Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Catedral Bruxelas.A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..


Catedral Bruxelas.A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..


Catedral Bruxelas.A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..


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Catedral de Bruxelas.
Fotos A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 153/8 (2015:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3160





O Rio de Janeiro e a música no Brasil sob o ponto de vista histórico
no Centenário de J. Haydn em Viena em 1909


Ciclos de estudos na Bélgica pelos 450 anos do Rio de Janeiro
Com os agradecimentos à seção de música da Biblioteca Real da Bélgica

 
Na abertura, na Bélgica, em 2014, dos trabalhos euro-brasileiros pelos 450 anos do Rio de Janeiro que são celebrados em 2015, deu-se particular atenção ao papel desempenhado pela música nos anos áureos da apresentação e exaltação do novo Rio de Janeiro na Europa no início do século XX, nos anos que precederam a Primeira Guerra Mundial.


O extraordináro significado do Rio de Janeiro nessa época explica-se primeiramente por motivos políticos e econômicos, uma vez que a cidade foi instrumento de primeira grandeza da representação e propaganda do novo Brasil republicano e da expansão econômica brasileira na Europa.


Reconfigurado a partir de 1904, o novo Rio passou a desempenhar essas funções de forma mais intensa com os eventos internacionais que se efetuaram na então capital do Brasil, a Conferência Panamericana e, em 1908, a Exposição do Rio de Janeiro pelo Centenário da Abertura dos Portos ao comércio mundial.


Esses grandes eventos internacionais indicam dois importantes contextos estreitamente interrelacionados nos quais deve considerada a projeção do novo Rio na Europa: o americano e aquele das exposições mundiais. Emblema dessas relações foi o Palácio do Brasil na Exposição de S. Louis, USA que, construído para ser desmontável, foi transferido para o Rio de Janeiro, onde, redenominado em homenagem ao presidente americano que tanto se destacou no movimento panamericano de Palácio Monroe, inseriu-se na fisionomia da cidade já regenerada. (Veja)


Nas exposições universiais, mundiais ou internacionais apresentavam-se produtos e alcances na técnica, nas ciências, nas artes, eventos de fins pragmáticos, mas também de representação, de política internacional, de aproximação entre os povos e de desenvolvimento em todas as esferas das ciências, da cultura e das artes sob o signo do progresso e da civilização.


O significado do Rio de Janeiro na Europa nessa segunda metade da primeira década do século XX deve porém ser considerado sobretudo pelas suas dimensões culturais. Tanto o americanismo como as exposições mundiais eram resultados, expressões e motores de processos históricos e político-culturais. 


O próprio espírito que os moviam - a convicção do progresso, da civilização, da evolução da técnica e dos conhecimentos, das ciências, das artes - foi resultado de um século que conheceu extraordinários avanços tecnológicos, nos meios de transporte e comunicação, na aproximação dos povos e intensificação de intercâmbios com a facilidade de viagens, de desenvolvimento de instituições, universidades, bibliotecas, museus e áreas de estudos.


É sob essa focalização dirigida a processos culturais que se revela o significado da música no contexto dos anos áureos da projeção do Rio de Janeiro no Exterior.


Rio de Janeiro e os 30 anos do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço Lusófono


2015 relembra a passagem dos trinta anos de iniciativas de particular significado no desenvolvimento de uma musicologia de orientação segundo processos culturais e de uma ciência da cultura de condução musicológica segundo o programa euro-brasileiro iniciado na Europa em 1974: o do encontro realizado no Centro de Antropologia Fundamental de Royaumont e a fundação do Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes.


Esses dois eventos foram marcados pela atuação de personalidades de primeira grandeza da vida e da pesquisa musical do Rio de Janeiro: Luís Heitor Correa de Azevedo e Cleofe Person de Mattos. No „Ano Europeu da Música 1985“ cumpria trazer à consciência que essa denominação não podia ser compreendida em delimitação continental, mas considerar séculos de relações com o mundo geograficamente não-europeu.


Nesse intuito, dois vultos de compositores estreitamente relacionados com o Rio de Janeiro estiveram no centro das atenções: Sigismund von Neukomm (1778-1858) e o Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830).


