Ida Pfeiffer no Brasil e no Madagáscar
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Tamatave 2015. Foto A.A.Bispo. Copyright. Arquivo A.B.E..

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Dança malgache, Tamatave. A.A.Bispo 2015. No texto: Rio de Janeiro 2006 ©Arquivo A.B.E..
Ida Pfeiffer. A. Dauthage, 1855

 

154/11 (2015:2)

Tamatave 2015. Foto A.A.Bispo. Copyright. Arquivo A.B.E..




Ida Pfeiffer (1797-1858) no Brasil e no Madagáscar
sob o signo dos problemas da Imigração, Colonização e do Colonialismo
Costumes, dança e música como indicadores de processos transculturais

- a dança malgache -

Imigração, Estudos Coloniais e Colonialismo 2015
pelos 450 anos do Rio de Janeiro

Continuidade de ciclos de estudos realizados na Caríntia, Áustria (2014)

 

Nos 450 anos do Rio de Janeiro, um dos complexos temáticos que merecem atenção nos estudos euro-brasileiros é o da emigração européía ao Brasil, em particular o da vida e do papel de imigrantes na história da sua antiga capital.


O Rio de Janeiro, como principal porto de entrada no país, foi a cidade que marcou as primeiras impressões e os primeiros passos daqueles que abandonavam as suas terras à procura de melhores condições de vida.


Os que chegavam nem sempre prosseguiam viagem para regiões de colonização. Muitos ali permaneceram, em difíceis condições de vida, como nos cortiços que caíram no „bota-abaixo“ do velho centro por ocasião da reconfiguração do Rio no início do século XX. (Veja) Outros, mais bem situados, qualificados ou vindo a negócios, encontravam apoio e caminhos à adaptação e integração em colonias de conterrâneos ou de residentes de mesmo idioma. Essas colonias, com as suas sociedades e grupos esportivos, de lazer, intelectuais, artísticos e musicais, desempenharam importante papel na história cultural do Rio e do Brasil em geral.


Todos - emigrantes por necessidade, visitantes de passagem ou profissionais qualificados - traziam expectativas criadas pelo que tinham lido e ouvido sobre o Brasil, e essas informações e imagens eram sobretudo marcadas pelo Rio e sua paisagem.


Para alem de vagas e difusas imagens, a divulgação de conhecimentos e de experiências do Brasil na Europa, em publicações e na transmissão oral, foi decisiva para a motivação e a tomada de decisão de tão amplas consequências para aqueles que emigravam.


O estudo do saber e das imagens do Brasil no Exterior relaciona-se assim de modo estreito e recíproco com aquele da imigração e colonização no próprio país. Esses estudos não podem ser nacionais ou conduzidos segundo interesses nacionais, definidos segundo fronteiras atuais dos países europeus, mas abrangentes. Deve-se considerar situações político-culturais do passado e a internacionalidade de conhecimentos possibilitada pelo compartilhar de observações e vivências através de contatos e pela tradução de publicações em diversos idiomas.


Estudos da imigração é da competência da Ciência, não de instâncias oficiais e oficiosas


Já no passado, porém, instituições governamentais e diplomáticas procuraram de ambos os lados, não só do país receptor, influenciar e controlar desenvolvimentos, a difusão de conhecimentos e a criação de imagens. Intentos de monopolização ou predominância na transmissão de informações e de controle de decorrências através de redes foram justificados por um um caráter oficial de órgãos do Estado, da diplomacia e do serviço consular. Estes seriam os legitimados para o tratamento de questões que diziam respeito à representação dos respectivos países e de seus súditos e descendentes.


Intentos movidos sobretudo por interesses de Estado trazem em si o risco de insuficiente imparcialidade na transmissão de conhecimentos e nas ações, de uso de informações e de imagens a serviço da política, da economia e comércio, da representação e propaganda.


A problemática emigratória e imigratória é porêm por demais complexa para poder ser tratada adequadamente com essa redução a encargos e direitos de órgãos e instituições da política e diplomacia. Muito menos, naturalmente, por sociedades bi-laterais que procuram uma proximidade a círculos políticos e diplomáticos para uma legitimação „oficial“ de suas atividades e promoção de grupos ou determinadas pessoas.


Nem todos os imigrantes vieram por vias oficiais e para projetos fomentados pelo Estado, nem todos tinham, queriam ou podiam ter contatos com representações de seus antigos países na nova terra. Os contatos com imigrantes de outras origens era determinado pelas circunstâncias ou por outros fatores, de língua, de cultura, de religião, de orientação política ou profissional, de modo que visões de situações e desenvolvimentos guiadas pelos interesses do antigo país natal apenas podiam ser unilaterais.


Uma ação consular ou de personalides e grupos relacionados com a política e organismos oficiais de países da emigração é retroativo, refortalecedor de elos com a terra abandonada ou o país de antepassados. Sendo assim desintegrador, não pode ser do interesse do país receptor, que é o da integração dos imigrantes na sociedade, que enriquecem com os seus diferentes aportes.


Atividades „oficiais“ como objeto - não como sujeito dos estudos da imigração


O papel desempenhado por personalidades, órgãos e instituções oficiais deve ser êle próprio objeto de pesquisa no âmbito dos estudos voltados à emigração, imigração e colonização - não podem ser condutores dessa área de estudos, mas sim alvo de investigações e análises, de estudos culturais da diplomacia e da ação estrangeira nos diversos países, de interesses e de propaganda.


A atenção deve ser dirigida neste sentido não só aos órgãos de Estado, representação e serviços consulares em si, mas às rêdes sociais com êles relacionadas de ambos os lados, aos homens de negócios, empresários, artistas, intelectuais e jornalistas que deles dependem ou procuram apoios, assim como as associações e entidades que, com base nessa proximidade, adquirem ou se arrogam um cunho oficioso.


Servindo indiretamente a interesses e à propaganda, faltam-lhes a distância e a neutralidade para o tratamento objetivo e adequado do complexo de questões referentes à imigração e colonização. Contribuem à instrumentalização de uma área de estudos que é primordialmente tarefa científica - não política e de propaganda nacional.


Imigração/Colonização e do Colonialismo: conferência na Caríntia/Áustria 2014


Em estudos realizados em 2014 na Caríntia, Áustria, marcados por conferências com pesquisadores da sociedade de história da região, considerou-se sobretudo as dificuldades no estudo cultural de migrações européias e emigração a regiões extra-européías na esfera da antiga Dupla Monarquia austro-húngara.


Os que saíram do antigo império dos Habsburgs, desintegrado em diferentes estados nacionais, não podem ser estudados apenas da perspectiva dos países que o sucederam tal é a complexidade de seus motivos e inserções.


Também aqueles de língua e cultura alemãs não podem ser estudados com objetividade e neutralidade científica se considerados apenas da perspectiva da atual Áustria e nem muito menos da Alemanha, o que, no último caso, representaria uma questionável queda em concepções de global alemanidade do Deutschtum do passado.


