Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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de imagem em W. Sievers (!903)

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Título e coluna lateral: imagens de Wilhelm Sievers, Süd-und Mittelamerica, 2a. Aufl., Leipzig e Viena: Bibliographisches Institut 1903)  
No texto: foto de "O Brasil e a Allemanha" (1923) e de artigos dos Westermann's Monatshefte.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 141/9 (2013:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Dr. H. Hülskath e Comissão especializada

Organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
e institutos integrados


© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°2965


A.B.E.


Da liberação do Amazonas à navegação comercial na sua recepção na Alemanha do século XIX
O livre comércio como constante na história das relações entre a Alemanha e os países latino-americanos
Relendo textos de Adolf Glaser (1829-1915) I

Alemanha-Brasil
Diálogos de Berlin-Charlottenburg pelos 30 anos do simpósio euro-brasileiro de renovação dos estudos da emigração alemã ás Américas
no ano da Cumbre Unión Europea-CELAC 2013

 

As relações entre a Alemanha e o Brasil constituem o centro das atenções dos estudos culturais em contextos internacionais de 2013. A razão dessa prioridade dos trabalhos reside na passagem dos 30 anos do simpósio euro-brasileiro realizado pelo tricentenário da emigração alemã à América. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html)

Nesse evento, tematizou-se de forma pioneira a necessidade de renovação teórica dos estudos atlânticos e interamericanos sob as novas condições criadas pelo processo de integração européia. Dele partiram impulsos que determinaram os trabalhos dos anos seguintes, não só no âmbito das relações Alemanha-Brasil/Brasil-Alemanha.

Esses estudos da A.B.E. e seus institutos inseriram-se assim em coerente corrente de desenvolvimento do pensamento e o seu prosseguimento adequado exige que se parta do estado mais recente das reflexões.

As atenções dirigiram-se por último ao conceito de Liberdade e suas relações com a formação do homem e concepções de liberalismo político-econômico e de Estado. Considerou-se aqui sobretudo um dos maiores pensadores alemães, Wilhelm von Humboldt (1767-1835), fundador da Universidade de Berlim e  cujo nome, ao lado daquele de seu irmão Alexander von Humboldt (1769-1859), é lembrado em Forum que tem como escopo constituir centro do dialógo científico-cultural internacional. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/140/Liberdade-em-debate.html; http://revista.brasil-europa.eu/140/Forum-Humboldt.html)

As discussões de 2012 trataram de um edifício de pensamento no qual a liberdade e o livre desenvolvimento de aptidões do Homem associa-se a uma liberdade de seguir e defender os seus interesses e realizar-se no mundo da existência, daqui derivando-se concepções de sociedade e de Estado, que surge neste contexto primordialmente na sua função e dever de controlar e resguardar o postulado direito do homem em perseguir os seus interesses.

O debate levou ao questionamento desses vínculos do conceito de liberdade com concepções político-econômicas e de Estado, tendo-se acentuado a necessidade de uma reconsideração de todo um edifício de pensamento a partir de um ponto de observação distanciado. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/140/Liberdade-e-Liberalismo.html )

Todo o conjunto de idéias que relacionam o conceito de liberdade com o da formação do homem, o livre desenvolvimento de suas aptidões e interesses com a economia de mercado e uma concepção de Estado que apenas serve prioritáriamente para garantir esses direitos e estabelecer ordem surge como expressão cultural, de determinadas correntes e épocas da história do homem, podendo ser assim relativado. Passa a ser assim de expressão de presumidas leis por assim dizer naturais, de fundamentos e lógica inamovíveis, a objeto de estudos dos estudos culturais.

Sob essa perspectiva, o edifício de pensamento revela-se como fundamentado numa concepção de mundo natural marcado pela luta pela sobrevivência, do direito do mais forte, e que surge como muito mais antigo, de muito mais remotas origens do que as designações de socialdarwinismo e lamarckianismo fazem supor. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/140/Ideal-formativo.html)

Uma das questões que se levantam nos estudos de relações entre a Alemanha e o Brasil no corrente ano diz respeito, neste sentido, aos elos entre noções e imagens do mundo natural - ainda que inconscientes - e aquelas de um direito de liberdade do homem de nele agir, combater e se impor, de explorá-lo e mesmo superá-lo na persecução de interesses. A consideração desses elos pode abrir caminhos para análises de situações mentais e culturais que determinaram desenvolvimentos no passado, desencadearam processos e que podem elucidar situações e tendências no presente que surgem sob muitos aspectos questionáveis, negativas e mesmo trágicas.

