Madagáscar no Rio 1858: Oscar Pfeiffer
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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154/12 (2015:2)




Madagáscar no Rio: o relato de viagem de Ida Pfeiffer (1797-1858)
elaborado por Oscar Pfeiffer (1858)


História da música na esfera luso e brasileira em relações globais 2014 e 2015

pelos 30 anos de fundação e de reconhecimento de utilidade pública na Alemanha do I.S.M.P.S. e.V. Sessões na Caríntia/Áustria

Programa internacional de Imigração, Estudos Coloniais e Colonialismo
pelos 450 anos do Rio de Janeiro 2015, Áustria (2014)

 
Carintia. Foto A.A.Bispo 2014. Copyright

Em ciclos de estudos euro-brasileiros realizados na Áustria, em 2014, ano da passagem dos cem anos da eclosão da Primeira Guerra Mundial - em particular em diálogos com historiadores da Sociedade de Estudos Históricos da Caríntia -, discutiu-se a necessidade de considerar-se nos estudos históricos de processos culturais em relações internacionais a antiga configuração política da Europa, aquela que sossobrou com a Primeira Guerra.


Considerar desenvolvimentos do século XIX a partir de configurações nacionais posteriores - no caso da Áustria e dos países originados da desintegração do antigo Império dos Habsburgs nas suas atuais fronteiras - significara projetar anacrônicamente situações posteriores a anteriores, dificultando e mesmo impedindo a análise de decorrências temporais e processualidades.


Esse cuidado vale em especial para os estudos histórico-musicais nas suas dimensões internacionais, uma vez que Viena foi um dos principais centros musicais da Europa, com ressonâncias em todo o globo. Os músicos da antiga Áustria que correram o mundo não devem ser apenas considerados nas suas inserções em processos político-culturais internacionais, mas sim também como agentes desses desenvolvimentos e assim importantes fatores em processos que determinaram a vida musical em diferentes contextos.


Tentar inserir-se empaticamente no mundo submerso do período anterior à Guerra é uma exigência também para os estudos relacionados com o Rio de Janeiro nos seus 450 anos, pois foi em congressos internacionais realizados em Viena naqueles anos que se apresentou a antiga capital do Brasil na resplandescência de sua então recente metamorfose - imagem que a marcou até o presente (Veja).


Como relatado na edição anterior desta revista, foi em 1909, nos últimos e mais brilhantes anos da antiga Europa que, por motivo da celebração do Centenário de Joseph Haydn (1732-1809), pela primeira vez foi tratada a música do Brasil em assembléia internacional de musicólogos, músicos e personalidades da política, ciência e cultura reunidos em congresso internacional em Viena. (Veja)


Conferência pelos 30 anos da Semana e Forum Áustria/Alemanha e do I.S.M.P.S.


Sob o pano de fundo desses estudos, salientou-se, na assembléia geral do I.S.M.P.S. de 2014, que essas reflexões deviam marcar os trabalhos que, em 2015, comemoram os 30 anos de fundação do Instituto Musical de Estudos da Esfera do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS e.V.).


Academia Brasil-Europa 2014. Copyright
Pela tradição em que se insere, o I.S.M.P.S. relaciona-se estreitamente com desenvolvimentos que remontam ao antigo império áustro-hungaro, em particular à dinâmica transformatória de uma de suas principais instituições - o Mozarteum de Salzburg - nas décadas críticas do fim da antiga e do início da nova ordem européia. (Veja)


Compreensivelmente, vultos musicais que estabeleceram elos entre a antiga Áustria, em
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particular aquela do império marcado pelo Congresso de Viena, Portugal e o Brasil vêm recebendo particular atenção nos trabalhos do I.S.M.P.S. e da A.B.E..


O I.S.M.P.S., fundado em ano declarado como „Ano Europeu da Música“ pelas Comunidades Européias,
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representou o coroamento de uma Semana de Música e Forum de Musicologia e Educação Musical inter-e transcultural dedicados à Áustria realizado na Alemanha.


M. Ivo Cruz. Academia Brasil-Europa. Copyright
Ponto alto desse evento foi significativamente a primeira execução da Missa S. Francisci de Sigismund von Neukomm (1778-1858), escrita no Rio de Janeiro a pedido da Arquiduquesa Leopoldina (1797-1826) e dedicada a seu pai, o imperador Francisco I da Áustria (1768-1835). (Bispo, A.A.."Die Missa Solemnis sub titulo Sancti Francisci von Sigismund Ritter von Neukomm (1820)". Leichlinger Musikforum 3 (1984), 21-78)


Como no caso dos cientistas que acompanharam a futura primeira Imperatriz do Brasil (Veja), também Sigismund von Neukomm exige ser considerado nas suas inserções político-culturais amplas que devem ser analisadas sob perspectivas adequadas das relações internacionais do antigo império dos Habsburgs. Ainda mais: também êle deve ser analisado como exemplo, agente e fator de processos culturais em contextos globais das relações internas da Europa e da Europa com o mundo extra-europeu.


Nesse sentido, compreende-se ter sido o compositor austríaco objeto de estudos de seminário dedicado ao tema Sigismund Neukomm - Músico Europeu, levado a efeito no instituto de musicologia da Universidade de Bonn em cooperação com o I.S.M.P.S., em 2002, ano de encerramento dos eventos euro-brasileiros pelos 500 anos do Brasil.


