Toscana-Áustria-Baviera-Piemonte

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 159/1

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 159/1 (2016:1)



Tema em debate


Toscana-Áustria-Baviera-Piemonte
Interações ítalo-austríaco-alemãs em relações com o Brasil

Ciclos de Starnbergersee na atualidade de datas comemorativas:
200 anos do Congresso de Viena (1814/1815)
e 150 anos de Florença como capital do Reino da Itália (1865)



 
Starnbergersee. Foto A.A.Bispo 2016

A.A.Bispo
Abrindo os trabalhos euro-brasileiros de 2016, realizaram-se, pela passagem do ano, em Munique e em localidades de sua irradiação, em particular naquelas do lago de Starnberg, ciclos de estudos dedicados a relações músico-culturais entre o mundo de língua alemã e italiana sob o aspecto de suas repercussões no Brasil.

Com esses estudos, estabeleceu-se uma ponte entre grandes datas históricas relembradas no presente e os trabalhos que deverão marcar as atividades de 2016 nos estudos culturais em relações euro-brasileiras.

Buchheim-Museum. Starnberg. Foto A.A.Bispo 2016

200 anos do Congresso de Viena ofuscados pelos 100 anos da Primeira Guerra

Como relatado em vários artigos de edições anteriores da Revista Brasil-Europa, o centenário da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) vem determinando os estudos de processos culturais em relações internacionais da atualidade. (Veja)

Essa guerra, marcando o fim da antiga ordem européia, representou uma cisão em desenvolvimentos, mudanças de configurações políticas e referenciais culturais de fundamental significado para a história política, intelectual, cultural e científica dos últimos cem anos de muitos países, entre êles o Brasil.

Para poder-se compreender e analisar as dimensões dessas transformações, torna-se necessário trazer à consciência a situação anterior. Esta surge primeiramente como ápice de extraordinários desenvolvimentos em todas as áreas de conhecimentos e das artes, de uma vida cultural e social de brilho nas grandes metrópoles em anos que ficaram na memória como sendo o da Belle Epoque. (Veja)

Esses anos foram também aqueles da grande metamorfose urbana do Rio de Janeiro, quando a então capital do Brasil adquiriu a sua configuração que marcou a imagem do país nas décadas que se seguiram. Foi época de grandes esforços de propaganda e projeção do Brasil republicano como nação que desejava se apresentar como evoluída, de ordem, progresso e futuro, rica pelos seus recursos naturais e agrícolas, do apogeu do café e da era áurea da borracha, embora ainda imersa em crise econômica. (Veja)

Não apenas o brilho desses anos anteriores a 1914 devem ser considerados, mas também as tensões e conflitos, os problemas sociais e  políticos, as revoltas e uma atmosfera de saturação e ímpetos de mudança que marcaram o início do século. Essas tensões não eram recentes, mas de longa data, eram pré-existentes, intrínsecos ou reações à ordem estabelecida, trazendo em si a potencialidade de eclosões.

A lembrança da Guerra de 1914-1918 ofuscou até agora aquela dos 200 anos do Congresso de Viena de 1814-1815 nos trabalhos voltados a análise de relações culturais entre a Europa e o Brasil.

Este congresso, porém, não pode ser esquecido. Êle foi de extraordinário significado para a história do século XIX - e para a idéia da Europa. Também êle representou, cem anos antes, uma cisão em desenvolvimentos, mudanças de configurações políticas e de referenciais culturais de fundamental significado para o Brasil. Não foi guerra, mas resultado de guerras, disposto a garantir um período sem guerras.

Também êle marcou o fim de uma situação, aquela da era napoleônica na sua decorrência da Revolução Francesa que derrubara a antiga ordem e que passava a ser restabelecida sob muitos aspectos.

O Brasil - uma vez que nele ainda se encontrava a Côrte portuguesa - adquire relevante papel nesse congresso por excelência da Restauração. O estudo de processos culturais em relações Europa-Brasil não pode deixar de considerá-lo com especial atenção devido às suas consequências para as instituições e desenvolvimentos científicos, culturais, artísticos e musicais no Brasil.