A Amazônia como mundo natural no qual o homem teria o direito de impor-se

A Amazônia oferece-se de modo privilegiado para a consideração de elos entre concepções e imagens de mundo natural e da auto-concedida liberdade do homem de nele agir em liberdade segundo os seus interesses. Ela surgia ainda em meados do século XIX como imensa região da terra recôndita, fechada, desconhecida, que prometia grandes possibilidades de exploração caso pudesse ser livremente explorada.

O livre comércio, estreitamente relacionado com a livre navegação, foi constantemente tema de significado na literatura alemã concernente ao Brasil. A superação de barreiras a essa liberdade de tráfico e comércio surge quase que uma síndrome na história das relações entre a Alemanha e a América Latina. Em singulares interações de perspectivas, compreensível pelo subjacente edifício de concepções e imagens, a liberdade de comércio e de navegação é apresentada como fundamental fator para a própria libertação ou processo formador da nação em direção à independência.

Em O Brasil e a Allemanha publicado em Berlim, em 1923, época em que se registrava a superação de dependências brasileiras com a industrialização, salientou-se o significado da abertura dos portos em 1808 para um processo em direção à liberdade do Brasil quanto a importações. Lembrou-se que o centenário da abertura de portos, celebrado em 1908, fundamentou uma lógica comemorativa que levou à comemoração do centenário da Independência, em 1922. (A Allemanha e o Brasil 1822-1922, Berlim: Editora Internacional 1923, prefácio). (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-1923.html)

Significativamente, a publicação oferece, de início, uma fotografia de igarapé de Manaus ao lado daquela do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, então emblemática da capital brasileira.

Westermann's Monatshefte

A abertura dos rios brasileiros na recepção do Brasil na Alemanha do século XIX

Merecedor de maior atenção no estudo das relações entre a Alemanha e o Brasil é, porém, a questão da abertura dos grandes rios do Brasil à navegação comercial na década de sessenta do século XIX. Após a abertura dos portos em 1808, a liberação dos grandes rios brasileiros à navegação comercial foi um dos grandes temas relacionados com o livre comércio do Brasil.

A decisão do Govêrno brasileiro nesse sentido em época da Guerra com o Paraguai pode ser analisada nos seus pressupostos e motivos sob diferentes aspectos, cumpre, nos estudos de relações do país com a Alemanha, considerar sobretudo a sua recepção na Europa.

A "liberação do Amazonas e do Prata" no Westermann's Monatshefte de 1867


Uma fonte até hoje pouco considerada é um artigo dedicado à "liberação do Amazonas e do La Plata" nos cadernos mensais alemães ilustrados de Georg Westermann, publicação de significado para a informação geográfico-cultural na Alemanha do século XIX. ("Freigebung des Amazonas und des La Plata", Illustrirte Deutsche Monatshefte 128, Nr. 32 der zweiten Folge, Mai 1867, ed. George Westermann,Braunschweig: G. Westermann, 239-240).

O redator do texto, o escritor Adolf Glaser (1829-1915), que realizara estudos de História e Filosofia na Universidade de Berlim e assumira em 1856 a redação do órgão, dedicou-se em diferentes ocasiões a assuntos concernentes ao Brasil.

No seu texto, Glaser deixa perceber os estreitos vínculos entre o decreto de 1865 que prometia a abertura do Amazonas e do São Francisco à navegação comercial de todas as nações para 1867 com a promessa de similar liberação para os rios da bacia do Prata logo que a guerra terminasse com a vitória brasileira.

O leitor atual pensa poder perceber em entre-linhas no texto intuitos justificativos da Guerra, demonstrado as oportunidades para o progresso e para o mundo que se abriam com a derrota do ditador paraguaio.

Por um decreto de 7 de dezembro de 1865, o imperador do Brasil promete a completa abertura do Amazonas, o mais portentoso rio da terra, com os seus afluentes, até à fronteira com o Peru, e do São Francisco, à navegação comercial de todas as nações para o 7 de setembro de 1867. Da mesma forma, todos os rios do Prata deverão ser abertos se a guerra que no presente ainda persiste terminar com a vitória sobre o ditador Lopez do Paraguai.