A consideração do papel desempenhado por músicos da antiga Dupla Monarquia em desenvolvimentos internacionais, em particular também naqueles relacionados com Portugal e com o Brasil, não se limita à esfera da Arquiduquesa Leopoldina ou a Sigismund Neukomm.


Austríacos como exemplos, agentes e fatores de processos culturais: Oscar Pfeiffer


Como lembrado em conferência de abertura dos eventos pelos 30 anos de fundação do I.S.M.P.S., há uma personalidade da vida musical do antigo Império dos Habsburgs que merece ser recordada em 2015, sobretudo também por ser ano das comemorações dos 450 anos do Rio de Janeiro: Oscar Pfeiffer (1827-?).


Pfeiffer foi um pianista-compositor e empreendedor artístico que desenvolveu extraordinária carreira artística internacional no século XIX como virtuose, organizador e professor no Brasil e em Portugal. Pelas suas muitas viagens e pelas suas atuações em diversos países do Velho e do Novo Mundo, Oscar Pfeiffer merece ser considerado ao lado de outros grandes virtuoses-viajantes do século XIX.


Se já há muito vem-se considerado o vulto de Louis M. Gottschalk (1829-1869) nas suas atuações na Europa e nos vários países do continente americano - graças sobretudo ao empenho interamericanista de Francisco Curt Lange (1903-1997) - vários outros pianistas-compositores itinerantes passaram a ser considerados nos estudos histórico-musicológicos de orientação cultural das últimas décadas. (Veja


Carintia. Foto A.A.Bispo 2014. Copyright
Entre êles merece ser salientado o de Anton Kontsky, um dos nomes representativos da intensificação dos elos artísticos entre a esfera do Atlântico e a do Pacífico. (Veja) O seu mundialmente conhecido „O despertar do leão“ (Réveil du Lion/Erwachen des Löwen) surge como obra emblemática de um desenvolvimento internacional possibilitado pelo estreitamento de elos entre países europeus e aqueles da África Austral, do Índico e do Oriente com o desenvolvimento da navegação a vapor e da expansão colonial de potências européias no século XIX.


Esses pianistas-compositores e empreendedores musicais que correram o mundo contribuem para que se reconheça o significado de Oscar Pfeiffer para os estudos de processos músico-culturais em contextos globais do século XIX. Pelas suas atuações nos Estados Unidos e em vários outros países da América Central e do Sul, em particular também no Brasil, aproxima-se de um Gottschalk, pelo fato de ter preparado a publicação da obra de sua mãe - a viajante Ida Pfeiffer - sobre o Madagáscar no Rio de Janeiro, merece ser tratado em contextos concernentes à esfera do Índico até hoje referenciados sobretudo segundo Kontsky.


Diferentemente dos nomes citados, porém, Oscar Pfeiffer merece ser considerado privilegiadamente no contexto do mundo luso e brasileiro, pois não só atuou na antiga capital do Brasil a partir de 1858 como também em Portugal, onde fixou residência em 1887.


Oscar Pfeiffer traz assim à consciência de forma exemplar que os estudos músico-culturais voltados ao Brasil e a Portugal não podem delimitar-se a nomes, atuações e obras de brasileiros ou de portugueses, assim como a expressões características ou nacionais, mas devem ser conduzidos a partir de contextos internacionais abrangentes e perspectivas indisciplinares, ainda que a partir de suas referenciações específicas. Foi essa orientação que levou à criação do I.S.M.P.S. e.V.. (Veja)


Oscar Pfeiffer nos estudos da História da Música no Brasil - o virtuose da mão esquerda


Ainda que caído em esquecimento, Oscar Pfeiffer não era totalmente ausente na História da Música no Brasil até meados da década de sessenta do século XX.


O seu nome encontrava-se presente em menção na Storia della Musica nel Brasile dai Tempi Coloniali sino ai nostri giorni 1549-1925, de Vicente Cernicchiaro, mais exatamente no seu capítulo 20 (1844-1889): „Del Pianoforte e dei pianisti nella virtuosita‘ e nell‘insegnamento“ - (Milano 1926, 385 ss., 395).


Sabia-se, com base nessa obra, e que se fundamentava em notícias de jornais e críticas da época, que o pianista, chegado ao Rio em 1858, realizou nesse ano três concertos no Teatro Lírico Fluminense. Já trazia considerável renome internacional, pois as suas apresentações tiveram a honra de contar com a presença da família imperial e de um público seleto, alcançando muitos aplausos e fundamentando o seu prestígio no Brasil.


No segundo desses concertos, realizado no dia 4 de abril daquele ano, o pianista, que organizava os seus concertos com outros músicos, em particular com instrumentistas e cantores do Teatro Lírico, dominado por artistas italianos, contou nada menos do que com a participação do soprano Anna de La Grange de Stankowitch (1825–1905). Essa cantora francesa de projeção internacional, apoiada por compositores como G. Rossini (1792-1868) e G. Meyerbeer (1791-1864), tinha atuado dois anos antes como celebrada solista na primeira apresentação de La Traviata de G. Verdi (1813-1901) em New York.


Como V. Cernicchiaro registrou na sua obra, a participação desse soprano-coloratura no programa de Oscar Pfeiffer no Teatro Lírico Fluminense entrou na história da ópera do Brasil pela forma prodigiosa com que La Grange interpretou em vocalises uma conhecida polca que trazia o seu nome, assim como uma ária „all‘ungherese“. Esse título que parece indicar um relacionamento com a pátria austro-húngara de Oscar Pfeiffer.