Essa queda seria uma ingerência indevida em assuntos nacionais para países como Brasil com as suas vastas regiões de passado imigratório, e no qual os descendentes dos primeiros colonos já se encontram em avançadas gerações, há muito integrados.


Também aqueles viajantes da então grande potência européia que, com seus relatos, influenciaram a imagem do Brasil na Europa, exigem ser considerados com a distância de uma área de estudos que, diferentemente de instâncias oficiais, assim como de entidades e grupos oficiosos, apenas tem como interesse o alcance de conhecimentos .


Um estudo de caso: Ida Pfeiffer na recepção européia de suas viagens - ciclo na Caríntia 2014


A viajante austríaca Ida Pfeiffer, uma das mais corajosa e audaciosas personalidades femininas do seculo XIX, oferece nos seus relatos não apenas dados históricos, mas também elementos significativos para a discussão dessa problemática dos estudos voltados à imigração e colonização.


Com o seu casamento com um jurista de Lamberg, cidade então da Áustria-Hungria, hoje Ucrânia, Ida Pfeiffer surge como um dos mais destacados nomes de regiões afastadas de Viena do império dos Habsburgs.


Abandonando em 1842, com 44 anos, a esfera restrita da sua vida doméstica na Europa, Ida Pfeiffer passou a dedicar a sua vida a percorrer o mundo, fato não só incomum no Velho Mundo, mas também e sobretudo em outros contextos culturais, em particular no mundo islâmico. Por duas vezes Ida Pfeiffer realizou grandes viagens ao redor do mundo, de vários anos, que lhe exigiram muitos preparativos, esforços incomensuráveis e nas quais expôs-se a riscos de vida.


A leitura de seu relato de estadia no Rio de Janeiro exige a consideração da discussão da época sobre a questão da emigração ao Brasil em meados do século XIX e que foi extremamente negativa para a imagem do país na Europa.


Essa problemática, que teve a sua expressão na restrição oficial da emigração na Alemanha, tem sido considerada sobretudo sob a perspectiva alemã.


As reflexões na Caríntia trouxeram à consciência a necessidade de análises mais abrangentes da questão da propaganda aliciadora de emigrantes de lingua alemã na Europa, dos métodos empregados, das críticas, do movimento a favor de sua coibição e suas consequências. O relato de Ida Pfeiffer oferece subsídios para esses estudos, demonstrando as dimensões do problema da propaganda emigratória no âmbito do império plurinacional da Áustria-Hungria e do empenho de personalidades e círculos da sociedade em prevenir e esclarecer aqueles tentados em estabelecer-se no Brasil.


Ida Pfeiffer era conhecida na Carintia, como demonstra artigo sobre a sua personalidade e viagens em folha de ilustração de Klagenfurt de 1856. („Ida Pfeiffer“, Carinthia, Klagenfurter Unterhaltungsblatt, 46/18, 1856). A sua biografia e atividades foram em geral amplamente divulgadas em outras publicações da Áustria-Hungria, não só em Viena („Ida Pfeiffer“, Donau, 520 e 522, 1855; „Ida Pfeiffer in Brasilien“, Wiener Bote 4, suplemento de Sonntagsblätter VI, Viena 1847, Oesterreichischer Volksfreund, 280, 1857 ;Presse 251, 1858), como também em outras cidades do Império(e.o. Ungarische Post 142, 1855; Pester Lloyd, 300, 1855; Pesther Sonntags-Zeitung 14, 1856; Tagesbote aus Böhmen, 303, 1858; Triester Zeitung 250, 1858; Lada 18, 1864).


Nas reflexões encetadas na Caríntia considerou-se até mesmo se a perspectiva no tratamento da questão emigratória relativa ao Brasil não deveria ser antes centralizada no complexo plurinacional da Áustria-Hungria, partindo-se então desse contexto à sua recepção na Alemanha. Para isso falaria a recepção de Ida Pfeiffer por A. von Humboldt (1769-1859) e a publicação de artigos sobre a viajante e suas viagens em jornais de Frankfurt, Leipzig e Berlim.


Ida Pfeiffer e o conde Friedrich Berchtold von Ungarschitz (1781-1876) no Brasil


No dia primeiro de maio de 1846, Ida Pfeiffer, que chegara há poucos meses de longa viagem, partiu para o Brasil. Essa viagem de dois anos ao redor do mundo, que devia levá-la também ao Chile e a outros países da América do Sul, ao Taiti, China, India, Persia, Ásia Menor e Grécia,  foi acompanhada pelos jornais. O relato dessa viagem foi publicado em alemão e em inglês em 1850. (Eine Frau fährt um die Welt, 3 vols, Viena, 1850; A Woman‘s Journey round the World, Londres, 1850).


Um particular significado para a consideração adequada do espírito e das visões que marcaram a sua estadia no Brasil deve ser visto no seu contato com o conde Friedrich Berchtold von Ungarschitz. Assim, Ida Pfeiffer, antes de partir para a sua longa viagem, dirigiu-se primeiramente  a Praga, onde encontrou-se com o erudito aristocrata que tinha conhecido em viagens anteriores e que se dispôs a acompanhá-la ao Brasil.


Ida Pfeiffer e o conde von Ungarschitz partiram do porto de Hamburg, atingindo o Rio de Janeiro após seis semanas de travessia em navio a vela, menos confortável, mas menos dispendioso do que os vapores.


Como refletido na Caríntia, pouco se tem dado atenção à presença do conde Berchtold na viagem de Ida Pfeiffer ao Brasil e à influência que teria exercido na sua preparação e nos contatos com meios austríacos do Rio de Janeiro.


O conde Friedrich von Berchtold era médico e naturalista, em particular de Botânica, professor da Faculdade de Medicina de Praga. Para as suas pesquisas, realizou viagens pela Europa e pelo Oriente Médio, Palestina e Egito, tendo então conhecido Ida Pfeiffer. Foi a sua presença que explica o pêso dado à Botânica e à natureza em geral na estadia de Ida Pfeiffer no Brasil, tendo o conde com ela visitado o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e realizado excursões de pesquisas, entre outras a Nova Friburgo e a Petrópolis. Dessas viagens, Berchtold von Ungarschitz trouxe materiais que se encontram hoje no Museu da Boêmia. Foi êle também que despertou a atenção de Ida Pfeiffer para o Museu Nacional do Rio de Janeiro.


Tudo indica que foi o conde que aguçou a sensibilidade de Ida Pfeiffer para a problemática emigratória na época. No contexto austríaco, esta relacionava-se com uma outra preocupação de Berchtol von Ungarschitz, ou seja, a de grupos populacionais menos privilegiados ou de nacionalidades não-alemãs da Dupla Monarquia.


