Hispanicidade na cultura creola
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 155

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 155/14 (2015:3)



Hispanicidade na cultura creola

e suas repercussões em desenvolvimentos artísticos na Europa e no Brasil do século XX
Ambroise Vollard (1866-1939) de Saint-Denis


Estudos promovidos pela A.B.E. no Musée Léon-Dierx de Saint-Denis, La Réunion
pelos 450 anos do Rio de Janeiro e 350 anos da chegada dos franceses nas Mascarenhas


 
Seychelles. Foto A.A.Bispo 2015. Copyright
Os estudos promovidos pela A.B.E. no Índico, em 2015, procuraram considerar processos culturais que permitem reconhecer e analisar paralelos e relações entre essa esfera do globo e o Brasil por motivo das comemorações, no Brasil, dos 450 anos do Rio de Janeiro e, na França, em particular em Saint Malo, dos 350 anos de chegada dos franceses nas Mascarenhas. (Veja)

Esta última data, dizendo respeito à colonização francesa no Índico, cujos elos com o Brasil já se demonstram na vida e ações de desenvolvimento colonial do seu principal vulto, Mahé de La Bourdonnais (1699-1753) (Veja), dirige a atenção a processos coloniais em relações globais.

A data surge sob signo positivo compreensivelmente na França e no seu departamento ultramarino de La Réunion. Em Maurício e nas Seychelles, países que alcançaram há algumas décadas a independência do poder colonial britânico, a lembrança da colonização francesa diz respeito não só a uma fase mais remota da sua história, como também à francofonia e a continuidades e substratos franceses em expressões culturais e em desenvolvimentos no pensamento, na literatura e nas artes.

O creolo como idioma e a cultura creola em geral adquirem assim compreensivelmente grande relevância na atualidade, tanto obviamente no departamento ultramarino da França, a antiga Île de Bourbon, como naqueles países que procuram fortalecer uma identidade e imagem nacional em período pós-colonial da presença britânica, recorrendo, para isso, às formas de falar, modos de vida e expressões culturais tradicionais, remontantes a processos culturais desencadeados em mais remoto passado.

Exemplo principal do significado político-cultural para os respectivos países e para as relações internacionais desse desenvolvimento é o fato das Seychelles ter instaurado o creolo como primeiro idioma oficial e abrigar um Instituto Creolo que, por iniciativas de La Réunion, adquiriu recentemente feições internacionais. As Seychelles compreende-se, assim, como capital do Criolo nas suas dimensões globais. (Veja)

Como considerado nos encontros realizados nesse país, deve-se dar particular atenção à conceituação desse termo, uma vez que o uso corriqueiro no Brasil diferencia-se daquele de países hispano-americanos e da própria esfera creola do Caribe e do Índico. Compreendido apenas nas suas relações com a mestiçagem e sugerindo posições sociais desprivilegiadas ou subalternas, o uso brasileiro do termo implica numa redução do seu significado, atentando apenas ao fato de os já nascidos no mundo extra-europeu das colonias serem em geral frutos de uniões de europeus e nativas.

O foco das atenções, porém, deve ser dirigido a questões de identidade e de processos psicológicos e culturais de expressões de orgulho da terra e afirmação daquele nascido nas colonias, branco ou não, pertencente em geral às camadas dirigentes ou socialmente mais altas da sociedade colonial, com condições e disponibilidae de tempo livre para o cultivo da literatura, da música, das artes e da vida social segundo correntes européias avançadas. nobilitadoras ou de moda. Essa vida social e cultural em círculos dirigentes da sociedade colonial desempenhou funções de modêlo irradiador de impulsos que explicam a sua difusão em camadas mais simples da população, movidas por anelos de ascensão, e que possibilitaram a permanência de expressões na tradição popular.

Essa compreensão ampla do termo nas suas relações com processos culturais traz à luz a redução que também deriva de uma perspectiva que parte primordialmente da língua dos estudos creolos, uma posição teórica que vem de encontro a interesses de valorização da francofonia e, compreensivelmente, político-culturais franceses.