Recordar e valorizar Sigismund von Neukomm - o discípulo de J. Haydn - na musicologia de orientação cultural e da música no estudo de relações internacionais no Ano Europeu da Música foi motivo principal da dedicação à Áustria da última edição do Forum internacional iniciado com a Semana Alemã-Brasileira (SBM) em 1981, e que representava internacionalmente a Sociedade Brasileira de Musicologia e atuava em estreitas relações com o Instituto Interamericano de Musicologia (Montevideo). (Veja)


Nessa semana dedicada à Áustria, executou-se na Alemanha pela primeira vez a Missa Solene de S. Francisco de Sigismund von Neukomm, composta no Rio de Janeiro e dedicada ao Imperador da Áustria. Essa obra havia sido descoberta e considerada em trabalhos desenvolvidos em Salzburg e Viena em 1975 no âmbito do programa de interações internacionais apoiado pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD). (Veja)


O Pe. José Maurício Nunes Garcia não só foi considerado na fundação do ISMPS em conferência de Cleofe Person de Mattos, Presidente da SBM, como também através da integração de suas obras no repertório de importantes coros, nos Países Baixos e na Alemanha, aqui em especial na Catedral de Augsburg.    


Essa atenção dedicada ao Pe. José Maurício Nunes Garcia tivera já a sua expressão em artigos em coletânea publicada como base de debates do Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ em 1981, quando então fundou-se a Sociedade Brasileira de Musicologia (SBM), e que incluiu a apresentação de uma de suas obras então recuperada na sessão de abertura no Palácio do Govêrno de São Paulo.


Na sessão de fundação da SBM na sala da Independência do Museu Paulista, quando Luís Heitor Correa de Azevedo lembrou de grandes nomes de historiadores da música do Brasil, recordou-se também de um vulto que, pouco lembrado em meios musicais, merece particular atenção em estudos musicológicos de orientação cultural ou de uma ciência da cultural de condução musicológica: Manuel de Oliveira Lima.


Centenário de J. Haydn - último momento de brilho da música sacra coro-orquestral


O alto significado de Oliveira Lima tinha sido reconhecido quando se iniciaram os estudos do programa de interações na Áustria, em 1975. À época, constatou-se que Oliveira Lima tratara já em 1909 Sigismund von Neukomm e José Maurício Nunes Garcia em Congresso Internacional de Musicologia levado a efeito em Viena pelo Centenário de J. Haydn.


A relevância desse evento na capital da Áustria-Hungria foi reconhecida devido à sensibilidade então aguçada para a necessidade de estudos mais aprofundados da época de restauração da música sacra que levou ao combate da tradição coro-orquestral e que tinha um de seus maiores centros de cultivo na Áustria. A celebração do Centenário de J. Haydn poucos anos após do Motu Proprio de Pio X (1903), com a apresentação de obras sacras em concertos e em solenidades solenes foi o último grande momento da música sacra coro-orquestral.


Manuel de Oliveira Lima, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil, pela sua erudição e atividades de escritor e conferencista cognominado embaixador da intelectualidade ou da cultura brasileira na Europa, que se destacara em Viena na apresentação do novo Rio de Janeiro como evidência da evolução do Brasil no Congresso Internacional dos Americanistas em em 1908, assim como na promoção do português como  idioma oficial do trato acadêmico internacional, representou o Brasil no Congresso de 1909 com uma conferência sobre a música do Brasil sob o ponto de vista histórico (La musique au Brésil. Au point de vue historique). Nessa ocasião, salientou sobretudo os nomes de Sigismund Neukomm e do Pe. José Maurício Nunes Garcia, quando também se apresentaram exemplos de suas obras.


O seu texto, então publicado nos anais do Congresso, surge como um texto pioneiro e de extraordinária relevância não só no sentido da difusão de nomes e obras da música do Brasil na Europa, mas sim também como documento da inclusão do Brasil no meio musicológico internacional. Ainda mais: a consideração do seu texto abre perspectivas para análises do próprio desenvolvimento histórico da musicologia em contextos globais, de correntes de pensamento e de fundamentação crítica dos intentos de desenvolvimento de uma musicologia de condução cultural segundo processos como proposta pelo programa euro-brasileiro.


Oliveira Lima mereceu sobretudo ser relembrado quando da fundação do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa pelo seu empenho na promoção do português na Europa, alcançando ter sido o idioma incluido em cursos universitários na Bélgica e considerado como um daqueles de trato acadêmico no Congresso dos Americanistas em Viena, em 1908.