Imagem negativa do Brasil a serviço de advertência a emigrantes


Sob o pano de fundo da discussão então atual dos problemas emigratórios na Áustria-Hungria e na Alemanha, compreende-se que o relato de Ida Pfeiffer surja como das publicações da literatura de viagens que mais negativa imagem oferece do Brasil.


Talvez resida nessa atitude crítica e em grande parte depreciativa do país a razão do fato de ser o seu nome e a sua obra menos conhecidos e considerados por estudiosos brasileiros, apesar dos valiosos dados que contém. A imagem negativa do Rio de Janeiro - e através dela do Brasil - foi, porém, importante fator que justificaria posteriormente a necessidade de uma remodelação da cidade no início do século XX. (Veja)


A própria autora oferece a razão explicativa do quadro negro que oferece do Rio de Janeiro aos leitores europeus. O seu texto procurava advertir aqueles que eram influenciados propaganda emigratória que se fazia na Europa..


Nas suas conclusões, a autora dirigiu-se explicitamente a seus conterrâneos que pensavam em deixar a Áustria para procurar a sua sorte no Brasil. Ela comparava os aliciadores de emigrantes na Europa, com a sua propaganda positiva do Brasil, a comerciantes de escravos. Haveria na Europa pessoas que não seriam melhores do que esses comerciantes que levavam inocentes à escravidão, e esses eram aqueles que exageravam nos seus relatos as riquezas da América de suas belas regiões, a superabundância dos produtos do solo e a falta de braços para que dele se tirasse proveito.


Essas pessoas não tinham escrúpulos, o seu objetivo era o de lotar os navios que possuiam com aqueles emigrantes que gastavam as suas últimas economias para a viagem. Durante a sua estadia no Brasil, Ida Pfeiffer teria presenciado vários navios que chegavam com tais infortunados. O govêrno não os apoiava e, como não tinham dinheiro, não podiam comprar terra. Não encontravam emprêgo nas plantações, pois ninguém queria empregar europeus para esse fim, uma vez que não estavam acostumados com o clima quente e, assim, logo sucumbiam.


Como não tinham deixado bens na sua terra, eram obrigados a procurar trabalho no Rio de Janeiro, tendo-se por fim de contentar-se com as mais ínfimas ocupações. Somente aqueles que dominavam alguma atividade profissional encontravam emprêgo. Diferente era a situação daqueles vindos pelo govêrno brasileiro para cultivar terra ou colonizar o país: recebiam terra, provisões e outros auxílios.


Aqueles que vinham atraídos por esses propagandistas, sem meios, não tinham chances. Fome e doenças destruiam a maioria dos imigrados e apenas um muito pequeno número tinha sucesso. Assim todos aqueles que cogitassem em abandonar o país natal deviam obter informação verídica, para que pudessem pesar calmamente o passo que davam, não deixando-se influenciar e acalentar expectativas infundadas.


O quadro sombrio do Rio de Janeiro oferecido por Ida Pfeiffer


No seu relato, Ida Pfeiffer, expõe primeiramente a sua chegada ao Rio de Janeiro, oferecendo de início uma descrição da cidade, considerando os africanos nas suas relações com os brancos, as artes e ciências, as festas religiosas,o  batismo da princesa imperial, uma festividade militar, o clima e a vegetação, usos e costumes, e, por fim, a questão dos imigrantes.


No seu intuito de pintar uma realidade que prevenisse eventuais emigrantes, Ida Pfeiffer não economiza em críticas no ver e descrever a cidade e seus habitantes, servindo-se de preconceitos: o Rio que descreve era negro, no sentido racial e metafórico do termo.


Já a sua primeira impressão do Rio foi negra: a Praia dos Mineiros, onde desceu, é descrita como uma espécie de antro desagradável e sujo, com uma dezenas de negros que, sentados no chão, ofereciam aos viajantes frutas e doces.


O olhar negativo de Ida Pfeiffer estende-se às zonas centrais da cidade, vendo criticamente ruas e edifícios que poderiam ser decantados pelos propagandistas do Brasil. Indo à Rua Direita, salienta que a sua única beleza residia na  largura. Edifícios públicos como o dos Correios, da Alfândega, do Câmbio e da Guarda seriam sem interesse. No fim daquela rua encontrava-se o Palácio Imperial, que é descrito como edificio grande mas prosaico, similar a uma casa particular, sem a menor pretensão a gosto ou a beleza arquitetônica. Para ela o Largo do Paço tinha como único ornamento uma fonte, extremamente suja, que servia à noite como local de dormir de um número de pobres escravos libertos; estes, pela manhã, ali faziam as suas necessidades. Uma parte da praça servia como mercado.


Mais interessantes pareceram a Ida Pfeiffer as ruas da Misericórdia e do Ouvidor, esta última possuindo lojas mais refinadas e maiores, mas que de forma alguma poderiam ser comparadas com os estabelecimentos da Europa, nelas encontrando-se pouco realmente de belo e de valor. Para a viajante, só as lojas de flores tinham despertado o seu interesse com as suas flores artificiais feitas de penas de pássaros, escamas de peixe e asas de besouros.


Entre os largos, para Ida  Pfeiffer o mais distinto era o do Rocio, o maior o de Santa Ana. No primeiro, sempre toleravelmente limpo, encontrava-se a casa de Ópera, a do Govêrno e a Delegacia. Era também ponto de partida dos ônibus que cortavam a cidade em todas as direções. O Largo de Santa Ana, ao contrário, era um dos mais sujos da cidade. Ali, a viajante encontrara cadáveres em decomposição de cães e gatos, e até mesmo de uma mula. O único ornamento da praça era uma fonte que seria melhor que não existisse, pois ali se encontravam sempre mulheres lavando e secando roupa.


Nada merecia atenção na aparência das igrejas, tanto no exterior, como no interior. A igreja e o Mosteiro de São Bento e a da Candelaria tinham apenas à distância uma aparência imponente.


As casas eram construídas a modo europeu, mas pequenas e insignificantes. A maior parte tinha apenas um andar térreo. Não  se viam terraços e varandas adornadas elegantemente como em outros países de clima quente. Pequenos e feios balcões pendiam das paredes, entreliças fechavam as janelas, impedindo que raios de sol penetrassem nas casas, onde reinava sempre escuridão. Isto, porém, seria indiferente às mulheres brasileiras, que nada faziam, nunca se desgastando com leituras e trabalhos.


Assim, para Ida Pfeiffer, a cidade não só pouco oferecia de atraente a estrangeiros nas suas praças, ruas e edifícios, como tambem chocava o europeu devido à feiúra de seus habitantes. Eram quase que só negros, andavam semi-nús, com miseráveis trapos ou com roupas
européias surradas. Entre quatro ou cinco pretos podia-se ver um mulato, e só aqui e ali aparecia um branco.