Basta aqui lembrar que um dos principais músicos desse congresso "que dançava", no qual a música adquiriu tão grande significado: Sigismund von Neukomm (1778-1858). Neukomm atuou como professor e compositor no Rio de Janeiro, formando e influenciando aristocratas, músicos e determinando desenvolvimentos como um verdadeiro diplomata cultural. (Veja)

Reconsiderando C. L. W. Metternich (1773-1859) na Áustria - Maria Saal

O grande vulto do Congresso e da ordenação européia por êle instaurada no espírito da Restauração foi Clemens L. W. Metternich (1773-1859), austríaco de origem alemã do Reno, uma das mais influentes personalidades da história política austríaca e internacional como diplomata e Ministro do Exterior, do conservativismo e da consolidação de uma Europa de pequenos estados monárquicos sob a liderança austríaca.
O "sistema Metternich", imbuído a idéia do equilíbrio das potências para a garantia da paz, determinou em grandes linhas
a ordem européia que foi derrocada apenas na hecatombe de 1914-1918. No seu sentido mais restrito, esse sistema, que procurou cada vez mais controlar e oprimir tendências opostas, liberais e nacionais, levou às revoluções de 1848 e à sua própria queda.
Pelo significado de Metternich, o seu sistema e suas consequências para o Brasil, a passagem do bi-centenário do Congresso de Viena foi iniciado nos estudos euro-brasileiros
com sessões de estudos levados a efeito na Áustria, em 2014. Esses estudos basearam-se na leitura de obra do autor austríaco Humbert Fink (1933-1992) na sua própria  região, Caríntia, em particular em Klagenfurt e em Maria Saal, a localidade onde faleceu.(Metternich: Staatsmann, Spieler, Kavalier, Munique: Paul List/Südwest Verlag, 1989)

Fink inicia a sua biografia lembrando da Toscana, mais especificamente de Florença, onde nasceu Francisco II (1768-1835), da casa de Habsburg-Lotríngia, último Imperador do Santo Império Romano-Germânico (1768-1835), e, como Francisco I, primeiro imperador da Áustria (1804-1845. foi celebrado musicalmente por missa composta no Rio de Janeiro por Sigismund von Neukomm a pedido de sua filha Dona Leopoldina (1797-1826), Arquiduquesa da Áustria e posteriormente primeira Imperatriz do Brasil (1797-1826). (Cf. A.A.Bispo, "Die Missa Solemnis sub titulo Sancti Francisci von Sigismund Ritter von Neukomm (1820)", Leichlinger Musikforum 3,1984, 21-78)

Um ano após o nascimento de Francisco em Florença, em 1769, e de novo em 1775, José, o filho de Maria Teresa (1740-1780) e co-regente da Áustria, visitou Florença, o que poderia ser visto, segundo Fink como chave para o futuro destino da monarquia. (op. cit. 9)

150 anos de Florença como capital do Reino da Itália

Esse significado da Toscana, em particular de Florença para a Áustria salientado por Humbert Fink adquiriu particular relevância devido à comemoração, em 2015, dos 150 anos de Florença como capital do Reino da Itália (1865-1871).

Essa data dirigiu a atenção ao movimento de unificação italiana, à instauração do estado nacional que combateu e superou a suserania austríaca norte-italiana e assim a ordem restaurada pelo Congresso de Viena.

Os estreitos vínculos culturais com a esfera de língua alemã da Toscana e de Florença em particular não foram, porém, dissolvidos com a mudança política e as transformações modernizadoras de Florença que levou a demolições, novas construções e aberturas de espaços.

As interações passaram por transformações e redirecionamentos, intensificando-se elos com a vida intelectual e artístico-cultural do sul da Alemanha, em particular de Munique, o que se manifestou, reciprocamente, na presença alemã em Florença e na recepção de tendências do pensamento e das artes, assim como do cultivo dos clássicos alemães.

É essa dinâmica transformatória nas interações entre a Europa de língua alemã e a Itália nacional na segunda metade do século XIX e início do XX que merece particular atenção em anos que relembram tanto o Congresso de Viena como a Primeira Guerra Mundial.

Analisar diferenciadamente processos culturais da Toscana dessas décadas surge como de importância para os estudos relacionados com o Brasil, uma vez que foram nelas que se intensificaram os elos  recíprocos, em particular através de Dom Pedro II (1825-1891).