O Brasil no Congresso Internacional de Música pelo Centenário de Haydn, em 1909


Pelo Centenário de J. Haydn, a Sociedade Internacional de Música, então sob a presidência de Sir Alexander Mackenzie (Londres), realizou o seu terceiro Congresso, em Viena, de 25 a 29 de maio de 1909. A comissão redacional da sociedade estava confiada ao Prof Dr. Guido Adler (1855-1941), ao Prof. Dr. Adolf Sandberger  (1864-1943) (Munique) e ao Prof. Dr. Carl Stumpf (1848-1936) (Berlim). Os redatores eram Dr. Alfred Heuß  (1877-1934) (Leipzig) e Prof. Dr. Max Seiffert (1868-1948)(Berlim).


As seções eran dividadas segundo países. Os nomes dos responsáveis pelas seções compreendiam os mais renomados da pesquisa musical, entre êles Prof. Dr. Hermann Kretzschmar (1848-1924), Prof. Dr. Max Friedlaender (1852-1934), Dr. Rochus Freiherr von Liliencron(1820-1912)  (Berlin), Prof Dr. Hugo Riemann (1849-1919)  (Saxônia-Turíngia), Prof. Dr. Hermann Abert (1871-1927) (Halle a. S.).


Os anais do congresso foram publicados sob a direção do seu principal responsável: Guido Adler. A realização desses anais foi sobretudo devida a Adolf Koczirz (1870-1941), pesquisador e editor de música para alaúde, e Robert Haas (1886-1960), assistente de Guido Adler (III. Kongreß der Internationalen Musikgesellschaft, Bericht vorgelegt vom Wiener Kongreßausschuß, Viena e Leipzig: Artaria, Breitkopf & Haertel, 1909).


Pela suas dimensões, pelos seus participantes e pela amplidão e diversidade dos temas tratados, esse evento representou um ponto culminante no desenvolvimento da pesquisa musical, do reconhecimento da música e de seus estudos nos meios científicos e acadêmicos, da política e da representação, da construção de rêdes e da intensificação de cooperações internacionais, assim como da história da institucionalização universitária da musicologia da antiga Europa anterior à Primeira Guerra Mundial.


A sua relevância, porém, ultrapassa esse período da História, não só por ter sido um dos maiores e mais representativos da história de congressos musicais, mas por nele reunir grande número dos mais renomados vultos da história da pesquisa musical que marcaram desenvolvimentos, entre êles Albert Schweitzer 81875-1965). O significado do Congresso resulta também do fato de possibilitar o reconhecimento de tendências do pensamento e da pesquisa que se prolongaram através das décadas. A consideração das inserções desse congresso em processos culturais pode assim contribuir a análises e reorientações da musicologia institucionalizada e estabelecida universitáriamente.


As sessões foram organizadas segundo áreas:

I. História da Música. a) antiga; b) nova; c) edição e obras musicais para execução; d) História da ópera; e) música de alaúde

II.  Etnografia Musical (Música exótica e Folklore)

III. Teoria, Estetica, Didática

IV. Bibliografia e questões organizativas. Com uma subdivisão para „Länderkunde“ musical

V. Música sacra. a) católica; b) evangelica. Com uma subdivisão para c) questões de órgão


Conferência Internacional para a instituição de um Corpus scriptorum de musica


O Congresso de Viena foi precedido por uma conferência internacional que, durante dois dias, tratou da criação de um Corpus scriptorum de musica. Realizava-se assim um intento já de longa data, remontantes ao século do Historismo, tanto da parte da pesquisa como da prática, de historiadores da música como daqueles que sentiam a necessidade de edições de obras para a ampliação de repertórios.


A conferência foi possibilitada pelo trabalho de cooperação internacional entre a Alemanha e a Áustria, da Comissão Histórico-Musical Real Prussiana e a Comisssão dos „Monumentos da Arte Sonora na Áustria“, a esta última cabendo a direção. O assunto já tinha sido discutido anteriormente em congresso realizado na Basiléia e foi incluído no programa do Congresso de Viena. No seu decorrer, elegeu-se uma Comissão Geral que, publicando-se as intenções, procurava torná-las conhecidas e oferecer a possibilidade de conquistar novos interessados.


A numerosa participação de representantes oficialmente convidados de diferentes nações no Congresso e na solenidade comemorativa de J. Haydn teve não apenas o sentido de aumentar o seu significado e sua representatividade, como também possibilitar a difusão dos seus resultados nos seus respectivos países, junto a Governos e instituições.