O horrível quadro tornava-se mais revoltante devido às enfermidades que podiam ser vistas por todo lado: pessoas cegas, com elefantíase ou outras doenças que causavam deformidades. Grande número de cães e gatos corriam por todo lado, na sua maioria com sarna e outros males.


A feiúra e a sujeira no Rio de Janeiro comparadas com Istambul, Nápoles e Messina


O efeito que a paisagem do Rio dava àquele que chegava era destruído quando este penetrasse na cidade.


Ela gostaria de transportar para o Rio algum viajante que se indignasse com a situação de sujeira em Constantinopla. Era verdade que Constantinopla era extremamente suja na multidão de suas pequenas casas e de ruas estreitas, cheias de cães, mas a cidade possuia alguns edifícios magníficos do passado, mesquitas e palácios, podendo-se percorrer cemitérios e bosques de ciprestes. Podia-se ver aqui e ali um pasha, uma autoridade religiosa, assim como turcos em esplêndidos costumes. No Rio de Janeiro, porém, não havia nada que pudesse agradar ou atenuar as horríveis e desagradáveis cenas que podiam ser vistas por toda parte.


Somente após ter ali estado várias semanas é que a viajante pôde se acostumar com a aparência do povo do Rio. Só então então esteve em condições de descobrir algumas figuras bonitas entre as jovens negras e entre as escuras mulheres brasileiras e portuguesas; os homens eram para Ida Pfeiffer ainda menos do que as mulheres favorecidos em questão de beleza.


O lixo nas ruas só não podia ser comparado com o de Nápoles ou Messina. Grande parte do barulho nas ruas era devido aos carregadores, especialmente
daqueles que levavam sacos de café aos navios. Ao caminhar, entoavam uma espécie de canto monótono, que soava a Ida Pfeiffer muito desagradável, segundo o qual marcavam o passo. Essa prática tinha a vantagem de advertir os passantes, fazendo com que abrissem caminho.


Todo tipo de trabalho sujo ou pesado, em casa ou fora, era feito por negros que, no Brasil, tomavam o lugar dos trabalhadores de classes mais baixas da Europa. Muitos, porém, aprendiam atividades, e não raro portavam-se como os mais finos europeus. A viajante vira pretos nas mais elegantes lojas, na confecção de trajes e sapatos de moda, artigos de ouro ou prata, e também jovens negras bem vestidas, trabalhando nas mais finas costuras femininas e na arte da renda.


Entre as classes educadas, havia muitas pessoas que, apesar de provas de proficiência e de inteligência que demonstravam os africanos, persistiam em afirmar que eram inferiores aos brancos em capacidade mental, e que apenas podiam ser vistos como elo de ligação entre macacos e o homem.


A viajante aceitava em ver que eram algo inferior aos brancos em cultura intelectual, mas acreditava que isso não era devido a uma deficiência de compreensão, mas ao descuido pela sua educação. Para os africanos e seus descendentes não existiam escolas nem outra forma de instrução, devendo desenvolver as suas capacidades por si.


Como nos velhos países despóticos, as suas mentes eram mantidas no Brasil propositalmente acorrentadas; uma vez que despertassem da sua presente condição, atemorizantes seriam as consequências para os brancos. Eram quatro vezes mais numerosos do que estes e quando se tornassem conscientes de sua superioridade, então haveria uma reviravolta, e os brancos passariam a ocupar a posição dos negros.


Embora fosse muito grande o número de escravos no Brasil, não havia uma espécie de mercado. A importação era proibida, mas milhares eram contrabandeados todos os anos e distribuidos de forma encoberta, mas que todos conheciam e assim procediam.


Era verdade que navios ingleses cruzavam constantemente as costas do Brasil e da África, mas se um navio negreiro caisse nas suas mãos, o destino dos escravos não seria melhor do que se atingissem o Brasil. Eram transportados para as colonias inglesas, onde após dez anos, ganhavam a liberdade. Nesse período de tempo, porém, os seus donos permitiam que morressem em grande número.


Segundo Ida Pfeiffer, os escravos eram, ao contrário razoavelmente bem tratados no Brasil. Não eram sobrecarregados de trabalho, a sua alimentação era boa e nutritiva, e os punimentos não eram frequentes e demasiadamente pesados. Só a fuga era crime tratado com rigor. Além de punição por açoites, recebiam correntes no pescoço e nos pés, e que usavam por um consideravel períódo. Outra forma de punição consistia no uso de uma máscara de metal para aqueles que bebiam demais ou comiam terra. Durante a sua longa estadia no Brasil, a viajante vira só um negro trazendo essa máscara. Duvidava, porém, que esses escravos fossem mais mal tratados do que camponeses na Rússia, Polonia ou Egito, embora não sendo chamados de escravos. Quando um escravo havia feito algo pelo qual esperava punição, corria para um amigo do seu dono, do qual obtinha uma nota pedindo desculpa. O autor dessa nota era chamado de compadre e seria ato de falta de polidez negar esse compadrio. A própria Ida Pfeiffer, por intervenir a favor de um escravo, tornou-se comadre.


O Rio era toleravelmente bem iluminado. Essa iluminação tinha sido introduzida devido ao grande número de negros. Nenhum escravo podia estar nas ruas após as 9 da noite sem ter uma permissão do seu patrão de que estava a seu serviço. Se um escravo fosse pego sem a permissão, era levado imediatamente à casa de correção, onde o seu cabelo era raspado e onde era obrigado a ficar até que se patrão pagasse uma taxa. As ruas, assim, eram seguras durante a noite.


Um dos problemas do Rio era a falta de escoadouros. Com chuva pesada, as ruas transformavam-se em rios, sendo impossível atravessá-as a pé, devendo o passante ser carregado por negros. Nesses casos, não havia intercursos sociais, as ruas eram desertas, os encontros adiados. Era muito raro alugar-se um veículo, pois o aluguel de uma carruagem era o mesmo tanto para uma pequena corrida como para todo um dia.


Impressões decepcionantes de instituições culturais, com exceção do Teatro Lírico


Na Academia de Belas Artes, Ida Pfeiffer encontrou algumas figuras e bustos, planos arquitetônicos e desenhos, assim como uma coleção de pinturas a óleo muito antigas. Manifestando-se de forma ferinamente crítica, parecia-lhe que alguma coleção particular tinha sido limpa de todos os seus trastes e estes ali colocados. A maior parte das pinturas a óleo estavam em tal estado que dificilmente se podia reconhecer o que representavam.


Um contraste representavam as cópias produzidas por estudantes. Se as cores das velhas pinturas eram fracas, as modernas eram excessivamente vivas: o vermelho, o amarelo, o verde e outras cores eram usados com toda a força. Os brasileiros não cuidavam de nuances nas tonalidades. Não se sabia se os estudantes estavam procurando uma nova escola de colorido ou se desejavam vingar-se nas suas cópias da ação do tempo nos originais.