Digno de atenção é a inclusão de obras populares de salão nos concertos de Oscar Pfeiffer do Rio de Janeiro, assim como a atenção dada a efeitos brilhantes e de domínio virtuosístico da técnica tanto no canto e como nas execuções instrumentais. Como os comentários da época consultados por V. Cernicchiaro registraram, Oscar Pfeiffer era notável pela sua engenhosidade na execução brilhante, expressão e maestria no colorido e, em particular, pela sua grande habilidade na execução ao piano só com a mão esquerda.


Esse ano de brilho na carreira do pianista-compositor austríaco no Rio de Janeiro surge como expressão de uma fase determinada da vida musical na capital do Império e do virtuosismo internacional, e com essa época ficou marcado o seu nome.


Assim, V. Cernicchiaro registra que, em concerto oferecido em 1882 no Club Beethoven do Rio de Janeiro, centro da erudição musical da capital, em particular também de círculos alemães e austríacos, o prestígio que envolvia o seu nome já não teria sido reconfirmado.


Oscar Pfeiffer surgia nessa época como representante de uma fase já superada da história do virtuosismo pianístico, não correspondente às novas expectativas e aos novos critérios.


„Oscar Pfeiffer, giunto a Rio de Janeiro nel 1858, fu considerato come uno dei pianisti compositori di grado eminente. Infatti, a voler dare credito alla critica del tempo, pare ch‘egli avesse ingegno straordinario nella esecuzione brillante; espressione e maestria nel colorito, e, in specie, abilità grande di esecutore colla sola mano sinistra.


Nel corso di quest‘anno, egli portava a fine tre concerti al teatro lirico fluminense, onorati colla preseza delle LL.MM.II., e di uno scelto pubblico, che molto l‘applaudi.


Convien far menzione del suo secondo concerto, eseguito il 4 aprile (1858), al quale, oltre a varii artisti dell‘opera lirica italiana, prese parte la celebre De La Grange, che dimostró prodigi di vocalizzazione nella famosa polka omonima, e l‘aria Ungherese. Conviene dire ancora che Pfeiffer, malgrado i suoi noti successi, al suo ritorno in Rio de Janeiro, nel 1882, non confermava la sua antica rinomanza di grande pianista, allorchè si faceva udire in un concerto del Club Beethoven, il 4 novembre dello stesso anno.“ (Cernicchiaro, V., Storia della Musica nel Brasile, Milano 1926, 395).


Os conhecimentos relativos a Oscar Pfeiffer à época das preocupações pela renovação dos estudos musicais referentes ao século XIX no Brasil na segunda metade da década de 60 (Veja) foram ampliados com dados publicados por Ayres de Andrade na sua obra Francisco Manuel da Silva e seu tempo, em 1967 (II, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro 1967, 213).


Diferentemente de V. Cernicchiaro, Ayres de Andrade mencionava - errôneamente - o ano de 1855 como data da sua chegada ao Rio de Janeiro. Para além dos três concertos já conhecidos, o autor lembrava que Oscar Pfeiffer atuou na capital do Império como professor de piano e canto até 1890. Mencionando também as suas atividades como compositor, Ayres de Andrade informava ter conhecimento de um Hino Guerreiro, dedicado a D. Pedro II, assim como uma série de variações sobre o hino nacional de Francisco Manuel da Silva sob o título „Souvenir de Rio de Janeiro“.


Já esses títulos indicam a proximidade de Oscar Pfeiffer à Côrte e ao movimento patriótico e de valorização nacional da época de sua chegada ao Rio de Janeiro, época em que surgiram peças com referências a assuntos, temas e expressões musicais associados com o Brasil e que foi marcada pelos anelos de desenvolvimento da Academia de Música e Ópera Nacional. (Veja)


Reconsideração de Oscar Pfeiffer em estudos musicológicos dirigidos a processos


Assim relembrado nessa obra de Ayres de Andrade, Oscar Pfeiffer passou a ser considerado nos trabalhos do movimento de renovação dos estudos musicais através do direcionamento da atenção a processos e que levou, em 1968, à fundação do primeiro Centro de Pesquisas em Musicologia no Brasil.


A necessidade de uma reconsideração do século XIX foi salientada em recitais de piano a duas e quatro mãos na sede da entidade, quando então apresentaram-se obras de pianistas-compositores do passado caídos no esquecimento, entre êles de Arthur Napoleão (1843-1925), personalidade que sob muitos aspectos deve ser considerada em relações com Oscar Pfeiffer. A obra do pianista-compositor austríaco foi exemplificada com peças como „Deux morceaux de salon“ e „Conte de Fées“.