De convicções de Pedro II° na liberação de rios brasileiros

Glaser salienta que essa decisão do Brasil não era resultado de qualquer pressão externa, representando ato de livre e espontânea vontade, expressão da convicção de Pedro II° de que essa abertura representaria o melhor caminho para o desenvolvimento do país.

Na argumentação do redator do Illustrirte Deutsche Monatshefte, a navegação do Amazonas entrara em nova época com o desenvolvimento dos navios a vapor, a abertura ao comércio mundial significava porém uma mudança de visões que se devia sobretudo ao Imperador brasileiro.

No passado, tanto no período colonial como sob Pedro I°, tinha-se consciência que o Amazonas poderia vir a ser o centro de uma civilização mundial em alguns séculos, dominava porém o mêdo de perdê-lo. Esse fechamento do grande rio e, por conseguinte da região, tinha medidas protecionistas, não poderia, porém, ser definitiva. Pedro II°, sem ser dominado pelos temores de uma abertura, via antes as oportunidades que se ofereciam para o próprio país com a liberação dos rios e da região ao comércio, pois assim poder-se-ia trazer capitais estrangeiros e desenvolver o empreendedorismo na região.

Se já não o fizera antes, isso era devido aos obstáculos políticos criados por questões com estados vizinhos e potências coloniais, assim como por outras tensões internacionais. Segundo a interpretação de Glaser, haveria na demora dessa concessão uma questão diplomática de resguardo de dignidade brasileira. A abertura dos rios e da região não deveria ser vista como uma concessão imposta pelas circunstâncias ou por pressões externas, mas sim como um ato de livre decisão.

Até o emprêgo da força do vapor à navegação, o Amazonas, devido aos perigos da viagem, permaneceu um paraíso fechado, e os govêrnos colonials portugueses do passado, assim como o imperador D. Pedro I cuidaram em dificultar a sua navegação e exploração por estrangeiros. O que Alexander von Humboldt contou do Amazonas, que via como o centro de uma civilização mundial dentro de poucos séculos, sente-se e sabe-se também no Brasil, acreditou-se porém que justamente por isso o melhor meio contra desejos estrangeiros residia em fechar a poderosa correnteza. Apesar disso, os governantes brasileiros reconhecem que esse fechamento não pode ser mantido por toda a eternidade. O imperador Pedro II já está há muito convencido que o Brasil deve abrir os seus grandes rios ao tráfego mundial, pois somente assim tem-se a possibilidade de atrair todo o poder de empreendimentos e de capitais estrangeiros para o território do Amazonas sem prejuízo para o todo político do Estado. As condições políticas dos últimos dez anos, porém, não permitiram ao Império dar esse passo. Diferenças com o Peru, com a França, Inglaterra e com a América do Norte impossibilitaram ao Brasil de declarar livre o Amazonas, pois esse grande ato político não teria sido visto como voluntário, mas sim como um pater peccavi ou como uma concessão.

Que a abertura do Amazonas correspondia a uma convicção de Pedro II° quanto à necessidade e das vantagens da liberdade da navegação e do comércio, e não a uma situação que exigia solução por pressões externas, isso o comprovava o fato de generalizar a sua medida, liberando também à navegação e ao comércio das nações o rio São Francisco.

Com isso, abria ao comércio mundial vastas extensões do interior do Leste do Brasil, em particular da Bahia e de Minas Gerais. Seria como mais uma manifestação dessa orientação de Pedro II° relativamente ao livre trânsito e comércio que devia ser a seguir aberta a bacia do Prata até à Bolívia.

Agora, porém, estando superados todos esses conflitos, o imperador surge repentinamente com essa medida, até mesmo a amplia, para não deixar dúvidas quanto às suas intenções, ao São Francisco na costa Leste de seu império, abrindo da mesma forma as províncias da Bahia e de Minas Gerais ao tráfego mundial. Mais tarde deverá também ser aberto à navegação livre toda a bacia do Prata até á Bolívia com todos os seus veios fluviais.

Significado mundial da liberação dos rios brasileiros segundo Glaser

Para o mundo, essa liberação dos grandes rios, em particular do Amazonas, representava para Glaser uma nova era de Descobrimentos.