A música, em especial o canto e o piano, encontrava-se em estado quase que mais baixo do que a pintura. Em todas as famílias as jovens tocavam e cantavam; não tinham, porém, a mais leve idéía de compasso, estilo ou tempo, de modo que mesmo as mais fáceis e acessíveis melodias tornavam-se muitas vezes irreconhecíveis. A música sacra era pouco melhor, embora as execuções da Capela Imperial pudessem ser aperfeiçoadas. As bandas militares eram certamente o melhor que o Brasil oferecia em música; eram em geral compostas de negros e mulatos.


No seu exterior, a casa de ópera nada prometia de belo e admirável; no seu interior, porém, o visitante se surpreendia em encontrar uma sala ampla e magnífica, com um grande palco. Podia comportar mais do que 2000 pessoas. Havia quatro lances de camarotes espaçosos e as balustradas apresentavam delicadas ornamentações em ferro. Ida Pfeiffer presenciou uma apresentação da Lucrezia Borgia por uma companhia italiana que pareceu-lhe toleravelmente boa.


Se foi agradavelmente surpresa com a visita ao teatro, a visitante experimentou uma sensação oposta ao ir ao Museu. Em país tão rico e luxurioso por natureza, esperava encontrar um museu também rico e magnífico. Viu uma série de muito belas salas que algum dia conteriam objetos, mas que se encontravam vazias. As salas do museu estavam em reforma, e procedia-se a uma nova classificação dos diferentes objetos. Em consequência, o edifício não estava aberto ao público, e foi por deferência do diretor que teve oportunidade de visitá-lo. A coleção de pássaros era realmente boa;  mais deficiente era a de minerais, e a mais pobre a de quadrúpedes e de insetos. O que mais chamava a atenção eram as cabeças de quatro selvagens em excelente estado de conservação, uma de um malaio, duas de tribos na Nova Zelândia, estas totalmente cobertas com tatuagens de desenhos belos e elegantes.


Ida Pfeiffer visitou também o atelier do escultor Friedrich August Ferdinand Pettrich (1798-1872), natural de Dresden, que viera para realizar uma estátua em mármore do imperador.


Solenidades e festas presenciadas no Rio de Janeiro


Ida Pfeiffer teve a oportunidade de presenciar várias solenidades no Rio. Descreve, em primeiro lugar, a festa do dia 21 de Setembro na igreja de Santa Cruz. Cedo pela manhã ja se encontravam centenas de soldados diante da igreja, com uma excelente banda, que tocava uma série de belas peças. Entre as 10 e as 11, oficiais militares e civis começaram a chegar, primeiramente os de menor escalão. Na sua entrada na igreja, eram-lhe dados mantos vermelho-prateados que cobriam o uniformes. Sempre que uma personalidade de maior grau hierarquico surgia, todos levantavam-se das cadeiras, dirigiam-se ao que chegava na porta da igreja e o acompanhavam respeitosamente a seu lugar.

O imperador e a sua esposa chegaram por fim. O soberano era extremamente jovem, mas alto e corpulento; as suas feições eram as da família Habsburg-Lotríngia. A imperatriz, princesa napolitana, era pequana e magra, formando um estranho contraste com a figura do seu marido.

A missa solene, assistida com grande respeito por todos, começou imediatamente após a entrada da Corte. Após o seu término, o par imperial dirigiu-se à carruagem, apresentando as mãos para o beijamento. Esse preito era dado não apenas a oficiais, mas a qualquer um que conseguisse chegar próximo ao casal imperial.

Um ainda mais brilhante ato festivo ocorreu no dia 19 de outubro, festejado com missa solene na Capela Imperial. Além da família imperial, todos os oficiais mais graduados estiveram presentes à missa em uniforme completo, sem os mantos prateados. Eram ladeados por uma fila de lanceiros.

Era impossivel dar uma idéia da riqueza e profusão dos enfeites de ouro dos uniformes e das ordens. Ida Pfeiffer acreditava que dificilmente poder-se-ia ver tal magnificência de uniformes em qualquer Corte européia. Os embaixadores e aqueles admitidos à Corte reuniam-se no palácio para o beija-mão, sendo que os embaixadores, porém, apenas faziam um gesto de deferência. A cerimônia podia ser vista da rua, através das janelas abertas. Nessas ocasiões, contínuas salvas eram feitas dos navios imperiais e por vezes de outros no porto.

No dia 2 de novembro, Ida Pfeiffer presenciou uma outra solenidade religiosa pelo dia dos finados. Havia o costume de nem todos serem enterrados no cemiterio, mas - com pagamento extra -, na própria igreja. Para esse fim, nas igrejas possuiam câmaras com catacumbas nas paredes. Os ossos, após algum tempo, eram limpos e postos numa urna que era conservada nos corredores da igreja, ou por vezes levada para casa. No dia das almas, as paredes das câmaras eram cobertas com cortinas negras,com laços dourados e outros ornamentos, as urnas ricamente decoradas com flores, tudo iluminado com candelabos de prata. Da manhã à noite, mulheres e jovens iam rezar fervorosamente pelas almas dos falecidos, e os jovens, mais curiosos do que os europeus, iam ver as jovens rezar. Estas trajavam preto e tinham a cabeça e a face cobertas de véu negro.

A festa mais brilhante presenciada foi a do batismo da princesa imperial no dia 15 de Novembro na Capela Imperial. Pelas três horas da tarde, tropas reuniram-se no paço do palácio, guardas foram distribuídos nos corredores e na igreja, enquanto que bandas tocavam uma série de alegres peças, repetindo frequentemente o hino escrito por Pedro I. Às 4 horas, a procissão deixou o palácio. Primeiramente, vinha a banda, com músicos trajando uniforme vermelho, seguida por três paladinos em velho costume espanhol, decorados com penas e camisas negras. A seguir vinham os oficiais da justiça e autoridades, camaristas, médicos da corte, senadores, deputados, generais e autoridades eclesiais, conselheiros e secretários. Por fim, caminhava o responsavel pela jovem princesa sob um baldaquim de veludo branco e bordos dourados. Imediatamente atrás dele vinha o imperador e a pequena princesa, cercada pelos nobres e damas da Corte. Passando sob o arco triunfal da galeria, o imperador tomou a sua pequena filha nos seus braços e apresentou-a ao povo.

A imperatriz e suas damas alcançaram a igreja pelos corredores internos. No momento em que a princesa foi batizada, o evento foi marcado por salvas da artilharia e por foguetes. Ao término da cerimônia, que durou uma hora, a procissão retornou, permanecendo a capela aberta ao povo. Ida Pfeiffer surpreendeu-se com a magnificência e o gosto da decoração da igreja, ornamentada com cortinas de prata e ouro, e com ricos tapetes. Em mesas no centro da nava, estavam dispostos objetos do tesouro da igreja, vasos em ouro e prata, grandes pratos, ornamentos e vasos de cristal com flores,e  candelabros.

