Relações e paralelos malgache-brasileiros
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Madagáscar. FotosA.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..

 

154/1 (2015:2)

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Relações e paralelos malgache-brasileiros
riquezas e a realidade da pobreza em duas terras descobertas pelos portugueses

Estudos internacionais pelos 450 anos do Rio de Janeiro 2015



 
Pelos 450 anos do Rio de Janeiro, celebrados no corrente ano, a Revista Brasil-Europa procura trazer à luz contextos, desenvolvimentos e fatos pouco conhecidos ou considerados nos estudos culturais sob o aspecto de suas relações com a antiga capital do Brasil.


Procura, como é do seu procedimento, fugir de lugares comuns e abrir novas perspectivas e áreas de estudos.


Com esse intento, foram promovidos em janeiro e fevereiro de 2015 ciclos de estudos por pesquisadores da A.B.E. e do I.S.M.P.S. no mundo insular do Índico.


Os estudos preparatórios, as viagens e os trabalhos em diferentes países da região foram possibilitados pela fundação que mantém ambas as instituições: a Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais.


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A preparação do projeto e a elaboração posterior dos relatos puderam ser desenvolvidas a partir de materiais conservados no Arquivo Intercultural do Centro de Estudos Brasil-Europa da A.B.E.(Veja).


Nesse acervo encontram-se também trabalhos relacionados com o Índico desenvolvidos em eventos internacionais e em cursos em universidades alemãs em cooperação com o I.S.M.P.S. nas últimas décadas, tais como Música no Encontro de Culturas, História da Música em Contextos Globais, História dos Descobrimentos e das
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Missões, Estudos de Processos Transculturais,  Cultural Studies, World Music e globalização, Música na Oceania e aqueles dedicados à Música nas Religiões do Mundo e em geral à Ciência das Religiões e a Estudos Missiolgicos no passado e no presente.


As pesquisas e visitas a instituições e locais de interesse cultural, os encontros e diálogos apenas puderam ser desenvolvidos com cooperações na própria região. Agradecimentos devem ser feitos em particular a professores e instituições de La Réunion, à Biblioteca e Arquivo Nacional das Seychelles, ao Instituto Internacional de Estudos do Criolismo desse país, assim como ao Institut Mauricien em Port Louis, e no Madagáscar, ao museu de Ampombolava, ao Madagáscar Fauna an Flora Group do Ministère de l‘Environnement et Forets e aos Missionaires Oblats de Marie Immaculée.


Continuidade de trabalhos realizados no Índico e no Pacífico - Madagáscar


Com esse programa euro-brasileiro no Índico tiveram continuidade trabalhos anteriormente conduzidos de forma pioneira em vários países dessa esfera do globo, assim como em Mauricio (Veja), na Austrália e Nova Zelândia (Veja)  e em diferentes ilhas da Oceania. (Veja)


Vários desses trabalhos anteriormente realizados referenciaram-se segundo o Rio de Janeiro. Este foi o caso daqueles conduzidos em Sydney, cidade muitas vezes comparada com o Rio de Janeiro pelas dimensões de sua baía, a segunda do mundo após a da Guanabara, ou em Morea, Taiti, cuja paisagem também traz a lembrança do Rio. (Veja)


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Os ciclos de estudos agora desenvolvidos focalizaram, entre outros, um país que também possui uma baía que é comparada com aquela do Rio de Janeiro, se não pela sua beleza, pelo menos quanto às suas dimensões: Madagáscar. São relatos desses trabalhos que são publicados na presente edição, reservando as atividades em outros países para outros números da Revista Brasil-Europa.


Não bastando ser considerada a terceira do mundo em grandeza, a baía no norte da grande ilha malgache possui um acidente geográfico que continuamente lembra o Rio de Janeiro: o Pão de Açúcar.


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Trata-se de um cone que se eleva das águas da „baía dos franceses“, não distante da praia, separado da terra firme, em dimensões e em beleza muito aquém àquelas do Pão de Açúcar brasileiro, mas de grande significado cultural para os habitantes de Diégo-Suarez.