A abertura do Amazonas e seus afluentes significava colocar à disposição do comércio uma das regiões mais ricas em produtos naturais da terra, abrindo-a também à especulação e ao povoamento, com todas as suas consequências.

Se a ele se juntasse a abertura do sistema fluvial do Prata após um fim vitorioso da Guerra para o Brasil, então ter-se-ia uma região imensa aberta ao comércio mundial e que traria necessariamente transformações nas vias de comunicação, em particular da navegação.

Essa concessão do govêrno brasileiro, não forçada e nem mesmo pedida por qualquer lado, equivale na verdade ao descobrimento de uma nova parte do mundo, uma vez que revela uma área fluvial das mais ricas de preciosos produtos naturais ao comércio mundial, à especulação e ao povoamento. A abertura do imenso território fluvial do Amazonas e do Prata determinarão em poucos anos uma total transformações de todas as condições de tráfego até hoje ali existentes.

Significado para a Alemanha da superação de barreiras comerciais e de proteção

Glaser ressalta as oportunidades que se abriam para a navegação alemã com essa transformação das comunicações na grande área que tomava parte considerável da América do Sul. Com a liberação das vias fluviais, o espírito empreendedor alemão não encontraria mais obstáculos. Essa liberdade de comércio e de realização de empreendimentos não se resumia ao Amazonas, mas também a outros grandes rios, entre outros ao Rio Negro, ao Tocantins e ao Tapajós.

De se desejar seria que a navegação alemã e o espírito empreendedor alemão soubessem participar dessas fontes extraordinariamente ricas agora abertas. Precisa-se apenas lançar um olhar ao mapa para se reconhecer o que se pode ganhar e alcançar com a navegação livre a todas as nações dessas vias fluviais sem fim, pois a navegação livre não se limita ao rio principal em si, mas também ao Tocantins, ao Tapajós e ao Rio Negro, que em amplos trajetos antes de sua confluência no Amazonas possuem significativas massas de águas e igual comodidade para a navegação, também são livres a partir do outono deste ano.

Conscientização das dimensões territoriais em comparações globais

Glaser não mede esforços em descrever a grandeza da região amazônica, que sob muitos aspectos superava de muito todas as possibilidades de comparação.

Todos os viajantes, que até hoje se referiram a esse emaranhado de rios poderosos declararam-se totalmente incapazes de descrever a grandiosidade dos fenômenos representados por esse mar de águas e ilhas. Uma corrente que possui no seu delta ilhas do tamanho da Sicilia e que até centenas de milhas terra-a-dentro ainda possui a largura do Lago de Constança, que forma anualmente novos canais à época das cheias de janeiro a março, e que até 40 milhas marítimas da sua desembolcadura empura a água do mar, de modo que os navegantes que se aproximam já a essa distância reconhecem no sabor da água a proximidade do delta do Amazonas, não pode ser comparado com outros rios, mesmo os maiores.

Perspectivas para a abertura de todo o interior do continente: do Prata ao Amazonas

Voltando a insinuar no seu texto as vantagens que representariam para a Alemanha a vitória do Brasil sobre o Paraguai, Glaser lembra a solução da Guerra com a derrota do ditador paraguaio representaria não apenas o início de uma nova era de desenvolvimento para o Brasil, mas também para os territórios argentinos banhados pelos rios e, sobretudo, por Montevideo e Buenos Aires. O conflito bélico com o Paraguai, assim, surge inserido num grande quadro justificado por considerações relativas à liberdade de navegação, de comércio, de empreendimentos e de abertura de territórios com as suas consequências para a exploração e o povoamento, de interesse também para a Alemanha.

O Paraguai e o Paraná, que confluindo formam o La Plata, nascem em províncias brasileiras; assim como o Uruguai. A sua navegação, e portanto o comércio para dentro e para fora do interior do Brasil, foi até agora impedido pela inimizade aberta do Paraguai, permanecendo estagnada. Sob essa situação não apenas sofria o Brasil, mas sim também os estados costeiros do La Plata, Santa Fé, Corrientes, Entre Rios e as grandes cidades comerciais de Buenos Ayres e Montevideo. Essa situação que era para o Brasil delimitadora e rebaixadora precisava terminar e, quando acabar, então também está ganha no Sudeste a mesma entrada no interior do Brasil como, no Norte, pelo Amazonas.