À noite, na cidade, os edifícios públicos foram iluminados. Os proprietáríos de casas foram solicitados de iluminá-las ou colocar lanternas, o que permanecia por seis ou outro dias. Os prédios públicos eram cobertos de baixo at o alto com luminárias, como um mar de fogo.

As festas mais originais pelo batismo da princesa foram aquelas nos quartéis, as únicas não vinculadas a solenidades religiosas. Os atores eram os próprios soldados, sendo que os mais hábeis e garbosos tinham sido selecionados para apresentarem evoluções e danças.

A mais brilhante dessas festas teve lugar no quartel da Rua Barbone. Às 8 horas, a banda começou a tocar, e a representação teve início. Os soldados apresentaram-se vestidos em diferentes costumes, como montanheses, poloneses, espanhóis, etc. e não havia falta de dançarinos, estes também soldados. Ida Pfeiffer tinha esperado algum exagero ou espetáculo menos elegante; surpreendeu-se porém com a correção as danças e evoluções.

A última festa que presenciou foi a de 2 de Dezembro, data do aniversário do Imperador. Após a missa solene, os dignatários foram esperados pelo imperador para as congratulações e para o beija-mão. O casal imperial tomou lugar à janela do palácio, enquanto as tropas desfilavam com as suas bandas tocando agradaveis melodias.

Relativando a beleza da natureza e as qualidades do clima do Brasil - clima e insetos

As descrições das festas e das cerimônias da Côrte surgem no relato de Ida Pfeiffer mais positivas do que aquelas da própria cidade, o que talvez se explique pelos elos de ascendência de Dom Pedro II com os Habsburgs. O fundamental tom negativo da sua descrição do Brasil retorna ao considerar  a natureza e as condições climáticas do país, procurando também aqui relativar a propaganda emigratória na Europa.

Ela tinha lido e ouvido na Europa a respeito da magnificência e luxúria vegetal do Brasil, do céu sempre claro e sorridente, da graça extraordinária de uma contínua primavera. Embora fosse verdade que a vegetação fosse talvez mais rica, pujante e vigorosa do que em qualquer outra parte do mundo, e que todo aquele que desejasse ver a força da natureza deveria visitar o Brasil, não se deveria supor que tudo era bom e belo, e nada suplantaria o efeito mágico da primeira impressão.

A continua primavera perdia aos poucos a sua graça. Um breve inverno seria preferivel para o redespertar da natureza, o ressuscitar das plantas, a alegria do retorno do perfume da primavera.

Considerando o clima do Brasil, Ida Pfeiffer contraria a opinião daqueles que apenas o louvavam  De setembro a dezembro, poucos tinham sido os dias que não tinham sido nublados. Além do mais, os brasileiros não sabiam preciar uma bela e longa noite; todos corriam para casa assim que o sol se punha.

Mosquitos, baratas e pulgas eram outras causas de atribulações e desagrados.

Pouca variedade e qualidade de alimentos

Quanto aos produtos naturais, os mais necessários artigos faltavam. Havia, de fato, açúcar e café, mas não cereais, batatas e grande variedades de frutas. A farinha de mandioca substituia a falta de pão e batatas-doce não podiam ser comparadas com batatas européías. Também as frutas eram de má qualidade, as únicas verdadeiramente excelentes eram as laranjas, bananas e mangas. O celebrado ananás não era nem perfumado, nem doce. Ela tinha saboreado ananases melhores crescidos em estufas na Europa. O leite era por demais aguado, a carne por demais sêca.

Brasileiros: „europeus traduzidos em americanos“  e seus problemas de caráter

Fazendo comparação entre o Brasil e a Europa quanto à impressão do todo e as vantagens e desvantagens, no primeiro caso o Brasil ganhava, no segundo, a Europa. O Brasil era talvez o país mais interessante do mundo para viajantes, mas não para residência permanente. Os atuais possuidores do pais eram descendentes de portugueses, sendo que os brasileiros poderiam ser designados como „europeus traduzidos em americanos“, Era natural que nessa „tradução“ muitas peculiaridades se perdessem e outras se intensificassem.

O maior pêso no caráter do europeu-americano era o desejo de ouro, o que tornava-se até mesmo paixão. Transformava o branco rico em heróí pelo fato da sua coragem de viver só como fazendeiro, possuidor talvez de centenas de escravos, porém sem qualquer assistência, correndo o risco de perecer em alguma revolta.

Também a mulher tinha tais caracteristicas. O marido a presenteava com um ou mais escravos, sobre os quais podia dispor como bem quisesse. Ela geralmente os ensinava a cozinhar, coser, fazer rendas ou algum artesanato, deixando-os depois abandonados por dias, semanas ou meses, ou os empregando na manufatura de objetos, na preparação de doces que depois os mandava vender. O dinheiro pertencia a ela, sendo gasto em geral em vestidos e divertimentos.

Considerando a moralidade, Ida Pfeiffer menciona o problema da entrega da educação infantil a criados e a influência da religião. O Brasil era católico, não havendo país que se pudesse com êle comparar nesse sentido, salvo a Espanha e Portugal. Não havia dia sem alguma procissão, culto ou festividade. Elas só serviam porém para divertimento, faltando-lhes verdadeiro sentimento religioso. A demoralização e a influência da religião eram para Ida Pfeiffer as causas da frequente ocorrência de crimes, em geral movidos por vingança ou ódio.

No Brasil, só o dinheiro contava, e o rico não precisava ter receios de ser levado à justiça.


Ida Pfeiffer no Madagáscar - 1856



Os relatos de viagens de Ida Pfeiffer surgem para estudos de paralelos e cotejos em dimensões globais como particularmente relevantes, uma vez que visitou diferentes países e vivenciou processos relacionados com imigração, colonização e ao colonialismo em diferentes contextos.


Se a sua estadia no Brasil foi marcada pelos problemas da imigração e a colonização de língua alemã, no Madagáscar participou de decisivos momentos no jogo de influências européias na Corte de Antananarive e que preparariam o caminho para a instauração do regime colonial francês após algumas décadas.


Uma análise dos relatos concernentes ao Brasil e ao Madagáscar de Ida Pfeiffer possibilita, assim considerar relações entre a imigração e a colonização e o Colonialismo.


Dez anos após a sua visita ao Brasil, Ida Pfeiffer realizou a sua viagem ao Madagáscar, que representou a mais audaciosa, o ponto culminante de sua vida de viajante e o encerramento das suas aventuras e observações.


Há muito que Ida Pfeiffer planejava realizar uma viagem á ilha de Madagáscar, sobre a qual então pouco se conhecia na Europa. Madagáscar era, em meados do século XIX, uma das regiões do globo que surgia como das mais ignoradas, misteriosas e ariscas à penetração do europeu.