Essa atenção dada a questões de fontes explica em parte o relevante papel desempenhado por Oliveira Lima no Congresso de Viena. O então Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil não foi apenas convidado oficialmente como representante diplomático do Brasil, como muitos outros embaixadores, mas como personalidade com competência na matéria.


Bibliografia, Organização dos estudos musicais e „Länderkunde“


A conferência de Oliveira Lima foi incluida na quarta seção do Congresso, dedicada a bibliografia, questões de organização e à área de estudos denominada de „conhecimento de países“ (Länderkunde). A sua capacidade nesses assuntos era inquestionável, tanto devida a seus conhecidos estudos de bibliotecas e arquivos, em particular durante a sua estadia em Washington, como daqueles de países, manifestados em obras publicadas e na sua participação em sociedades e congressos de Americanistas e Geografia, como aquele no qual tinha proferido a sua conferência em Viena sobre a evolução do Rio de Janeiro no ano anterior.


O ministro brasileiro tomou parte nesses trabalhos ao lado do Dr. Jules Ecorcheville (1872-1915), de Paris, presidente da sessão. Esse musicólogo francês tinha participado da fundação da Sociedade Internacional de Música, em 1899, sendo membro da comissão de bibliografia e daquela da redação do Corpus Scriptorum de Musica e de Iconografia musical. Ecorcheville estudara com Hugo Riemann (1849-1919) em Leipzig e era uma das principais personalidades que se empenhavam na institucionalização dos estudos da música na universidade.


A sua posição como presidente da sessão justificava-se pelos seus trabalhos de arquivos, de bibliotecas e de catalogação, em particular sobre tabulaturas de alaúde em bibliotecas francesas. No Congresso do Centenario de Haydn, ao lado de Oliveira Lima, criou uma iniciativa sob o nome do compositor que deu impulsos a obras musicais referenciadas segundo o compositor e suas obras, tanto na França como, indiretamente, no Brasil.


Assim como o conferencista precedente - Charles-Théodore Malherbe (1853-1911) - que tratou do tema „O Internacionalismo na música“, Ecorcheville interessava-se também por questões de relações entre o internacionalismo e o nacionalismo. Como pronunciaria em evento posterior, em 1911 em Londres, o internacionalismo era manifestação da razão e da reflexão, própria de eruditos, o nacionalismo se baseava na espontaneidade do sentimento, sendo própria de artistas. Essa relação internacionalismo/nacionalismo, reflexão/sentimento, ciência/arte pode ser tambem detectada nas explanações de Oliveira Lima.


Do círculo de participantes da sessão destacava-se também o Dr. Hermann Springer (1872-1945), bibliotecário da seção de música da Real Biblioteca de Berlim, especialista na catalogação de manuscritos, na edição de fontes e obras e na organização de bibliotecas musicais. A Suiça esteve representada pelo Prof. Dr. Adolf Thürlings, de Berna, autor não apenas de obras histórico-musicais, da história da impressão musical como também como teólogo dedicado a questões sacro-musicais, de livros de cantos religiosos e de liturgia dos „velhos católicos“, ou seja, aqueles que não aceitavam o direcionamento de Roma fixados no Concílio Vaticano I.

A conferência foi ilustrada com exemplos de música brasileira apresentadas ao piano pelo Prof. Dr. Rudolf Fischer.


Oliveira Lima: A música no Brasil sob o ponto de vista histórico


A conferência de Oliveira Lima sobre a música do Brasil sob o ponto de vista histórico assume uma relevância especial para uma história do pensamento de cunho musicológico no Brasil, uma vez que à época o conferencista não dispunha para consulta de obras de História da Música no Brasil.


Pôde basear-se para a sua explanação apenas em textos de Alfredo d‘Escragnolle Taunay (1843-1899), que havia sido admirado amigo, e de Eduardo Prado (1860-1901), qu contribuira com um texto sobre as Belas Artes ao Le Brésil, publicado pela Exposição Internacional de Paris, em 1889, e portanto conhecido da literatura diplomática familiar a Oliveira Lima. O ministro brasileiro baseou-se assim em nomes particularmente vinculados ao regime monárquico findo no Brasil.


Vindo de encontro ao complexo temático da sessão, sua explanação histórica baseou-se porém sobretudo do estudo da literatura de viagens que conhecia através de seus estudos em bibliotecas e arquivos, aos quais se dedicou também quando de sua estadia nos Estados Unidos.