Os dados registrados pela correspondência diplomática do Império permitem reconhecer o significado das artes de Florença nas relações culturais com o Brasil. Eles permitem identificar e considerar nomes de artistas e instituições, em particular daqueles da Escola de Belas Artes florentina que ofereceram obras e que mantiveram contato com o Brasil. (Veja)

Esses dados foram considerados em diferentes ocasiões dos trabalhos euro-brasileiros voltados a Florença e que incluiram várias viagens à esta e outras cidades da Toscana nas últimas décadas. Por motivos das atuais comemorações, torna-se oportuno recapitular alguns dos aspectos desses estudos e rever imagens, hoje já históricas, de momentos dessas estadias de estudos em Florença.(Veja)

450 anos de Galileo Galilei (1564 -1641/2) - Pisa e Florença

Os elos entre Florença e o Brasil não se limitaram às artes, mas abrangeram também a literatura, a história e as ciências naturais e aplicadas. À luz das comemorações dos 450 anos de Galileo Galilei, em 2014, pareceu ser oportuno lembrar sobretudo das relações na área da astronomia, ciência que passou por considerável desenvolvimento na Itália no século XIX.

O Osservatorio de Florença, um dos grandes centros astronômicos do páis, foi uma das instituições que mantiveram contato com o Brasil através de fornecimento de aparelhos e informações de significado meteorológico, contribuindo assim ao desenvolvimento da área no Brasil, em particular do Observatório Imperial.

Considerando que o Osservatorio foi levantado na região florentina de morte de Galileo Galilei, mas que este nasceu em outra cidade toscana - Pisa - realizou-se, em 2014, uma visita a instituições superiores e de pesquisa dessa cidade.

Esses trabalhos euro-brasileiros em Pisa tiveram o objetivo de considerar a grande tradição científica de uma cidade cuja universidade é uma das mais prestigiadas da Itália e cujo nome se encontra presente no debate educativo do presente através dos "Estudos de Pisa". (Veja)

100 anos da morte de Giuseppe Buonamici (1846-1914)

É nesse contexto de elos artísticos, intelectuais e científicos entre a capital da Toscana e o Brasil que devem ser consideradas a formação, a vida e a obra de um vulto da história da música do Brasil que obteve a sua formação em Florença: Henrique Oswald (1852-1931).

Nascido no Rio de Janeiro, de nacionalidade suíça, tendo obtido a sua primeira formação em São Paulo e a seguir em Florença, onde foi auxiliado financeiramente durante anos por Dom Pedro II - apenas posteriormente adquiriu a nacionalidade brasileira -, Henrique Oswald constituiu objeto de atenções desde o início do programa euro-brasileiro na Alemanha, em 1974.

O interesse dado à pesquisa as relações teuto-italianas no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia, em particular através do Prof. Dr. Karl-Gustav Fellerer (1902-1984), especialista nesses estudos, levou à consideração mais aprofundada das correntes em que se inseriu a formação de Henrique Oswald através de seus professores em Florença. Nascido em Freising, na Baviera, Fellerer possuia a sensibilidade aguçada para o reconhecimento de situações, tendências e expressões indicadoras de proximidades e interações ítalo-alemãs, em particular entre Munique e Florença.

Os elos entre as duas cidades manifestam-se da forma mais evidente em monumento que marca a configuração urbana de um de seus principais espaços. A Feldherrnhalle, uma Loggia na Praça do Odeon em Munique, construída entre 1841 e 1844 por ordem do rei Luís I (1786-1868), representa em concepção e arquitetura quase que uma reprodução da Loggia dei Lanzi, de Florença, originalmente conhecida como Loggia de' Priori or della Signoria, construídá 1376 e 1383 por Benci di Cione e Simone di Francesco Talenti.