Não habitada, considerada até mesmo como „fady“ e tabuizada, marcada por crenças em preceitos relacionados com ancestrais e espíritos, essa ilhota determina a paisagem local, sendo procurada por habitantes e visitantes estrangeiros. (Veja)


O Pão de Açúcar malgache não é o único do gênero no vasto muito insular do Índico e do Pacífico. Já a associação do monte com um cone de açúcar dirige a atenção a características da cultura da cana dos séculos dos Descobrimentos e que foram de tanto significado tanto para o Brasil como para muitas ilhas do ìndico e Pacífico. (Veja)


Se no caso do Brasil tem-se sempre lembrado da cultura do açúcar na Madeira, cujas armas trazem os pães de açúcar, a presença de montes com essa denominação no Índico, em particular daquele do Madagáscar, levantam questões quanto a origens e significados e abrem perspectivas para a consideração cultural da expansão do cultivo da cana no mundo. A atenção se dirige aqui do mundo insular atlântico àquele do índico.


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De aproximações visuais e de imagens a estudos históricos de relações


A baía e a cidade de Diégo-Suarez no Madagáscar não só possibilita pela sua paisagem e pelas associações visuais e de imagens que levanta aproximações a estudos que relacionam o Madagáscar e o Brasil.


É o seu nome que dirige a atenção aos primórdios dessas relações na época das grandes navegações e dos Descobrimentos portugueses.


As questões que as explicações sobre a sua designação levantam, revelam não apenas contextos que dizem respeito a marcos fundamentais da história do Brasil, como também a reconstruções históricas que sugerem intentos de silenciamento de aspectos negativos do passado. Estudos históricos relacionam-se aqui com aqueles culturais de imagem e da própria ciência, no caso da historiografia.


Ponto de partida dos debates foi a falta de plausibilidade de elucidações da denominação segundo dois navegantes portugueses que avistaram a grande ilha no início do século XVI: Diogo Dias e Fernão Soares. No caso de Diogo Dias, que avistou , em 1500, a ilha que denominou de São Lourenço, o santo do dia, trata-se de um mareante que presenciara o ato do Descobrimento do Brasil naquele ano.


A sua plausível explicação, porém, aquela que faz o nome remontar a Diogo Soares, „o galego“, que ali esteve em 1543, dirige a atenção a um vulto questionável da história do Oriente, de má fama pelos seus crimes e atos de pirataria, envolvido pelo que tudo indica em comércio de escravos. Não só pela estória de suas ações e de sua morte por multidão indignada no Oriente, mas também pela sua recordação no presente em popular canção portuguesa, impõe-se uma perspectiva cultural no estudo histórico de fontes e cultural de imagens, no passado e no presente.


O seu nome adquire particular atualidade devido à contínua popularidade desde 1982 da canção portuguesa „O romance de Diogo Soares“ de Fausto Bordalo Dias, inspirado na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto.


A consideração de Diogo Soares dirige a atenção a seu amigo e protetor, Martim Afonso de Souza (ca. 1500-1564/1571), vulto exponente da história do Brasil. Governador, responsável pela maior expedição enviada ao país depois do Descobrimento para o reconhecimento, exploração e defesa de seus interesses sobretudo devido às atividades comerciais de franceses, Martim Afonso de Souza passou pelo Rio de Janeiro e fundou oficialmente a primeira vila no Brasil: São Vicente, em 1531.


O seu vulto, que surge agora sob luz sombria projetada por Diogo Soares, foi alvo de encontro no Museu Casa Martim Afonso de Souza em São Vicente, em 2013. Dois anos após esse encontro, pode-se agora dar continuidade no contexto do Madagáscar aos complexos temáticos então tratados, nos quais se salientou a necessidade de uma consideração de Martim Afonso não só no contexto brasileiro, mas naqueles globais em que atuou, em particular nas suas atividades no Oriente. (Veja)


Brasil e Madagáscar na história missionária e nos estudos jesuíticos


A perspectiva histórica no tratamento de relações entre o Brasil e o Madagáscar exige a consideração de fontes da história missionária, em particular daquelas da Companhia de Jesus. Pode-se, aqui, basear-se em estudos anteriores que vêm sendo desenvolvidos há 40 anos e na publicação de documentação sobretudo por eruditos pesquisadores da própria Companhia.