Com a menção de referências desses viajantes na sua conferência, Oliveira Lima demonstra ter estudado essa literatura com atenção especialmente voltada à música, construindo a partir delas um panorama do desenvolvimento da vida musical no país.


A aproximação de Oliveira Lima é histórico-cultural a partir de fontes, o da música na evolução histórica do Brasil e da formação da nacionalidade. Essas duas preocupações surgem como que condutoras no pensamento de Oliveira Lima, o que se manifestaria na denominação da sua série de conferências na Sorbonne de abertura do primeiro curso de Estudos Brasileiros, em 1910. (Veja)


Arquitetura e música: o Rio de Janeiro em Oliveira Lima e a música no Brasil


Os critérios da sua visão histórica, Oliveira Lima tinha manifestado ao tratar da evolução do Rio de Janeiro no Congresso dos Americanistas em Viena no ano anterior. Ali partira explicitamente da aplicação à história do Brasil de conceitos de ontogenia e filogenia, ou seja, da recapitulação biogenética compreendida como lei no sentido extenso de uma filosofia de fundamentação científico-natural ou do evolucionismo como Weltanschauung. (Veja)


A recapitulação ontogenética de desenvolvimentos longos da espécie em curto espaço de tempo na formação do indivíduo no caminho de atingir a sua compleição como entidade, revela-se como idéia subjacente à sua explanação da evolução histórica da música que alcançaria o estado de ser qualificada como música brasileira, por assim dizer como entidade caracterizada pela nacionalidade.


A leitura do seu estudo sobre a arquitetura e o urbanismo do Rio abre assim perspectivas para a leitura adequada da sua explanação sobre a música.


A visão histórica derivada da morfologia das plantas como tratada por Ernst Haeckel (1834-1919) revela-se no emprego da imagem das raízes e no teor da explanação dos primeiros tempos.


A música do Brasil teria, como todas as músicas, suas raízes melódicas populares e, assim, como a maior parte deles, seu desenvolvimento harmônico particular e mesmo original. Essas melodias populares eram a consequência natural das cantilenas portuguesas transplantadas ao ultramar no século XVI e subre as quais vieram se mesclar as „balbuciantes lamentações indígenas“ e, posteriormente os „motivos monótonos da terra africana“, a ela emprestando uma fisionomia musical própria que, secundada por um clima calmo e quente e sob a ação afetiva da mistura física e moral de raças, tomara um caráter de languidez e volúpia.


Essa explanação corresponde áquela de Oliveira Lima relativamente aos primeiros tempos da povoação do Rio de Janeiro da memória apresentada no Congresso dos Americanistas do ano anterior, tendo ali citado com conotações negativas a arquitetura portuguesa transplantada, a falta de ar e arejamento de espaços, as danças e as músicas tristes de africanos que se misturavam com aquelas dos portugueses. Era essa cidade que fora demolida para dar cidade à nova, evoluída do Rio de Janeiro. (Veja)


Assim como Oliveira Lima reconhecera ao tratar do Rio de Janeiro que havia no continente americano cidades nascidas espontaneamente, que não alcançariam o estado da evolução como o Rio, mas que não deixavam de ser pitorescas, também reconhece o „charme“ das melodias brasileiras que teriam resultado dessas relações e que atuavam fortemente sobre todos aqueles que as ouviam. Elas teriam feito furor no século XVIII na Corte de Portugal, onde os cantores e músicos da colonia americana não só conquistaram os aplausos populares, mas, como o poeta Domingos Caldas Barbosa (1739-1800), triunfaram segundo o gosto dos salões aristocráticos sobre os compositores de inspiração italiana.


Fundamentando o panorama traçado, Oliveira Lima lembra que todos os viajantes estrangeiros dessa época fizeram frequentes e entusiastas alusões a essa recepção da música do Brasil em Portugal, apesar das diferentes visões: „o sedutor William Beckford, o mordente Costigan, Link, o erudito, ou Murphy, o artista“. As modinhas e os lundus, estes mais africanos e mais lascivos, aquelas mais locais e sentimentais, onde as palavras revelavam o amor ardente e onde a cadência levava à dança fogosa, figuravam tanto no trabalho do austero do reverendo inglês Kinsey, sobre Portugal, quanto na grande coleta de músicas de viagem ao Brasil dos eminentes bávaros Spix e Martius. Tanto as anônimas, se não espontâneas, como outras de autor, possuiam similares características.