Necessidade de maiores conhecimentos da região. Recepção de Agassiz

Exemplos da necessidade sentida de maiores informações e conhecimentos na Alemanha sobre o Amazonas oferecem outros textos da revista geográfico-cultural de G. Westerman.

Um desses artigos foi especialmente dedicado aos resultados da viagem de Agassiz ao Amazonas em 1865. "Agassiz über den Amazonas", Illustrirte Deutsche Monatshefte, ed. George Westermann, Braunschweig: G. Westerman 1867, 239-240) 669-670 (Veja a respeito de Agassiz: http://www.revista.brasil-europa.eu/128/Peabody-Museum.html)

O redator - Adolf Glaser -, utilizou-se para compô-lo conferências proferidas pelo pesquisador após o seu retorno no Rio de Janeiro e que já tinham sido impressas. Glaser salienta que, através dessas informações, ganhava-se uma visão de conjunto do Amazonas na Alemanha, que até então era constituída apenas por notícias isoladas ou parciais.

"No decorrer do ano de 1865, eruditos norte-americanos, à sua frente o Professor Agassiz, em conjunto com pesquisadores brasileiros exploraram a bacía do Amazonas relativamente às suas fontes acessórias. Após o seu retorno, Agassiz proferiu no Rio de Janeiro cinco conferências públicas sobre o imenso rio, que já foram impressas. Elas contém muitos dados novos e oferecem um quadro geral no qual os fenômenos, dos quais já sabíamos em parte, se inserem num todo magnífico." (loc.cit.)

Em primeiro lugar, Glaser transmite a opinião que não seria adequado falar de uma bacia amazônica, uma vez que a imensa superfície determinada pelo rio não corresponderia à compreensão convencional do termo na Geografia. Considerando a pequena inclinação das correntes e as grandes superfícies de água, salienta que se tratava aqui de uma imensa região marcada pela sua característica antes aquática.

"Todo o trajeto que o Amazonas faz das cordilheiras dos Andes até o oceano tem um comprimento de 5000 quilômetros, e a largura de sua bacia 1200 a 1400 quilômetros, em alguns pontos ainda mais. Pouco pode-se falar assim de uma bacia no sentido estrito do termo, pois por todo o lado vê-se ao lado das costas superfícies imensas, de modo que o viajante crê-se em infinita planície. Os traços de caráter que em geral constituem a forma essencial das bacias hidrográficas não se percebem em nenhum lugar. Além do mais, essa superfície, que se extende do Ocidente ao Oriente tem tão pouca inclinação que em Tabatinga, 1600 quilômetros acima da embocadura, o nível do rio atinge pouco mais do que 71 metros acima do nível do mar. Uma inclinação de um decímetro por hora é a regra no Amazonas. A inclinação é tão diminuta que a correnteza quase não pode ser notada em vários pontos e à direita e à esquerda se extendem grandes superfícies de água como se fossem lagunas nas quais a água quase que é parada." (loc.cit.)

Glaser também via a necessidade de corrigir entendimentos convencionais de termos geográficos no caso do Amazonas devido às características singulares da sua entrada no Oceano. Assim, pouco se poderia falar de desembocadura ou delta.

"Um outro marco característico dos rios , que falta no Amazonas, é uma embocadura. Numa linha de 300 quilômetros de comprimento o viajante nota que deixou o mar atrás de si, não que se encontra num rio, e sente também muito claramente a ação das marés. Também um delta o Amazonas não possui. Na sua embocadura não há acúmulo de lama que se conhece de outros rios antes de entrarem no mar. Formações de aluvião não surgem na desembocadura do Amazonas. Do ponto no qual o rio começa, as suas costas não são barro, mas sim de um material que permanece em todo o trajego do vale do rio. Esse material - placas de lama, pedra-areia e pedregulho - também há no Tocantins, Rio Negro, Tapajós e Jurua. Um plano segue a outro plano, e pode-se viajar centenas de horas sem que se perceba uma elevação ondulada." (loc.cit.)

Após oferecer esse quadro de imensa superfície plana de águas, os leitores alemães eram advertidos que mesmo assim a região não era monótona, mas oferecia ao viajante diversidade de impressões causadas pelo trajeto do rio e pelo labirinto de suas inumeráveis ramificações. Até mesmo as raras e relativamente pequenas elevações surgiam nessas condições como consideráveis na grande planície.