Da-se aqui, portanto, continuidade ao estudo contextualizado das fontes da época da expansão portuguesa sob a perspectiva cultural referenciada pelo Brasil desenvolvido nos anos 70 e 80. Os seus resultados foram tratados em publicações e em eventos vários no âmbito das comemorações de datas de 500 anos de descobrimentos na década de 90 do século XX e início do século XXI.


Esses estudos salientaram a internacionalidade da história missionária através das viagens e atuações dos religiosos entre a Europa, a América, a África e o Oriente, trazendo à consciência a necessidade de estudos que considerem os fatos e as decorrências nas várias regiões de forma relacionada.


Embora contando-se apenas com poucas fontes, dela se revelam o campo de interações determinado por Goa como centro do Estado Português da Índia e Moçambique, país do qual a então ilha de São Lourenço é separada pelo Canal de Moçambique. Os estudos relativos a esse país exigem, assim, a consideração de Madagáscar. (Veja)


Franceses no Madagáscar e no Brasil - ampliação dos estudos França/Brasil


Já nos trabalhos anteriores desenvolvidos em Maurício (Veja), na Nova Caledônia (Veja) e outras regiões do Índico e do Pacífico, salientaram-se vários aspectos que exigem uma ampliação dos estudos dedicados a relações entre a França e o Brasil a regiões extra-européias.


Nos preparativos para a consideração dos 450 anos do Rio de Janeiro, em 2014, reconsiderou-se, sob esse aspecto, o episódio da „France Antarctique“ à luz da personalidade de Nicolaus Durand de Villegagnon (1510-1571).


Em reflexões preparatórias em Malta, em 2014, salientou-se a inserção desse Vide-Admiral joanita na tradição da cavalaria militar da Ordem maltesa e no campo de tensões entre o Cristianismo e o Islão, o que traz implicações para a análise dos conflitos confessionais que marcaram essa primeira tentativa de colonização francesa no Brasil.


Dando prosseguimento a esses estudos, considerou-se em 2015 o significado da presença francesa no Madagáscar, que chegou a ser visto como „França Oriental“. Marco dessa presença nos primeiros séculos foi a cidade de Fort Dauphin no século XVII, assim como o vulto de Étienne de Flacourt (1607-1660). Este foi também autor de uma publicação que hoje surge como fonte fundamental para estudos históricos, naturais e culturais relativos ao país: a Histoire de la Grande Isle Madagáscar (1661). (Veja)


Política internacional e mudanças culturais no Madagáscar em relações com o Brasil


Assim como tratado em outros contextos, em particular no Havaí (Veja), o final do século XVIII e sobretudo o século XIX surgem em várias regiões do mundo extra-europeu como época de profundas transformações internas estreitamente relacionadas com desenvolvimentos internacionais, marcados pela concorrência de potências européias quanto a poder e interesses estrategicos e econômicos, e mesmo intervenções.


Também no Madagáscar pode-se constatar paralelos com outros contextos quanto a intuitos de unificação dos vários grupos populacionais, de transformação cultural com a atuação de missionários protestantes de língua inglesa, a reações de reafirmação da cultura tradicional, com a posterior perda de autonomia.


Uma das principais fontes para o estudo histórico-cultural no Madagáscar do século XIX relaciona-se estreitamente com o Brasil: o relato de viagens ao Madagáscar da austríaca Ida Pfeiffer (1797-1858), já pelo fato de ter sido publicado a partir de suas anotações ordenadas no Rio de Janeiro pelo seu filho, o pianista Oscar Pfeiffer. (Veja)


A consideração relacionada do relato da viagem anterior ao Rio de Janeiro (1846) dessa viajante austríaca e aquele da sua estadia na Corte de Antananarive surge como de particular relevância para estudos da imigração e colonização de língua alemã no Brasil nas suas relações com o Colonialismo como vêm sido desenvolvidos de forma pioneira pela A.B.E..


