 anos do Brasil. (Veja)
A questão da mudança de materiais em instrumentos é menos complexa e foi também considerada nos trabalhos da Associação Brasileira de Folclore dos anos de 60, quando instrumentos de lata faziam parte dos objetos expostos no museu. Esse emprêgo de metal em instrumentos feitos em princípio de madeira não é porém apenas devido às circunstâncias de épocas recentes, mas pode ser registrado em práticas de mais antiga tradição.
Um exemplo é o instrumento de metal de cordas da tradição de Miranda do Douro observado na década de 1940 no contexto da dança de umbigada praticada na região: „era uma lata de filha de Flandres em cubo, de capacidade de uns 10 litros, que servira para o petróleo (...) a servir de caixa de ressonância (...).“ (António M. Mourinho & J. R. dos Santos Júnior, Coreografia Popular Trasmontana, Porto, 1980, 94 = Trabalhos d Antropologia e Etnologia XXIII/IV).
Independentemente assim da história mais recente do desenvolvimento das steelbands, deve-se considerar mecanismos substituidores em épocas mais remotas de práticas do ciclo de Natal, Reis e Carnaval. Esses mecanismos foram mencionados por Jean-Baptiste Labat OP(1663-1738) que os constatou nas Antilhas e que corresponderam a similares intentos de coibição de antigos folguedos tradicionais por autoridades do clero na Europa. (Veja)
Para substituir o calenda praticada pelos escravos e que parecia atentatória ao pudor e implicar em riscos para as autoridades, os religiosos passaramm a substituí-la por danças européias. Essa substituição de danças foi necessariamente acompanhada por substituições de instrumentos, ainda que mantendo a simbologia dos tambores nela empregados e dos sentidos do „bater“.
Essa substituição exigiu ensino instrumental por parte dos missionários e transmissão de princípios de estruturação musical e execução de mais fácil aprendizado. É significativo lembrar que esses mecanismos se processaram à época do Barroco europeu, período musicalmente tão marcado pela prática do ostinato, como em danças no exemplo da Chaconne. Mesmo que a origem das steelbands seja muito mais tardia, ela representaria neste sentido uma atualização de mecanismos de transformação cultural já vigentes.
De estudos euro-brasileiros no Caribe em 2017
Antonio Alexandre Bispo
Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ Do ‚Old Time Christmas Festival‘ ao Carnaval no seu deslocamento no calendário como problemática cultural nas Antilhas - os Steel drums em processos culturais performativos - de Trinidad a Antigua e sua projeção“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 171/12(2018:1).http://revista.brasil-europa.eu/171/Old_Time_Christmas_Festival_e_Carnaval.html
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Academia Brasil-Europa
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Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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