"Pode-se crer que uma paisagem dessas seja monótona, mas, aos poucos, percebe-se variações e diversidade. Isso é causado pelas inumeráveis curvas do rio e pela rêde indecifrável de seus braços e derivações. A planície infinita possui algumas colinas, aquela cerca de Almeirim, que chega a 200 metros de altura, aquela de Montalegro com 300. Como se elevam de uma imensa superfície, surgem como se fossem alpes. Até à altura dessas colinas, subia o lago interno em tempos pré-históricos formado pelo Amazonas. Em vestígios pode-se perceber que esse antigo lago alcançava até 100 horas a leste da atual desembocadura." (loc.cit.)

Entre as principais singularidades do Amazonas sob o aspecto geográfico, o autor menciona o fato de ser o único grande rio do mundo que corre do Oeste ao Leste. Era, nesse direcionamento, diferente do Mississipi na América do Norte e do Nilo na África, deles se diferenciando também pelo fato de correr numa mesma latitude, não cortando regiões de diversos climas. Entretanto, seguindo Agassiz, salienta um fenômeno derivado da queda das chuvas em diferentes períodos do ano nas diferentes regiões e que levava a diferenças relativamente ao volume de água dos diversos rios.

"O Amazonas é o único grande rio que corre do Ocidente ao Oriente. O Nilo corre do Sul ao Norte, o Missisippi do Norte ao Sul. Eles cortam diferentes latitudes, e os seus territórios possuem climas diversos. O Amazonas corre por assim dizer na mesma latitude, e o clima das terras que êle irriga é idêntico. As chuvas que caem nessa maior bacia fluvial do mundo não ocorrem no mesmo período do ano. No declive dos Andes bolivianos e nos planaltos a norte do Brasil o período das chuvas começa em setembro. Nos planos da Guiana chove em março. Nesse espaço intermediário de 6 meses, os rios crescem alternadamente do lado esquerdo e direito., Quando o Madeira, Purus e Xingu têm pouca água, o Napo, Iça e o Rio Negro estão cheios a transbordar, e vice-versa." (loc.cit.)

Comparações entre o Amazonas e o Mississipi. Ciência na propaganda do Amazonas

Por basear-se nos resultados de observações de viagem de pesquisas norte-americana, a atenção do artigo é dirigida mais especificamente a comparações com o Mississipi, em particular quanto à temperatura da água e do ar.

"O nível mais alto e mais baixo das águas é significativamente diferente. O nível mais alto é de 17, o mais baixo de 10 metros. Da mesma forma muda a velocidade, que sobe até 30 quilômetros em 24 horas e cai até 4 quilômetros e menos. A temperatura média da água atinge acima de 27 graus F., o máximo é 29 graus, o mínimo 26 graus. A temperatura do Mississipi superior cai no inverno abaixo de zero. Esse rio cobre-se com gelo, tão espesso que sobre êles pode-se andar não apenas com trenós leves, mas também com carroças puxadas por quatro animais. No verão, o termômetro naquelas águas indica 20 graus F. e mais. A diferença de temperatura do Mississipi superior é de 20 graus, enquanto nas águas do Amazonas no máximo 3 graus. Uma diferença pouco maior encont4ra-se na temperatura do ar. A temperatura média é de 28 a 29 graus F., a mais baixa de 25 graus, a mais elevada 33 graus, a diferença, assim, 33 graus. Na zona temperada ocorre que os extremos de temperatura representem uma diferença de 50 graus. Nos Estados Unidos não são raras mudanças de 30 graus numa hora." (loc.cit.)

Os leitores alemães recebiam através desse texto uma impressão singularmente positiva das condições de salubridade da Amazônia e das qualidades que oferecia para a vida humana - e assim para o povoamento - contrastando assim com a imagem que até então se tinha. Seguindo Agassiz, o autor salienta curiosamente sobretudo o agradável e saudável do clima, de uma atmosfera arejada por ventos refrescantes pela manhã e pelo cair da tarde. Apesar do calor ao redor do meio-dia, o homem chegava à noite bem disposto, sem sentir fadiga.