A imagem que Ida Pfeiffer transmite do Rio de Janeiro - uma das mais sombrias da literatura - revela que o seu olhar e suas intenções foram determinados pelos problemas causados pela propaganda emigratória na Europa, em particular no Império Áustro-Húngaro.


Acompanhada por cientista que se distinguiu também pelo seu empenho em questões de grupos populacionais do império plurinacional dos Habsburgs, e amparada pelo consulado austríaco no Rio de Janeiro, o seu relato traz à consciência a exigência de consideração da imigração nas suas relações com a emigração e, assim, segundo configurações políticas da época. Traz à consciência, também, os riscos quanto a seu tratamento adequado se este for conduzido segundo interesses e perspectivas de países europeus da atualidade. O estudo da imigração/emigração é tarefa da ciência, não de instâncias oficiais e oficiosas a serviço da representação.


Se Ida Pfeiffer inseriu-se nas preocupações relativas à imigração e colonização no Brasil, no Madagáscar participou na tentativa de golpe co-organizada por Joseph-François Lambert (1824-1873) e que representou um marco no processo que levaria posteriormente à instalação do regime colonial francês.


O relato de Ida Pfeiffer sobre a sua estadia no Madagáscar, em particular na Corte de Antananarive, revela-se como fonte de especial interesse para estudos de recepção cultural e de processos transculturais, em particular daqueles relativos à música e à dança. Com a observação aguçada pela sua própria formação musical, a viajante austríaca oferece não apenas dados relevantes para a história da música no Madagáscar, em particular também para a de instrumentos, como também permite o reconhecimento de mecanismos da recepção cultural européia e das adaptações e recriações do assimilado.


As indicações da recepção de danças européias como a polca e o schottisch, assim como a vinda de músico militar europeu e a formação de instrumentistas e bandas podem ser tratadas em paralelos com o Brasil. Não menos interesse desperta a atuação de Ida Pfeiffer como pianista na Corte de Antananarive, tendo sido responsável pela apresentação do primeiro piano no Madagáscar. (Veja)


Da maior relevância, porém, são os comentários de Ida Pfeiffer sobre a sega, a expressão de música e dança mais difundida e considerada como emblemática não só do Madagáscar, como também de outros estados insulares do Índico.


Um estudo atento da opinião de Ida Pfeiffer e a consideração dos estreitos elos com a cultura francesa torna possível, com base em estudos euro-brasileiros realizados em diferentes contextos, reconhecer a sega como um resultado de complexa recepção cultural no âmbito do fascínio pelo passado ibérico na França da época do Historismo e da Restauração, pondo em dúvida as explicações até hoje comuns de sua suposta origem. (Veja)


Deu-se assim continuidade, no contexto do Madagáscar, a uma discussão que teve um de seus principais momentos nos ciclos de estudos anteriormente realizados em Maurício. Já então tinha-se constatado não ser plausível a explicação de uma proveniência remontante a escravos africanos nas plantações da ilha, apesar das encenações de referências históricas de apresentações. (Veja)


Abertura no Brasil e no Madagáscar em recepção alemã e Colonialismo


A atenção à abertura comercial, política e à europeização do Madagáscar sob Radama II (1829-1863) como momento decisivo de um processo que levou por fim à instalação do regime colonial francês, traz à lembrança que à mesma época a Europa registrava a abertura dos grandes rios brasileiros ao comércio mundial, reconhecendo as dimensões amplas desse ato.


Pela passagem dos 150 anos do decreto de abertura dos rios brasileiros, surge como significativo reconsiderar publicação periódica alemã já tratada em número anterior da Revista Brasil-Europa. (Veja) Nela, a notícia referente ao Brasil surge imediatamente após aquela que trata da competição de ingleses e franceses na influência européia dos desígnios do Madagáscar. (Veja)


O período colonial francês no Madagáscar pôde ser tratado no ciclos de estudos em relações com o Brasil sob diferentes aspectos.  Em primeiro lugar, surge como significativo a quase que concomitância de desenvolvimentos urbanos desencadeados pela presença francesa em Diégo-Suarez com aquelas do Rio de Janeiro. Em ambos os lados, guardadas as dimensões, tratou-se de melhoramento de condições portuárias e de construção de uma nova cidade em substituição a antigo centro, insalubre, sem arejamento, de péssimas condições de moradia.