Fellerer reconheceu, assim, de imediato que o fato de ter sido Giuseppe Buonamici o principal professor de Henrique Oswald, a formação deste italo-teutosuíço nascido no Brasil deveria ser de início considerada sob a perspectiva de desenvolvimentos alemães. Giuseppe Buonamici, antes de se tornar influente personalidade na vida musical de Florença e da própria erudição musical italiana, - conhecido no Brasil através das obras clássicas por êle revistas e editadas adotadas no ensino do piano -, estudara e atuara em Munique, tendo como mentor Hans von Bülow (1830-1894).
É a H. von Bülow que a atenção devia ser assim primordialmente dirigida a considerar-se H. Oswald, ou seja, a um dos mais destacados pianistas de sua época, discípulo e propagador da música de R. Wagner (1813-1883), erudito editor de clássicos, sobretudo de L. v. Beethoven (1770-1827), formador de músicos, promotor de Johannes Brahms (1833-1897), uma personalidade de projeção internacional que determinou sobretudo a história da regência e da interpretação orquestral. (Veja)

Se Hans von Bülow foi - por mediação de Buonamici - "mentor de mentores" de H. Oswald, foi êle de forma mais direta orientador de outro compositor e professor brasileiro: Paulo Florence (1864-1949).

O significado que Hans von Bülow adquire assim para os estudos histórico-musicais referentes ao Brasil nas suas relações com a Europa, considerados nos encontros com Fellerer, levaram a que fosse estudado com atenção quando da participação brasileira no centenário da Casa dos Festivais de Bayreuth, em 1976. (Veja)

Também o pianista húngaro Henri Ketten (1848-1883), sempre mencionado como um dos professores de Henrique Oswald, pertencia ao rol daqueles que tiveram Hans von Bülow como mentor. (Veja)

Esse pianista-compositor, lembrado apenas como menino-prodígio e brilhante virtuose, mereceria ser reconsiderado por qualidades que denotavam a orientação de von Bülow quanto ao domínio da linguagem de diferentes compositores e épocas, resultados de profundos estudos de obras. Henri Ketten, que atuou em diferentes países da Europa, na Turquia, no Norte da África, nos Estados Unidos e na Oceania, foi objeto de atenção nos estudos, cursos e seminários voltados ao desenvolvimento de uma musicologia em contextos globais. Foi assim considerado em diferentes ocasiões, em bibliotecas da Austrália e Nova Zelândia e, em particular, no Museu de Instrumentos Musicais de Budapest, em 2013.

Hans von Bülow foi também professor de Hugo Bußmeyr (1842-1912), pianista que, tendo atuado internacionalmente, radicou-se no Rio de Janeiro, onde foi nomeamdo mestre da Capela Imperial, cargo que ocupou até a proclamação da República. O seu irmão Hans A. H. Bußmeyer (1853-1930) foi destacada e influente personalidade da vida e do ensino musical em Munique, membro da sociedade que ali promoveu concerto de H. Oswald no inicio do século XX.

Pela passagem de centenários dos discípulos de H. von  Bülow - da morte de G. Buonamici e de nascimento de Paulo Florence - surgiu como oportuno recordá-lo, em 2015, na cidade que mais cultua a sua memória: a antiga cidade-residência ducal de Meiningen, na Turíngia.

No palácio Elisabethenburg do antigo Ducado, encontra-se instalado museu voltado à história da música da cidade, em particular à sua Orquestra da Côrte (Hofkapelle), cuja excelência foi devida sobretudo a H. v. Bülow, que com ela estabeleceu com ela normas de regência e interpretação que passaram a vigorar internacionalmente, também no Brasil. (Veja)

200 anos de Gioacchino Maglioni (1814-1888)

O ano de 2014 foi o do centenário de outra personalidade da história musical de Florença, Gioacchino Maglioni, o professor de órgão de Henrique Oswald. O seu nome dirige a atenção à música sacra em Florença em época de anelos de renovação restaurativa da música nas igrejas, criticada como teatral e decadente. (Veja)

Tendo sido o estudo desses desenvolvimentos - que também marcou o século XIX no Brasil - um dos principais objetivos de pesquisas iniciadas no Brasil e prosseguidas na Europa a partir de 1974, (Veja) compreende-se ter emprestado particular atenção às transformações estilísticas e de concepções litúrgico-musicais na obra de compositores de Florença. (Cf. A.A.Bispo,◦"O século XIX na pesquisa histórico-musical brasileira: Necessidade de sua reconsideração", Latin American Music Review (The University of Texas) 2/1 (1981), 130-142

Essa atenção foi favorecida pelos elos com a Alemanha dos maiores vultos da música sacra de Florença, Luigi Cherubini (1760-1842) e Luigi Ferdinando Casamorata (1807-1881) que, assim, despertavam maior interesse na Musicologia alemã.