A preparação dessa viagem exigiu de Ida Pfeiffer cuidados especiais, sendo por muitos lados desaconselhada em realizá-la. Sabia-se que o Madagáscar passava por uma fase marcada por conflitos e pela política repressiva quanto a comerciantes e missionários europeus.


Ida Pfeiffer dirigia-se ao país justamente nessa época de animosidade perante europeus por parte da soberana reinante, acompanhada por expulsões e por conflitos internos com círculos próximos a missionários e comerciantes europeus e que viam os seus interesses atingidos pela política de isolamento da rainha.


Entre os cientistas procurados por ida Pfeiffer na preparação de sua viagem destacou-se Alexander von Humboldt (1769-1859), que também procurou dissuadi-la de seus planos devido aos riscos por que passaria.


Os seus intentos tornaram-se conhecidos em círculos de viajantes e comerciantes das capitais européias, em particular de Paris, uma vez que na França se concentravam interesses políticos, econômicos e coloniais daqueles que tinham perdido campos de ação no Madagáscar sob a influência inglesa e, a seguir, sob a ação anti-ocidentalizante da soberana malgache.


O campo de tensões entre o poder britânico e o francês na esfera colonial do Índico era já de longa data e manifestava-se sobretudo na presença britânica que substituira a francesa em Maurício como consequência da derrota napoleônica, apesar de ser a sua população francofone-creola e ali residirem importantes famílias e negociantes de formação cultural francesa. Essas tensões derivadas de interesses conflitantes da França e da Grã-Bretanha relacionavam-se também com o comércio de escravos, uma vez que a política britânica anti-escravagista afetava interesses de comerciantes.


Na procura de possibilidades para atingir os seus objetivos, Ida Pfeiffer dirigiu-se primeiramente à África do Sul em navio que para ali seguia com emigrantes. Ali, foi contatada por Joseph-François Lambert, um negociante francês residente em Maurício, que tomara conhecimento dos seus intentos em Paris e que se dispôs em conseguir visto e possibilidades para a entrada no Madagáscar, salientando os seus estreitos contatos com a família real malgache.


Apesar de ser advertida por autoridades consulares inglesas, que salientaram a questionável reputação desse empreendedor, Ida Pfeiffer utilizou-se de seus serviços, o que lhe possibilitou de fato conhecer o Madagáscar, mas colocou-a por fim em situação de perigo de vida.


Ida Pfeiffer e J.-F.  Lambert (1824-1873)- França, Maurício e Madagáscar


O que o conde de Berchtold fora para Ida Pfeiffer no Brasil - acompanhante que abriu caminhos e possibilitou contatos, influenciando visões da viajante - o foi, no Madagáscar, Joseph-François Lambert.


Não poderia, porém, haver maior diferença entre do que aquela entre o nobre médico e cientista, o professor preocupado pela sorte de desprivilegiados e o aventureiro e homem de negócios francês. Casado com uma rica viúva em Maurício, Lambert aumentara a sua fortuna com atividades no comércio de escravos que, à época, passava a ressentir-se sob o crescente poder britânico no Índico.


Politicamente, a sua atuação foi ambígua e mesmo marcada por traição. Por atos favoraveis ao regima de Ranavalona I, em 1854, foi recebido na Corte, onde estabeleceu contatos com Jean Laborde, envolvido em indústria de armas para as tropas dos Merina, empenhados em lutas para garantir a sua predominância no país.


Apesar de ser bem visto pela rainha, Lambert estabeleceu elos mais estreitos de amizade com o seu filho, de idéias políticas mais progressistas e de abertura à influência e comércio com os europeus.


O contrato que traz o seu nome feito com o príncipe, em 1855, garantindo-lhe o direito de exploração do país em troca de uma porcentagem à dinastia, e um pedido a Napoleão II de proteção francesa ao Madagáscar, forneceram justificativas para a guerra franco-malgache e a instituição do regime colonial francês no Madagáscar.


Lambert dirigiu-se a Londres e a Paris solicitando apoio para um golpe de estado que substituisse a rainha pelo seu filho. Para isso, retornou em 1857 ao Madagáscar, quando, então, encontrou Ida Pfeiffer. Esta, aceitando a sua ajuda, presenciou e tornou-se cúmplice da tentativa de golpe de Estado destinada à deposição da rainha. Descobertos os planos, os estrangeiros foram expulsos em 1857 do país, inclusive Ida Pfeiffer. Tendo adoecido na sua fuga de Antananarivo ao porto, passou um tempo de recuperação em Maurício, retornando à Europa, vindo a falecer em Viena em 1858. O relato de sua viagem (Reise nach Madagaskar, Viena 1861), foi preparado a partir das suas notas pelo seu filho Oskar Pfeiffer no Rio de Janeiro, onde então residia e atuava. (Veja)


Contatos com representantes consulares da Áustria em Maurício


Tanto no Brasil como no Índico, Ida Pfeiffer contou com o apoio de autoridades consulares e de austríacos a elas próximos, sendo recebida e mesmo passando dias em suas residências. No Rio de Janeiro, foi a familia Geiger, no Índico os representantes da Áustria em Maurício. As preocupações consulares, porém, eram diferentes nos dois contextos: no Brasil, era o da vinda de emigrantes e colonos despreparados, com falsas expectativas e mesmo ludibriados; no Índico, tratava-se antes de interesses colonialistas no jôgo de poder entre a França e a Inglaterra.


A austríaca partiu de Port Louis a Tamatave, em riscante viagem de canoa. Desse porto malgache, em companhia do negociante, que levava presentes às autoridades malgaches e que foi por todo lado recebido com grandes manifestações de apreço, Ida Pfeiffer atingiu a capital do país.


Cultura de salão em Mauricio e no Madagáscar


Assim como no Brasil, também no Madagáscar o relato de Ida Pfeiffer adquirem evidente interesse para os estudos culturais pelas descrições de cerimônias, festas e expressões de música e dança que presenciou. O seu interesse mais profundo, porém, revela-se, assim como no relato referente ao Brasil, se as suas referências forem consideradas no contexto político-cultural interno e internacional em que se inserem.


Em ambos os contextos, os relatos de Ida Pfeiffer documentam práticas culturas e  formas de expressão resultantes da recepção européia e momentos de complexos processos de interações inter-e transculturais.


O interesse pela música militar que o seu relato sobre o Brasil deixa perceber, chegando a ver na música de banda o melhor que o país podia oferecer, merecendo também os uniformes e os portes de soldados os seus positivos comentários, encontrou paralelos no Madagáscar. Após a vinda de um mestre europeu a pedido da rainha para a organização da música militar segundo moldes ocidentais no país e a formação de instrumentistas, o Madagáscar vivenciava em meados do século, como no Brasil, um entusiasmo pela música de banda.