Nos trabalhos que passaram a ser desenvolvidos na Europa a partir de 1974, apoiados pelo Deutscher Akademischer Austauschdienst, Oscar Pfeiffer tornou-se um dos objetos de pesquisas no contexto da reconsideração do século XIX que também preocupava a musicologia alemã. (Veja)


Esses estudos foram conduzidos em estreito relacionamento com aqueles dedicados ao músico alemão Adolph Maersch, que chegara quase que dez anos antes de Pfeiffer ao Rio de Janeiro, conhecido por ter criado obras para piano com referencias nacionais, pela sua formação pianística com F. Liszt (1811-1886) e que tinha tido obra sua apresentada em concerto promovido por S. Thalberg (1812-1871) no Rio de Janeiro. Antecedendo de poucos meses os concertos de Oscar Pfeiffer, organizara grande e significativo concerto vocal e instrumental no Teatro Lírico Fluminense. (Ayres de Andrade, op.cit. 190) (Veja)


No projeto dedicado às Culturas Musicais da América Latina no século XIX, Oscar Pfeiffer foi lembrado em encontros com Francisco Curt Lange nos capítulos dedicados aos virtuoses de „A música no Brasil durante o século XIX (Regência-Império-República)“ (Die Musikkulturen Lateinamerikas im 19. Jahrhundert, ed. R. Günther, Regensburg: G. Bosse 1982, 154-155), e sobretudo nos capítulos dedicaos à Argentina e ao Uruguai. (Veja)


Nesses trabalhos, muito foram discutidos os problemas de identificação e diferenciação entre êle e o pianista Oscar Pfeiffer (Montevideo 1824- Buenos Aires 1906) nascido acidentalmente no Uruguay durante uma viagem de seus pais, porém formado musicalmente na Europa. Considerado à altura de Thalberg e Liszt, também este pianista atuou em várias cidades do continente e no Rio de Janeiro, onde a sua esposa faleceu, em 1884. (op.cit. 77)


No âmbito desse projeto, também Ida Pfeiffer foi considerada por oferecer nos seus relatos de viagens significativas menções para a história da música e da dança em países por ela visitados. Foi lembrada, porém, apenas no capítulo dedicado a Valparaiso pelo fato de ter ali presenciado uma zamacueca e resbalosa, além de um „velorio del angelito“, como descrito em Voyage d‘une femme autour du monde (3a. ed. Paris 1865, 116-117) (Luis Merino, „Musica y sociedad en el Valparaiso decimonónico“, op.cit. 199 ss.). Essas indicações salientam a atenção dada a Ida Pfeiffer à música e dança nos países que visitou, o que faz com que os seus relatos sejam hoje de especial interesse para os estudos de processos músico-culturais.


Oscar Pfeiffer em conferências de Manuel Ivo Cruz (1901-1985) no I.S.M.P.S.


O desenvolvimento maior dos conhecimentos relativos a Oscar Pfeiffer deu-se através da intensa participação do maestro e pesquisador português Dr. Manuel Ivo Cruz (1901-1985) como presidente de honra por Portugal nos trabalhos do I.S.M.P.S..


O papel do pianista-compositor e professor em Portugal foi lembrado no Congresso Internacional „Música e Visões“ pela abertura do triênio de trabalhos pelos 500 anos do Brasil, em 1999, e, sobretudo, no Colóquio Internacional „Dimensões Européias da Música de Portugal“ por motivo do Porto como Capital Européia da Cultura, em 2002/3.


Entre as fontes consideradas por Ivo Cruz adquiriu particular significado artigo publicado, com retrato, em primeira página no Diario Illustrado de Lisboa em 1887, ano em que, após repetidas visitas a Portugal, se fixava no país. Tinha chegado em novembro daquele ano em Lisboa e já contava com considerável número de alunos. (Diario Illustrado, Lisboa, 27 de dezembro de 1887, Nr. 5:285)


Essa história de vida publicada no jornal português permitiu esclarecer várias questões até então em aberto nos estudos de Oscar Pfeiffer.


Nascido em Viena, a 29 de outubro de 1827, foi filho da então já célebre viajante Ida Pfeiffer, nascida Reyd e do advogado Dr. Mark Anton Pfeiffer (+1838).


Nessa cidade de Lemberg, a atual Liviv, na Ucrania, a família estabeleceu-se. A formação de Oscar Pfeiffer deve ser assim considerada no antigo contexto austríaco dessa cidade, então importante centro cultural da Dupla Monarquia. Tendo-se desentendido como jurista consciente de seus deveres patrióticos com oficiais austríacos, o seu pai passou a ter dificuldades em encontrar emprêgo, transferindo-se a família para Viena. Para auxiliar financeiramente a família, a sua mãe passou a dar aulas de piano.


Oscar Pfeiffer, embora revelando desde cedo vocação e aptidões musicais, em família na qual a música desempenhava importante papel, não era destinado a seguir carreira artística.


A família desejava que se destinasse às letras e à ciência. Realizou, assim, estudos preparatórios e matriculou-se na Escola Politécnica. A  prática musical, que até então tinha sido secundária, de passatempo, passou a constituir centro principal de suas atenções. A família, constatando a sua grande aptidão artística, permitiu-lhe que, com 15 anos, abandonasse os estudos e que passasse a ser orientado por um dos mais prestigiados professores de piano de Viena: Karl Anton Halm. Uma herança recebida pela sua mãe em 1831 parece ter-lhe possibilitado esses estudos.


Oscar Pfeiffer e a escola de Karl Anton Halm (1789-1872)


O nome desse professor de Oscar Pfeiffer permite que se situe a sua formação e a sua atuação em determinada corrente da história do piano do século XIX. Originário do Steiermark, Karl Anton Helm estabelecera-se em Viena após atividades como professor de música em outras cidades do império áustro-húngaro. Também êle, embora demonstrando desde cedo aptidões musicais, pretendera seguir outra carreira, entrando no exército em 1808, abandonando porém o caminho militar já em 1811, passando a viver como professor de piano particular em Graz e, a seguir, de família nobre na Hungria. À época do Congresso de Viena, transferiu-se em 1815 para a capital austríaca, chegando a conhecer L. v. Beethoven (1770-1827).