Sob o pano de fundo desses trabalhos, a música sacra de Henrique Oswald foi considerada com maior cuidado no Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira", levado a efeito em São Paulo, em 1981. Considerou-se, nessa ocasião, a ação na sua obra religiosa tardia de influências posteriores de outras proveniências, recebidas já no Brasil, sobretudo do movimento ceciliano que teve em Ratisbona/Regensburg um de seus principais centros de irradiação. (Veja)


200 anos de Dom Bosco (1815-2015) - de Benediktbeuern a Turim

Um outro jubileu que chamou a atenção nos estudos euro-brasileiros a contextos que relacionam a Alemanha, a Itália e o Brasil: o de Dom João Bosco, o fundador da ordem salesiana.

A exposição organizada no centro salesiano no antigo mosteiro beneditino de Benediktbeuern, na Baviera Superior, trouxe à consciência, pelos contrastes entre o local - um dos mais magníficos monumentos do Barroco na arquitetura e nas artes - e a obra e o espírito de Dom Bosco, a sua inscrição temporal e regional em desenvolvimentos norte-italianos do século XIX. Ali se realizaram duas sessões de estudos em 2015, a segunda por ocasião do encerramento dos trabalhos desse ano.

Do mundo idílico da Baviera, de edifício que ainda transmite a espiritualidade beneditina na sua expressão de esplendor do século XVIII, o olhar se volta à capital do Piemonte, centro industrial do Reino da Itália, marcado pelo liberalismo econômico, pela livre iniciativa, pela atividade fabril, pelos problemas sociais que acarretou e que teve a sua manifestação em protestos e revoltas.

Com o reconhecimento dessa inserção da ação missionária salesiana no contexto de um centro da industrialização do Reino da Itália nacional e liberal, a ação educativa dos salesianos e os processos de transformação cultural das missões italianas na América do Sul surgem sob nova luz.

Dando continuidade aos estudos das atividades salesianas na história e no presente do Brasil já desenvolvidos em diferentes contextos nas décadas passadas, a atenção é despertada para a primeira mostra da indústria artesanal e do trabalho em missões indígenas levada a efeito em Turim, em 1898. (Veja)

É significativo que na Esposizione nazionale italiana de 1898 tenha sido realizada a primeira mostra ítalo-brasiliana da indústria e do trabalho de imigrantes italianos no Brasil (Veja) e, concomitantemente, uma exposição de arte sacra.

Com essa primeira mostra da produção e das atividades de italianos no Brasil em fins do século XIX, essa exposição adquire uma especial relevância para os estudos da imigração italiana no Brasil.

Já em São Paulo, em 1973/74, ao tratar-se da música na evolução urbana da metrópole, tinha-se constatado esse significado da representação dos empreendimentos italianos na exposição no exemplo da Vila Prudente (de Morais) então surgida. (Veja)

A nova atenção dada a Turim no presente, permite reconhecer as inserções desse evento e da mostra brasileira no contexto político do cinquentenário do Statuto Albertino, e assim de uma época marcada pelo liberalismo, pelo empreendedorismo, pelo orgulho nacional e pela italianidade acima de fronteiras. Os cem anos a morte de Tommaso Villa (1829-1915), político que desempenhou importante papel na realização do evento, sendo um dos mais destacados representantes da Maçonaria italiana, fazem com que esses estudos adquiram atualidade.

100 anos de morte do arquiteto e pintor Alfredo d'Andrade (1839-1915)

A Organalia 2015 de Turim, realizada pela Expo 2015 de Milão, trouxe à lembrança a Exposição de Turim de 1884, considerando, entre outros aspectos, a construção italiana de órgãos (Vegezzi-Bossi) que também foram exportados ao Brasil.

O mais significativo dessa exposição de 1884, porém, foi a construção do Borgo Medievale no principal parque da cidade, o Parco del Valentino, edificação que se tornou um dos principais edifícios emblemáticos de Turim, de importância para a história cultural da arquitetura e do historismo do século XIX.