No relato de uma manobra militar que presenciou, Ida Pfeiffer menciona que, após a revista das tropas, o corpo de oficiais passou diante da casa onde habitava para saudar Joseph-François Lambert, precedido por banda de música, um sinal da alta consideração que gozava essa ambivalente personalidade em círculos militares da ilha. A viajante registra que os oficiais usavam uniformes europeus, como já tinha observado em Tamatavé, sendo a hierarquia militar calcada naquela da Europa, o conjunto, porém surgia como cômico e mesmo ridículo aos olhos do europeu. Esse interesse por uniformes e distinções hierárquicas - como também observado no Brasil - manifestava-se também na profusão de títulos de nobreza, barões, condes e príncipes, cheganda Ida Pfeiffer a comparar esse número de nobres  com aquele das cortes da Alemanha.


Significativas referências relativas à dança e música encontram-se em relato sde um sarau em homenagem a Lambert e a apresentações na Côrte. Descrevendo o desenrolar das apresentações, menciona danças, exercícios ginásticos e música. Uma das ilustrações de seu relato testemunha acultura de salão no Madagáscar.


O príncipe, que se distinguia de sua mãe por sua orientação progressista, liberal, pró-européía e de tolerância a cristãos e missionários, possuia uma orquestra que foi elogiada pela viajante austríaca pela qualidade de execução de algumas peças.


Menos prazer deu-lhe o canto de um coro feminino preparado por um missionário estabelecido junto a Laborde, o francês que atuava no fornecimento de armas ao exército. As moças sabiam de cór uma grande quantidade de cantos e não gritavam de forma tão desagradável para Ida Pfeiffer como as mulheres que até então tinha presenciado no país. Já essa contenção quanto a volume e à colocação de voz registrada indica a formação educativa do missionário francês. O resultado dessa disciplinação era porém monótono e sem interesse, ficando a viajante feliz quando as moças terminaram com a sua apresentação. Já a inclusão de um coro de moças cristãs preparado por um missionário após a orquestra ocidental do príncipe indica as dimensões político-culturais da apresentação em época de repressão ao Cristianismo.


O significado político do momento em que ocorreram essas apresentações é salientado por Ida Pfeiffer ao referir-se à alegria reinante no jantar que a elas se seguiu, tanto por parte de Lambert como do príncipe, assim como uma conversa política entre êles e Laborde. Nesse entusiasmo, um grupo de cantoras, diferentemente do coro das meninas da missão, apresentou-se ao modo da terra, „gritando“ muito mais forte do que à abertura do jantar, acompanhando-se com palmeado.


A „dança malgache“ no relato de Ida Pfeiffer


Particular interesse é a menção de Ida Pfeiffer da „dança malgache“ executada por mulheres e acompanhada pelo marovane, o que indica já à época uma expressão cultural considerada como característica e identificada com o Madagáscar.


Para Ida Pfeiffer, essa dança era aborrecida, mas o marovane seria o único instrumento que manifestava o espírito inventivo dos malgaches. A descrição que a austríaca oferece do instrumento corresponde porém antes à do valiha, uma vez que se refere a um bambú grosso com braço mais longo do que um metro, com cordas apoiadas em pequenas peças de madeira. Para Ida Pfeiffer, o instrumento soava como uma velha guitarra européia de menor qualidade. (Veja)


Por fim, os convivas, europeus e malgaches, começaram a dançar e o próprio Lambert interpretou algumas belas canções.


Essa descrição do jantar com música e dança de Ida Pfeiffer adquire significado histórico-político, pois forneceu pelo que tudo indica o quadro festivo para as conversações entre os europeus e o príncipe concernentes ao golpe que preparavam.


Descrição de baile de costumes na Corte malgache


Outra descrição particularmente significativa para os estudos culturais diz respeito a um grande baile de costumes realizado na Corte em homenagem a Lambert.


O baile teve início a uma hora da tarde e realizou-se no grande pátio do palácio. A rainha encontrava-se sentada no balcão à sombra de seu grande parasol e os estrangeiros tiveram que fazer as saudações de uso ao túmulo do rei Radama. A sociedade, composta de nobres de ambos os sexos, de oficiais e suas mulheres, assim como de cantoras e dançarinas reais, ofereceu a Ida Pfeiffer a oportunidade de observar os diferentes trajes de civís e militares. Os nobres traziam diferentes costumes, os oficiais uniformes europeus.


Os assistentes e os participantes se agrupavam por terras. As dansarinas reais abriram o baile com a referida dansa malgache; traziam xales brancos, longos, que as envolviam, e, à cabeça, flores artificiais arranjadas com tecidos. Todas as vezes que passavam sob o balcão ou na proximidade dos túmulos, repetiam as reverências.


A seguir, os oficiais executaram uma dança que parecia ser a mesma, apenas em tempo mais lento e com movimentos mais vivos, levantando um pouco mais os pés. Aqueles que tinham chapéus ou bonés os agitavam àas vezes no ar e soltavam gritos de alegria.


Aos oficiais sucederam seis pares de crianças, em trajes. Os meninos estavam vestidos no antigo costume espanhol ou de pagens; as meninas usavam costumes franceses de moda antiga com e tinham a cabeça ornamentada com penas, flores e de turbantes. Essas crianças e jovens apresentaram danças européias - polonesas, escocesas e contra-danças, o que pareceu bem ensaiado para a observadora austríaca. Deram lugar a seguir a uma socidade mais numerosa, na qual também os homens usavam o antigo costume espanhol e as mulheres o antigo costume francês.


Os diferentes costumes eram projetados pela própria rainha, que para tal se inspirava em gravuras e quadros europeus. A partir das diretrizes reais, as senhoras que participavam variavam os trajes segundo o gosto e o espírito inventivo, com grande originalidade na combinação de cores.


Altamente significativo é o registro de Ida Pfeiffer a respeito da execução da sega nesse baile de costumes, onde os participantes usavam roupas históricas européias. Ainda que se afirmasse que a dança seria indígena, Ida Pfeiffer nela reconheceu a recepção de tradições mouriscas como cultivadas na Espanha e ali também - como as Seguidillas - consideradas como expressões locais e regionais. (Veja)


„La société des danseurs, appartenant généralement à la haute aristocratie, exécuta, après différentes danses européennes, la Sega, que les habitants de Madagáscar veulent faire passer pour une danse indigène, mais qui vient des Maures et dont les figures, les pas et la musique sont si jolis qu‘elle n‘aurait besoin que d‘être connue en Europe pour y être bientôt à la mode.“ (op.cit.,193)


Veja discussão a respeito artigo nesta edição (Veja)



De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).„Ida Pfeiffer (1797-1858) no Brasil e no Madagáscar sob o signo dos problemas da Imigração/Colonização e do Colonialismo.Costumes, dança e música como indicadores de processos transculturais“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 154/11 (2015:02).http://revista.brasil-europa.eu/154/Ida_Pfeiffer_Brasil_Madagascar.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V.
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Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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