A época em que alcançou renome em Viena foi assim aquela marcada pelas tensões com a França da era napoleônica, a da vitória e da Restauração. Coincide, assim, com uma época marcada por anelos que também moviam Ida Pfeiffer, que na sua história de vida salienta a sua animosidade de jovem de extremado patriotismo e convicções conservadoras para com as forças francesas de ocupação.


Além de atividades de ensino como um dos mais procurados professores  de Viena, Halm distinguiu-se como compositor, tendo escrito numerosas obras, entre elas uma missa solene, trios para piano, violino e violoncelo, quartetos, variações para duas e quatro mãos,  rondós e sonatas, estudos de concertos, entre eles os Études melodieuses op. 60, Grandes Études pathétiques op. 61; Grandes Études héroiques op. 62, qualificações que contribuem à compreensão do repertório de Oscar Pfeiffer e de sua obra criadora.


Oscar Pfeiffer pode ser considerado ao lado de outros dos discípulos de Halm, entre outros Stephen Heller (1813-1888), Adolf Henselt (1814-1889) e Julius Epstein (1832-1926).


A biografia de o Diario Illustrado menciona que Oscar Pfeiffer fora colega de Sigismund Thalberg (1812-1871), que teria recebido orientação de Halm, uma indicação de resto não conhecida relativamente à formação deste virtuose. O empenho do jovem Oscar Pfeiffer pelos estudos musicais levava a dedicar-se dez a doze horas por dia ao estudo do piano, causando-lhe problemas de saúde, uma situação que se repetiria várias vezes na sua vida.


Primeiro concerto público de Oscar Pfeiffer em Viena (1844)


A primeira apresentação de Oscar Pfeiffer ao público vienense deu-se no dia 12 de novembro de 1844 na Sala da Gesellschaft der Musikfreunde, fato registrado no Allgemeine Wiener Musikzeitung. (Allgemeine Wiener Musik-Zeitung, ed. A. Schmidt, IV/138, 1844).


O programa apresentado surge como significativo da sua formação, da vida musical de concertos de sua época e que continuou a cultivar nos vários países do mundo que percorreu. Incluia um trio de Johann Nepomuk Hummel (1778-1837) para piano, violino e violoncelo e vários Lieder: Alles ist mein, de Adolph Müller, cntado por cantores italianos do Teatro real e imperial particular de Viena, Die Post, de Louis Putch, com acompanhamento de piano e violoncelo, cantado pela esposa do compositor, um „daguerreotipo dramático“ de título That der guten Leute, de Fr. Wiest, e, do próprio Oscar Pfeiffer, um grande Caprice, um Idylle, um Allegretto da Campanela e uma grande Fantaisie sur des thèmes de l‘ópera Robert Le Diable.


O comentarista do concerto, salienta que Osacr Pfeiffer teve sucesso em vencer as dificuldades que todo o artista enfrentava no seu début: o de encontrar e conquistar um público que ao mesmo tempo dá e exige. Oscar Pfeiffer é descrito como um jovem modesto, discreto, que não queria ser nem Liszt nem Thalberg, embora tivesse estudado ambas as escolas. O seu único desejo era o de fazer música, demonstrando suas aptidões e os longos estudos que realizara.


O crítico louvou a prática camerística do pianista e dos outros músicos no trio de Hummel, não economizou, porém, em críticas às obras compostas por Pfeiffer.


O seu grande Caprice, assim como as demais obras correspondiam a peças que então eram atuais, conglomerados de exercícios e de estudos nos quais os debutantes se sentiam fortes e que queriam dar testemunho de sua capacidade. Nessas composições não se tratava tanto de um todo harmonioso, mas sim de um conjunto de partes tiradas de contextos e relacionadas fracamente umas com as outras, fossem elas denominadas de caprichos, estudos ou fantasias. O pianista-compositor, nessas obras, queria mostrar segurança no tratamento de difíceis grupos sonoros de várias vozes, esgotando-os em oitavas e saltos, levando o tema em vozes intermediárias, acompanhando-o com oitavas em regiões afastadas. Procurava encantar os ouvintes com um toque cantante. Oscar Pfeiffer surgia como um pianista talentoso, mas que parecia não saber o que fazer com a sua aptidão. Êle precisaria criar uma obra de arte dos muitos elementos que utilizava, e essa capacidade ainda faltava ao concertista.


„Es sind, gleich den heutigen Piecen, Conglomerate jener Übungen und Studien, in denen sich die Debütanten stark fühlen; erstere sollen nur zeigen und beurkunden: hört! - das ist es, was ich erstrebt, so weit bin ich gedrungen. Man findet in solchen Compositionen weniger ein harmonisches Ganze, größtentheils bloß aberissene, schwach verknüpfte Partiellen, heißen sie nun Capricen, Studen, Fantasien us.s.“


„(...) er lispelt und rauscht, er führt in den Mitteltänen das Thema durch, während sich die Begleitung zu beiden Seiten in die entferntesten Oktaven zerstreut, er entzückt das Ohr mit einem sangvollen, schönen Anschlage, er läßt die Seele des Vortrages - jedoch leider nur allzuspärlich, durchschimmern. Oskar Pfeiffer verdient den Namen eines sehr talentvollen Pianisten. Doch scheint er mit sich selbst noch nicht im Klaren zu seien, was er mit diesen schönen Mitteln beginnen soll. Ein vollendetes Kunstwerk muß erst aus diesen Elementen geschaffen werden, das begeistert und hinreist. Dies ist der Brennpunct der Kunst, und dies mangelt noch dem begabten Konzertanten, dies zu erstreben sei sein vorschreitendes Streben, und bei festem Willen wird er zweifelsohne das schöne Ziel erreichen. Mehrmaliges hervorrufen und reichlicher Beifall, der ihm zu Thel ward, mag Oskar Pfeiffer mächtig hiezu anfeuern.“


A inclusão de peças de divertimento e cômicas no programa testemunha que um dos principais objetivos desse tipo de apresentação que O. Pfeiffer passaria a cultivar em outros países era o da promoção da alegria e de um estado de espírito leve no público - Heiterkeit -, conquistando-o.