Revelando similares opiniões de Malherbes e Ecorcheville, Oliveira Lima distingue entre o sentimento e a reflexão, passando aqui a tratar de questões de estética e de educação de gosto.


Sabia-se, segundo êle, que era grande o gosto pela música no Brasil. Este seria um gosto esclarecido, pois provinha do estudo a partir de uma disposição profunda e marcante. Os jesuitas tinham dado a primeira educação musical do país, assim como tinham fornecido a primeira educação moral e intelectual. Citando Adriano Balbi (1782-1848), autor  do Essai Statistique sur le Portugal e ses Colonies, Oliveira Lima lembra que esse geógrafo salientou especialmente e com grandes elogios uma espécie de conservatório estabelecido pelos padres da Companhia para os escravos colocados a seu serviço na propriedade de Santa Cruz, onde essa tradição artística os sobreviveu e foi mesmo cuidadosamente conservada pelo rei D. João VI e por seu filho, o Imperador Dom Pedro I. Cantores e instrumentistas muito hábeis, ainda que em número naturalmente restrito, sairam dessa instituição para tomar parte de orquestras reais, e o número de viajantes entre os mais autorizados da época não deixaram de a êles fazer sinceros elogios.


José Maurício Nunes Garcia na conferência pelo Centenário de Haydn


Central significado na conferência de Oliveira Lima assume as suas considerações sobre o Pe. Jose Maurício Nunes Garcia, fato compreensível pelo Centenário de Haydn e pelo fato do erudito brasileiro emprestar particular significado a  D. João VI e à vinda da Corte Real ao Rio de Janeiro e no processo educativo de formação do gosto no Brasil, como tinha elucidado na conferência sobre a Evolução da capital do Brasil no Congresso dos Americanistas.


De início, lembra que o espírito musical era já bastante desenvolvido nessa colonia americana de Portugal, pelo qual o célebre Marcos António Portugal (1762-1830), mestre-de-capela do rei, membro do Institut de France e compositor cujas óperas eram levadas com muito sucesso em todos os palcos italianos da época, pode encontrar no Rio de Janeiro - onde a Corte portuguesa se instalou em 1808 quando da invasão da Península pelas tropas napoleônicas - um digno mulato, o padre brasileiro José Maurício Nunes Garcia, cuja música sacra, procedendo dos grandes mestres alemães, era de uma inspiração muito elevada e de extraordinário nível.


Oliveira Lima lembra que foi precisamente uma das sonatas de Haydn - o compositor celebrado no Congresso Internacional de Música - , que o seu contemporâneo brasileiro colocava acima de Haendel e de Mozart e à altura de Bach - a primeira música que o Padre José Maurício teve a honra de tocar perante a família real e na presença do famoso maestro Marcos Portugal. Êle a teria executado com um ardor e uma virtuosidade admiráveis, ao julgar pelas pages dos Etudes Critiques, de Escragnolle Taunay, escritor e apaixonado amador de música. Pedindo permissão para os ouvintes, Oliveira Lima traduziu alguns trechos da narrativa romanceada de Taunay. Com essa citação ofereu uma imagem mental do episódio que levou a um reconhecimento das aptidões de Jose Maurício pela Corte e pelo renomado compositor português. Continuando a utilizar-se de recursos visuais, lembra da tela de Henrique Bernardelli (1858-1936), salientando como essas representações marcavam o sentimento coletivo dos brasileiros.


Sigismund Neukomm na conferência pelo Centenário de Haydn


Salientando ser Jose Maurício o representante por excelência da música clássica no Brasil, passa a considerar Sigismund Neukomm, considerado como discípulo predileto de Haydn e sua estadia no Brasil, de 1816 a 1821. Lembrando ter sido Neukomm protegido do Ministro Conde da Barca (1754-1817), um verdadeiro mecenas, salientou que Neukomm tornou-se o principal educador artístico do príncipe Dom Pedro. O futuro imperador, casado em 1817 com a Arquiduquesa Leopoldina da Áustria (1797-1826), ela mesmo educada em música, foi um compositor no qual não teria faltado nem imaginação nem aptidão.


Nessa avaliação do papel desempenhado por Neukomm, Oliveira Lima baseou-se sobretudo na Memoire sur les Beaux-Arts au Brésil, escrito por Eduardo Prado por ocasião da Exposição de Paris (1889), nos ensina que foi Neukomm que, durante a sua estadia no Brasil, forneceu a J. Le Breton (1760-1819) - secretário perpétuo da Academia de Paris, vindo à frente de vários artistas franceses para fundar a Academia do Rio de Janeiro - os dados que lhe serviram de base para escrever a sua notícia sobre Joseph Haydn, cuja edição apareceu ao Rio em 1820.