Como uma das principais expressões culturais do mundo insular índico, considerada como importante fator de identidade e da imagem de diferentes países, a sega, como música, dança e elementos encenatórios, tematiza continuidades remontantes a períodos da formação da sociedade colonial no Índico. (Veja) Esses elos como uma época mais remota da história colonial, anterior àquela marcada pelo domínio  britânico instaurado no início do século XIX e do qual os países que se tornam independentes procuram se emancipar, não são, porém, compreensivelmenze considerados como derivados da vida social e cultural de colonizadores, que dispunham de tempo livre, e que posteriormente teriam sido recebidos pelas camadas menos privilegiadas da sociedade, mas sim como expressões provenientes de escravos africanos. Estas teriam sido a posteriori modificadas com a recepção de elementos culturais dos colonos. Um processo por assim dizer descendente passa a ser interpretado como ascendente, primordialmente de recepção de expressões de escravos pela sociedade dirigente. Uma visão romântica de valorização de tradições orais e populares parece poder explicar essa interpretação de proveniências e de processos receptivos, o que leva a visões deturpadas, a êrros, a instrumentalizações de cunho ideológico e a contradições com o creolo e os anelos de valorização da cultura creola. Esse fato não implica, porém, que a própria expressão não tematize relações com o „negro“ no sentido simbólico-antropológico do termo, contextuado em outras situações e cultivado pelos altos círculos da sociedade.

Nos estudos realizados no Madagáscar (Veja), considerou-se uma das principais fontes históricas que permitem o esclarecimento desse complexo de questões relacionado com a sega: a sua menção em relatos de Ida Pfeiffer (1797-1858). (Veja) Essa viajante teve a oportunidade de presenciar a execução dessa dança na Côrte malgache em baile de costumes históricos realizado em homenagem a empreendedor francês, em meados do século, já então apresentada como „dança nacional“, nela porém claramente reconhecendo tratar-se de dança de temática árabe, muito amável aos olhos europeus. Essa menção testemunha a recepção do ibérico através de sua recepção francesa na sociedade palaciana malgache que se guiava segundo modêlos franceses. (Veja)

O reconhecimento de Ida Pfeiffer de que a sega não representava uma dança africana, foi possibilitado sobretudo pela sua impressão visual - não tanto musical. Como em muitos outros casos já estudados, música e instrumentos musicais servem primordialmente como atributos sinalizadores de sentidos do edifício de imagens subjacente, podendo ser modificados segundo contextos e possibilidades. Partir da música para a fundamentação de hipóteses de origens corre o risco, assim, de levar a suposições inadequadas e a falsas visões de desenvolvimentos.

A discussão relativa a essa importância do visual e do imagológico na sega foi retomada nos estudos do Índico que tiveram continuidade nas Seychelles e em La Réunion, conduzida em particular no principal centro de estudos de pinturas e imagens do Índico, o Museu Léon-Dierx, em Saint-Denis. (Veja)

Esse museu possui uma obra que traz à consciência o significado da temática ibérica na história da arte francesa e na sua assimilação na esfera colonial entre aqueles que, ali nascidos, não apenas mantinham tradições francesas, mas seguiam com atenção os desenvolvimentos na cultura e nas artes, manifestando, no ímpeto auto-afirmativo, até mesmo expressões „mais francesas“ do que as francesas.

Trata-se de uma obra de Francisco Iturrino González (1864-1924), pintor espanhol que nasceu em Santander e faleceu na França e que é visto como importante representante do Fauvismo, amigo de Henri Matisse (1869-1954), precursor e principal vulto desse movimento. Essa obra traz à luz paralelos e relações entre a atmosfera iluminada e vivacidade de cores a Espanha e o Sul da França com essa corrente que, na sua própria denominação, relaciona-se com a atmosfera de feiras espanholas. No contexto do Índico, o observador surpreende-se em perceber uma afinidade entre a representação das espanholas e de elementos da paisagem com as suas palmeiras com as participantes da sega em ilhas tropicais marcadas pela abundância de coqueiros da colonia francesa. Os chales das espanholas têm a sua correspondência de forma estilizada em lenços, tiras de pano ou mesmo cordões utilizados pelas dançarinas de sega, também elas portadoras de flor no penteado, nos seus gestos e movimentos.

A obra foi doada ao museu de Saint Denis por Ambroise Vollard (1866-1939), nascido e formado nessa cidade e que, na França, tornou-se um dos maiores colecionadores de arte, galerista em Paris, fomentador da obra de muitos artistas de sua época e autor de livros sobre arte. A valorização de obras de arte e tendências artísticas contemporâneas por êle possibilitada sugere relações que deveriam ser mais profundamente estudadas entre a sua formação em meio colonial e a sua atuação em Paris. Processos culturais da colonia teriam assim atuado de forma relevante no desenvolvimento da arte contemporânea e na alta avaliação de obras no mercado internacional.

De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos reservados

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „Hispanicidade na cultura creola e suas repercussões em desenvolvimentos artísticos na Europa e no Brasil do século XX. Ambroise Vollard (1866-1939) de Saint-Denis“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 155/14 (2015:03). http://revista.brasil-europa.eu/155/Hispanicidade_na_cultura_creola.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

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Fotos A.A.Bispo, Seychelles e La Réunion
2015 ©Arquivo A.B.E.