"O clima uniforme e húmido dessa imensa bacia fluvia é muito saudável. Em grande parte isso é devido à atividade quase que constante de um vendo que sopra regularmente do Leste ao Oeste. Constantemente domina um arejamento leve e suave e que produz uma evaporação que modera a temperatura e evita um grande aquecimento do solo. O constante e refrescante vento faz com que o clima do vale do rio seja agradável e mesmo apreciável. Pela manhã, a temperatur é fresca, o ar puro, pelo meio dia o calor torna-se intenso devido à ação direta dos raios solares, mas já pelas três horas volta o frescor, aumentando ao cair da noite. Essa mudança leve de temperatura despertam diferentes sensações no decorrer do dia, mas a impressão geral é favorável e nada se nota do cansaço que não deixa de haver depois de um dia de calor." (loc.cit.)

A intenção de Agassiz em acentuar as qualidades positivas da região amazônica, transmitidas por esse texto aos alemães, levava a uma correção da imagem negativa de uma "país de febres" que predominava nos Estados Unidos e na Europa. Essas febres, de fato existentes, não eram decorrentes das condições naturais, mas sim do modo de vida dos próprios habitantes, segundo Agassiz.

Merecedora de crítica seria a localização de aldeias à beira de águas paradas, fato que se explicava apenas pela indolência dos brasileiros. É essa languidez e a falta de vontade de trabalho que surgem como principais causas das dificuldades existentes para os habitantes e que determinava  uma baixa qualidade de vida.

Se a natureza do Amazonas era, assim, descrita com tintas altamente favoráveis, o mesmo não se dava com a cultura e a índole de seus habitantes. Sobretudo os hábitos alimentícios eram alvo de críticas, pois a forma de sua preparação faziam com que perdessem as suas qualidades nutritivas, contribuindo à debilitação do homem.

"Agassiz demora-se mais nesse ponto, pois o clima do Amazonas é descrito por todos os viajantes como um dos mais insalubres. "É a terra da febre", dizem todos. Expõe-se de fato ali às febres, e em certos locais elas dominam constantemente, mas a culpa deve ser dada aos próprios habitantes, a seus costumes, a seu modo de vida e à sua alimentação, menos à natureza ou ao clima. Eles constroem as suas aldeias em lagunas e bebem a água das mesmas, paradas, cheias de matérias em putrefação só porque são tão preguiçosos ir buscar água fresca há alguns passos dal. Em todo o Amazonas cresce um capim forte e vigoroso, mas a pecuária é pouca e as reses existentes ou são exportadas ou são vendidas aos vapores. Durante todo o ano os habitantes vivem de peixes mal-salgados, com os quais não comem verduras; a sua farinha d'água, que a não ser no nome nada tem em comum com outra farinha e que com as muitas lavagens perdem totalmente o seu valor nutritício. Esse peixe é preparado numa gordura salgada e rançosa importanda da América ou da Inglaterra e que é chamada de manteiga. Essa forma de alimentação e o beber água insalubre são responsáveis pela febre e pelas doenças que sofrem os moradores do vale." (loc.cit.)

A consideração desses textos relativos à recepção da notícia da abertura do Amazonas e de outros rios brasileiros na Amazônia revelam elos entre concepções de liberdade de comércio e de consequentes superações de barreiras em nome do desenvolvimento que tanto marcam relações entre a Alemanha e o Brasil, o aumento de interesses pelo país, de sua pesquisa e estudo, assim como do uso de conhecimentos para uma propaganda com a finalidade de promoção de assentamentos e empreendimentos.

Os elos que vêm sendo estudados entre um edifício de pensamento no qual a liberdade de persecução de interesses pelo homem no mundo natural marcado pela luta e o seu direito e mesmo dever de defendê-la podem ser assim exemplificados de forma ideal no caso do Amazonas.

Tais convicções levam por fim a uma desqualificação daqueles que não correspondem aos critérios assim fundamentados do homem cuja vida é de luta e trabalho em meio a ser dominado e que surgem como indolentes, preguiçosos, sem espírito empreendedor. Essas considerações trazem à consciência a atualidade de análises diferenciadoras de todo o edifício de concepções que vinculam o conceito de liberdade do homem com o liberalismo econômico e político.

Cíclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Da liberação do Amazonas à navegação comercial na sua recepção na Alemanha do século XIX. O "livre comércio" como constante na história das relações entre a Alemanha e os países latino-americanos. Relendo textos de Adolf Glaser (1829-1915) I". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 141/9 (2013:1).
http://revista.brasil-europa.eu/141/Alemanha-Brasil-Abertura-do-Amazonas.html