„Der beliebte Imitationsscherz Wiest‘s vernügte wieder ungemein, und der wirksame Vorgrag elektrisierte das Publikum so, daß er mehrmalen stürmisch gerufen wurde. Zur angenehmen Überraschung gab hr. Wiest hierauf noch die Anklänge an die Wiener-Komiker Scholz, Restroy und Karl zum Besten, und steigerte hiermit die Heiterkeit der Zuhörer.“


Os comentários deixam também perceber uma certa falta de profissionalismo nesse concerto inaugural de Oscar Pfeiffer. O piano precisou ser afinado durante a execução e também o virar das páginas durante a execução não causou a melhor das impressões.


„Das Fortepiano mit dem wunderschönen Klange war von Streicher! Nicht übergehen kann ich die Störung durch die Nachstimmung des Claviers. Das Publikum hört bei Konzerten wohl gerne Stimmproduktionen - aber durch solche sich eine Weile malträtiren zu lassen, dürfte es nicht geneigt sein. Auch die Verlegenheiten des Umblätterns üben nicht den besten Eindruck. Es läßt nicht gut, wenn der Debütant wie der Escamoteur unter dem Tische einen Gehilfen neben sich hat. Das Publikum ist einmal so, daß es sich durch Kleinigkeiten stören läßt. Es hatte sich ein gewähltes und zahlreiches Publikum versammelt, welches befriedigt und vergnügt den Saal verließ. Job. Julius Wagner.“


Viagens pela Europa e apresentações em Portugal - fascínio pelo mundo ibérico


Logo após esse primeiro concerto, O. Pfeiffer resolveu fazer uma primeira viagem pela Europa. Antes de sair de Viena, ofereceu um segundo concerto. Encontrando-se na capital austríaca Hector Berlioz (1803-1869), um tio do jovem pianista, banqueiro que se opusera a que seguisse a carreira artística, pediu a opinião do músico francês e o seu conselho quanto ao professor que o jovem devia procurar em Paris. Após tê-lo ouvido, Berlioz teria afirmado que Pfeiffer não precisava de tomar lições, aconselhando-o a ir a Paris apenas para aperfeiçoar o gosto e ouvir a „música cosmopolita“ que se executava na capital francesa. Com esse objetivo, O. Pfeiffer passou o inverno de 1845/46 em Paris, retornando a seguir a Viena, onde retirou-se ao campo para entregar-se a estudos de composição e de piano.


De 1846 a 1848, Oscar Pfeiffer esteve na Rússia, percorrendo o império e dando concertos em várias cidades, entre elas S. Petersburgo, Moscou e Odessa. Retornando a Viena para descansar e recuperar-se dos grandes esforços, retirou-se novamente à vida campestre para meditar e dedicar-se ao estudo da música. Várias outras viagens por países europeus se seguiram, em particular a cidades alemãs como Leipzig, Dresden, Hannover e Hamburg. Desta última passou a Londres e, em seguida a Lisboa, tendo a intenção de embarcar para o Brasil.


Em Lisboa, deu seis concertos em três semanas, obtendo extraordinário êxito e uma condecoração da rainha Dna. Maria II (1819-1853). Em 1850, apresentou-se no Porto algumas de suas variações com a mão esquerda, uma de suas principais aptidões, e que sempre causava admiração. Entre 6 e 8 de março de 1850 compôs, no Porto, E

rnani, air variée pour le piano, obra que passou a incluir repetidamente nos seus concertos. Na Espanha, apresentou-se em Madrid, Sevilha e Cadiz, também ali recebendo manifestações de grande apreço.


Essas primeiras viagens em Portugal e pela Espanha fundamentaram o fascínio que passou a sentir pelo mundo ibérico, o que teve expressão na sua obra composicional e que levaria mais tarde a fixar-se em Lisboa. Entre as suas composições que refletem esse interesse pela cultura ibérica encontram-se mesmo em obras posteriores títulos como El Xalos di Xeres, dança espanhola por êle arranjada para piano, e Ruy Blas, de F. Marchetti, uma „ilustração“ para piano.


Viagens pelo continente americano, Exposição Universal em Paris e viagem ao Brasil


Em 1850, Oscar Pfeiffer dirigiu-se pela primeira vez o continente americano, tendo visitado as Antilhas, Cuba e os Estados Unidos. Em 1852, de novo em Paris, partiu novamente a Portugal e à Espanha, onde voltou a receber provas do prestígio que ali gozava.


Uma experiência importante na sua carreira foi aquela obtida com concertos que oferecem durante a primeira Exposição Universal em Paris, em 1856.


Numa segunda viagem ao continente americano, esteve em 1856 de novo no Caribe, apresentando-se também no México. Entre 1857/58 esteve em S. Miguel nos Açores, onde procurou reestabelecer-se das fadigas de suas excursões americanas.