O projeto desse burgo foi sobretudo obra do arquiteto e pintor português Alfredo d'Andrade, lembrado em 2015 pela passagem dos cem anos de sua morte.

É digno de atenção que um artista e erudito português tenha-se tornado um dos mais profundos conhecedores da história regional e do patrimônio medieval italiano, assim como um dos mais destacados vultos do conservacionismo, restauracionismo e de intuitos recriadores de obras do passado idealizado da Itália da época da sua unificação nacional.

A opção pela construção não de um pavilhão em mistura de estilos regionais, mas a de um burgo típico, modelar, do Quattrocento idealizado do Piemonte para a exposição de 1884 reflete uma determinada concepção histórico-cultural a serviço de uma orientação política nacional que se refletiu em outras construções similares.

Em aproximações comparativas, constatam-se aproximações e paralelos quanto a concepções histórico-paisagísticas entre o burgo medieval de Alfredo d'Andrade de Turim nas suas concepções e inserção paisagística e o Palácio das Indústrias no Parque Dom Pedro II em São Paulo. (Veja)

10 anos de ciclo de estudos em Turim pelos Jogos Olímpicos de 2006

Essa atenção que se volta a Turim no corrente ano faz com que se torne oportuno recordar estudos desenvolvidos na capital do Piemonte às vésperas da realização dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2006.

Naquela ocasião, apresentando-se cidade como centro de eventos internacionais, tratou-se da Exposição Internacional de Indústria e do Trabalho de 1911, onde o Brasil se fêz representar de forma expressiva com a construção de um pavilhão opulento, de altas qualidades construtivas e estéticas, onde atuaram os mais destacados artistas formados pela Escola Nacional de Belas Artes. (Veja)

A música desempenhou um papel relevante no programa cultural da exposição, nela estando presentes renomados regentes, intérpretes e compositores. O Brasil foi representado musicalmente por Henrique Oswald, e o sucesso que êle e seus filhos alcançaram não foi fator sem significado que levaram à mudança da família para o Brasil.

A demolição desse pavilhão brasileiro e a perda de obras de arte para êle realizadas podem ser consideradas hoje como uma sensível perda patrimonial.

Essa constatação adquire uma particular atualidade considerando-se o debate sobre o desperdício de recursos com construções representativas mas efêmeras por ocasião de exposições e jogos. A problemática estética dessa arquitetura efêmera, circunstancial, estreitamente relacionada com representações de nações, relaciona-se com o seu cunho encenatório, trazendo questões de teatralidade na construção da realidade para o centro das discussões.

A encenação de nações que marcou as margens do Po com a série de pavilhões levantados e que podiam ser contemplados a partir do rio permite ser considerada em relação com aquela de teatros. Esse procedimento favorece reflexões quanto às relações distintas em ambos os casos entre o objeto e o observador, assim como entre música e arquitetura. (Veja)

Para a discussão dessas questões, foi oportuna a visita de Meiningen, pois esta cidade não é só aquela do culto da memória de grandes músicos - como H. von Bülow - como também a de uma grande tradição teatral, hoje considerada em museu específico, dedicado ao "mundo encantado dos cenários". (Veja)

Teceram-se ali reflexões sobre o cunho cênico da arquitetura efêmera de exposições e jogos a serviço da representação de nações, que, no caso do Brasil, teve um de seus mais magníficos exemplos no pavilhão de 1911. Nele, o país expunha os seus produtos em encenação opulenta ao  Exterior e a República Brasileira demonstrava desenvolver o seu comércio e sua indústria guiada pela ordem e pelo progresso, na pujança estilística do Neobarroco e da modernidade floreal da Belle Epoque.

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..“ Toscana-Áustria-Baviera-Piemonte. Interações ítalo-austríaco-alemãs em relações com o Brasil “
.Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 159/1 (2016:01). http://revista.brasil-europa.eu/159/Toscana-Austria-Brasil.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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Starnberg, Buchheim-Museum 2016.
No texto: Starnberg, Maria Saal, Florença, Pisa, Munique, Meiningen, Benediktbeuern, Turim.
Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.