Fase da música do Brasil na via de organização consciente


A segunda fase da música no Brasil, uma vez entrada na via de organização consciente, seria aquela, segundo Oliveira Lima, contemporânea á Independência: ela poderia ser cognominada de patriótica. Seu corifeu fora Francisco Manoel da Silva (1795-1865), discípulo dos mestres precedentes, e autor do hino brasileiro, que o Ministro do Brasil salientou como um dos mais tocantes e mais vibrantes do mundo. Lembrou ter sido Francisco Manoel que fundou na capital do Brasil o Conservatório de Música do qual um dos alunos, foi Antonio Carlos Gomes (1839-1896), o grande músico brasileiro que alcançou renome mais do que nacional.


Oliveira Lima, mencionado ser Carlos Gomes sobretudo apreciado na Itália, onde recebeu a consagração de G. Verdi (1813-1901) e onde quase todas, se não todas as suas principais óperas tinham sido apresentadas e aplaudidas. Para Oliveira Lima, Carlos Gomes personificava a música romântica no Brasil e a caracterizava de uma maneira verdadeiramente genial. A vivacidade e a frescura de sua inspiração correspondiam à riqueza e à variedade dos meios; as suas óperas abundavam de sinfonias potentes, como a abertura do Il Guarany, e de peças tocantes, como o canto nostálgico de Ilara no Schiavo. Haveria, em todas as suas composições, um calor comunicativo e uma exuberância de motivos que testemunhavam um talento musical de primeira ordem, ao mesmo tempo um sentimento local apoiado em personalidade segura e indiscutável que o tornavam o artista particularmente estimado.


A música como ciência no Brasil segundo Oliveira Lima


Na última parte da sua explanação sobre a evolução da música no Brasil, Oliveira Lima passa a considerar que cada vez mais a música tornar-se-ia não apenas uma arte, mas também uma ciência. R. Wagner (1813-1883) contribuíra mais o que qualquer pessoa a essa evolução.

Também no Brasil a influência wagneriana considerável, temperada talvez pelas fortes tradições italianas e pelo fundo nacional, talvez operando antes instintivamente. Também os compositores modernos do Brasil se voltavam como todo resto do mundo a Bayreuth, considerando-o como a meca musical.


Dando exemplos de compositores que teriam passado a considerar a música como ciência nesse sentido, Oliveira Lima salienta Leopoldo Miguez (1850-1902), o autor de Avel Libertas, do Prometeu, da Suite à l‘antique, que teria melhor do que ninguém representado a nova escola. Esta seria numerosa e distinta, de Alberto Nepomuceno (1864-1920) a Henrique Oswald (1852-1931), de Francisco Braga (1868-1945) a Meneleu Campos (1872-1927).


Não querendo fatigar os seus ouvintes com uma relação de nomes, que poderia ser longa, terminou salientando a amplidão do gosto musical no Brasil. Este seria revelado de resto pela atração irresistível que exercem os concertos e as estações líricas, e pelo fato do Instituto de Música do Rio de Janeiro contar com 700 alunos.


A conferência de Oliveira Lima revela, assim, que o erudito diplomata aplicava as suas concepções evolutivas na própria música como expressão ou indício do desenvolvimento histórico e da formação da nacionalidade brasileira. A ciência foi por êle compreendida não como pesquisa musicológica, mas como alcance de uma estágio de reflexão e de inteligência na própria música como realidade sonora.


Esta, segundo as concepções expostas de Malherbe e Ecocherville, correspondia ao internacionalismo de eruditos. Ao mesmo tempo, porém, segundo a teoria de recapitulação biogenética das concepções históricas de fundamentação evolucionista tematizada por Oliveira Lima no exemplo do Rio de Janeiro perante os Americanistas em 1908, esse desenvolvimento levava em pouco espaço de tempo à constituição de uma entidade individuada, no caso nacional.


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



Todos os direitos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„ O Rio de Janeiro e a música no Brasil sob o ponto de vista histórico no Centenário de J. Haydn em Viena em 1909.“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 153/8 (2015:61). http://revista.brasil-europa.eu/153/Brasil-no-Centenario-de-Haydn.html