Em 1858, de Lisboa, embarcou para o Rio de Janeiro, onde logo organizou os três concertos no Teatro Lírico Fluminense que entraram na história da vida musical do Brasil. Segundo a biografia publicada no mencionado jornal português, Oscar Pfeiffer teria sido convidado por D. Pedro II para tocar no paço, tendo recebido no Brasil acolhimento dos mais simpáticos e provas de admiração e estima pelo seu talento e pelas características de sua personalidade.


Ainda contribuindo ao esclarecimento da trajetória de Oscar Pfeiffer não conhecida das fontes brasileiras, o jornal português lembra que, do Rio de Janeiro, o pianista passou a Montevideo e a Buenos Aires. Tanto no Uruguai como na Argentina alcançou sucessos talvez ainda maiores do que no Brasil, sendo comparado pelos jornais argentinos a S. Thalberg.


Segundo crítico local, êle próprio músico, seria representante de uma escola pura e científica, distinguindo-se por execução enérgica e igual, mais ainda porém pela agilidade e vibrações demonstradas em difíceis passagens, também de suas próprias composições. O seu estilo seria o da „escola alemã“, franco e impressivo. Nas suas composições, entre elas as fantasias sobre Lucrezia Borgia e Robert le Diable, mostraria um estilo que brotaria em originalidade de acento e expressão, arrebatando os ouvintes. Também a fantasia sobre Ernani, ainda que inferior às citadas na sua composição „científica“, produzia grande efeito no público, não apenas pela sua elegância, mas por ser escrita sobre um tema conhecido e apreciado. O Presidente da República Oriental chegou a dar em sua honra um grande baile, recebendo felicitações pelo seu extraordinário talento.


Atuações de Oscar Pfeiffer nos Estados Unidos


Na década de 60, Oscar Pfeiffer desenvolveu uma carreira brilhante como pianista sobreutdo nos Estados Unidos. Em outubro de 1866, apresentou-se em New York em concerto com Eliza Lumley-Blath 1835-?), contralto, e J. R. Thomas, barítono. (Michael Saffle, Music and Culture in America, 1861-1918, 1998, 19). Uma crônica de concerto dado no Steinway Hall de New York em 1867, juntamente com os artistas Giuditta Altieri, Ignace Pollack e um sexteto de instrumentistas, reafirma a inserção de Oscar Pfeiffer na tradição clássica austríaca, representada por compositores como J. N. Hummel (1778-1837).


A formação clássica de Oscar Pfeiffer não se resumia à escolha de repertório, mas a um tipo de educação que dava particular atenção à sobriedade, à fuga de extravagâncias e exageros virtuosísticos, solidez e segurança. O crítico louvou as suas fantasias, que testemunhavam inteligência, imaginação e força inventiva. As suas peças de salão eram cheias de graça e sentimento. Foi, também celebrado como executante de Liszt. („Mr. Oscar Pfeiffers Second Concert“, The American Art Journal (1866-1867), Vol. 6, No. 24 (Apr. 6, 1867), 377).


Apresentou-se com grande sucesso em Boston, em 1869, como registrado no Neues Fremdenblatt de Viena (Nr. 51,rúbrica  „Theater, Kunst us.w.“).


Um dos primeiros „pianistas modernos“ - o tipo de virtuosismo de Oscar Pfeiffer


O jornal português lembra que a crítica de vários países teriam considerado Oscar Pfeiffer como um dos primeiros „pianistas modernos“.


Essa menção foi alvo de reflexões nos encontros com M. Ivo Cruz durante o Colóquio Internacional „Dimensões Européias da Música de Portugal“ de 2002/3. Uma das contribuições aos debates residiu na indicação de uma fonte praticamente desconhecida da história do piano e do virtuosismo da esfera de formação de O. Pfeiffer da antiga Dupla Monarquia.



Na folha Salon, publicada em Praga, em 1852, encontra-se um artigo que elucida diferenças na concepção e na prática do virtuosismo da época. Ali se distingue entre uma escola de virtuoses mais antiga, as dos contemporâneos de Czerny (1791-1857), Hummel (1778-1837), Herz (1803-1888), Moschelles (1794-1870) e Kalkbrenner (1785-1849) e uma nova virtuosidade, como aquela que Liszt e Thalberg teriam criado.


Na primeira, o piano teria sido antes um órgão instrumental, aproximando-se da voz humana somente através de cantilenas, não imitando suficientemente o canto no toque, movimentando-se sempre em efeitos instrumentais. Para o crítico, porém, movimentações em oitavas tinham pouco significado e as passagens dialogavam apenas com outras passagens. Elementos melódicos surgiam nesses redemoinhos de passagem como“ flores singulares“.


A nova virtuosidade elevava ou nobilitava os movimentos pianísticos e imitava a voz humana e os efeitos orquestrais. A elevação era devida ao aperfeiçoamente da técnica. Na maneira de Thalberg, o elemento melodioso constituia a linha fundamental, quase nunca interrompida. As passagens serviam apenas como invólucros, oferecendo o artista uma contínuo quadro ao

canto. Melodias dialogavam com melodias, e as massas das passagens intensificavam-se quase que de forma aritmética. Aqui residia porem a unilateralidade na maneira de tocar, pois as melodias tinham sempre um caráter amplo e o ouvinte não era tomado pelo fogo do entuasiasmo. As passagens brilhantes não possuiam pensamentos, representando uma contínua obra exterior.


Essa continuidade era porém algo novo e importante, e tinha o seu atrativo, se praticada em espírito cheio de ardor e em diversidade de elaborações. Liszt compreendera melhor esse fato, e as suas obras continham mais diversidade, espírito sinfônico e não raro um cunho excêntrico. A música de Thalberg era antes uma forma cristalizada que sempre se repetia, uma forma plástica, um artista que sempre criava com a mesma especulação novos efeitos. Listz era levado pelo seu espírito poético, dispondo de imenso material técnico segundo princípios cheios de espírito.


Os virtuoses que seguiram a esses mestres teriam segundo o autor do texto quase todos copiado ou ampliado o material dessa escola: „Dreyschook com as suas oitavas, Willmers com os seus trilos, L. v. Meyer com o seu efeito de massas, sem porém alcançar a genialidade de Liszt que tratou a técnica como um pressuposto em si e que na sua universalidade tudo unia. O virtuosismo novo afastava-se do Thalberguianismo. (...) Chopin surgia como uma beleza excêntrica e os grandes clássicos eram belezas normais. Chopin era um idioma de uma individualidade mais especial, que só a fantasia excêntrica podia criar. Chopin não era clássico, pois era abnorme.“ Segundo o artigo, constatava-se, na época um período de estagnação no caminho triunfal do piano. Os grandes heróis, sobretudo Liszt, ainda poderiam descer do seu olimpo, mas silenciavam. O mundo do virtuosismo envolvera-se em nuvens.“ („Über Clavier und Claviermusik“. Salon. Blätter für Kunst, Literatur, Theater und geselliges Leben 232, 22. August 1852. Hg. J. Carl Hickel, Praga, 550; trad. A.A.B.).


As referências a Oscar Pfeiffer e as suas obras indicam a sua inserção na nova fase de virtuosismo que se seguira àquela da geração anterior, a do seu professor e mesmo a de sua mãe Ida Pfeiffer, e que logo passou também a uma relativa estagnação que fêz com que o pianista-compositor se tornasse representante de uma fase de brilho ultrapassada. Não querendo ser Thalberg nem Liszt, mas sendo professor de canto e introduzindo elaborações de Lieder nos seus programas, assim como fantasias de áreas, Oscar Pfeiffer demonstrava a orientação do virtuosismo segundo a voz humana nos seus programas.


A própria demonstração que fazia como virtuose da mão esquerda não representava simples prova de acrobacia artística, mas da capacidade de cantar sob condições de maior dificuldade técnica. Compreende-se, assim, o sucesso de Oscar Pfeiffer nos seus concertos de 1858 no Brasil, época de aguçada sensibilidade pelo lírico e pela canção nacional, pelo melodismo das modinhas.


A preparação das notas de Ida Pfeiffer sobre o Madagáscar no Rio de Janeiro


Oscar Pfeiffer encontrava-se em Buenos Aires, quando, em 1858, recebeu a notícia do falecimento de sua mãe Ida Pfeiffer. A sua morte foi consequência da doença que a acometera em Maurício imediatamente após o seu retorno do Madagáscar, como resultado das fadigas de sua fuga, das preocupações pelas perseguições e das condições de salubridade e climáticas da ilha. (Veja)


Apesar de ter recebido no Madagáscar e na Europa auxílios dos melhores médicos e cuidados de amigos e parentes, Ida Pfeiffer veio a falecer sem ter podido ordenar as suas anotações de viagem com a finalidade de publicá-las. Pouco antes de sua morte, pedira então a seu filho que colocasse em ordem os seus papéis e as notas da sua última viagem ao Madagáscar para dá-los à publicidade.


Quando alguns meses mais tarde Oscar Pfeifer retornou de Buenos-Aires ao Rio de Janeiro, ali encontrou os papeis da sua mãe. Sendo porem a perda ainda demasiadamente recente, a sua dor era por demais viva para que pudesse ler e selecionar os materiais com atenção e liberdade de espírito.


Por fim, cumprindo a última vontade de Ida Pfeiffer, e movido por piedade filial, realizou o texto segundo as notas de viagem, reproduzindo-as com as menores mudanças possíveis.


Como Oscar Pfeiffer manifesta no prefácio da edição, datado no Rio de Janeiro em 8 de julho de 1860, tinha a convicção de que a obra seria tão bem acolhida pelos leitores como as precedentes. (Die Reise nach Madagáscar, 2 vols., Viena 1861; Voyage a Madagáscar par Mme Ida Pfeiffer. Traduit de l‘Allemand avec l‘Autorisation de la famille de l‘Aucteur par W. De Sucrau et précédé d‘une notice historique sur Madagáscar par Francis Riaux. Paris: Hachette et C. 1881).


Para um pianista como Oscar Pfeiffer, um dos principais episodios da viagem de sua mãe ao Madagáscar foi certamente o de sua apresentação ao piano na Corte de Antenanarive. O pianista  aproveita a publicação da obra para publicar um texto no qual decanta a personalidade e a obra de sua mãe, assim como o amparo a ela dado por seus tios Reyer na Áustria e familia de Maurício.(Veja)




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Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).„ Madagáscar no Rio: o relato de viagem de Ida Pfeiffer (1797-1858) elaborado por Oscar Pfeiffer (1858)“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 154/12 (2015:02).http://revista.brasil-europa.eu/154/Oscar_Pfeiffer.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

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Caríntíá. Fotos A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E.