Se o modêlo da capital do Brasil então reconfigurada foi Paris, Diégo-Suarez revela um outro aspecto da presença francesa no mundo: o da arquitetura militar nesse porto estratégico do Índico. A leitura atenta de Diégo-Suarez pode, assim, fornecer subsídios para estudos urbanológicos de orientação cultural como desenvolvidos em programa da A.B.E. e que remonta à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. (Veja)


Em ambos os lados, porém, os estudos culturais confrontam-se com o problema do apagamento do passado causado por demolições e destruições, o que favorece a projeção anacrônica do presente no passado e dificulta a consideração de processos na sua decorrência temporal.


No caso do Rio, o „bota-abaixo“ do antigo centro apagou espaços e construções históricas dos primeiros tempos da cidade, dificultando hoje inserções empáticas num outro Rio do que aquele que a imagem da cidade reconfigurada criou. No caso de Diégo-Suarez, as contínuas destruições causadas por ciclones que, para além do descuido humano, faz com que hoje o observador se defronte com ruínas da cidade militar e com um estado arruinado da cidade comercial. (Veja)


A mulher em processos históricos do Rio de Janeiro e no Madagáscar


Um aspecto que merece ser considerado em estudos que relacionam o Madagáscar e o Brasil é o papel desempenhado pela mulher em processos culturais. Na sessão pioneira dedicada à mulher no Congresso Internacional de Musicologia do Rio de Janeiro, em 1992, assim como em cursos universitários dedicados a questões de Gênero, salientou-se a necessidade de uma condução desses estudos em dimensões globais e em direcionamento da atenção a processualidades.


Como relatado em número anterior da Revista Brasil-Europa, religiosos alemães empenhados na restauração religiosa após a proclamação da República, constataram - não sem ironia - atitudes e e de expressão de mulheres de círculos sociais privilegiados sob o novo regime. (Veja)


Não é sem interesse, assim, constatar um desenvolvimento sob certos aspectos paralelo no Madagáscar, o que deveria dar margens a análises mais aprofundadas. Em sociedade de características matriarcais e marcada mesmo politicamente pelo poder de mulheres, a instalação do regime colonial francês trouxe sensíveis transformações quanto à posição da mulher, redefinindo-a nas suas relações com as autoridades coloniais.


Nesse sentido, torna-se significativo considerar um artigo que tornou conhecida na Europa as ramatous do Madagáscar. Essas, embora pertencendo ao grupo de alta estirpe e de influência política do passado sujeitavam-se à posição de criadas de europeus, mantendo porém atitudes de orgulho e insolência, exercendo com outros meios poder sobre os europeus. (Veja)


O culto mariano no Atlântico e no Índico - a realidade da pobreza


O processo colonizador e por fim a presença da Marinha francesa, de legionários e comerciantes no país colonizado não tiveram apenas implicações para a vida secular, mas também para a vida religiosa.


Essa referenciação segundo a França e suas consequências para o presente foram consideradas sobretudo relativamente ao culto mariano, de secular história na ilha.


As dificuldades da navegação no Cabo das Tormentas e nos Baixos da Índia no Canal do Moçambique, as tempestades e ciclones, explicam a intensidade do pedido de proteção à „estrela do mar“ já no século dos Descobrimentos portugueses.


As tradições marianas de navegantes e comerciantes franceses levaram a um predomínio de referências culturais com cidades portuárias francesas marcadas pelo culto a Maria e pela linguagem simbólica naval. Formas de veneração do século da restauração católica e do missionarismo na França foram transplantadas e difundidas no Madagáscar, criando paralelos com desenvolvimentos no Brasil. No passado mais recente, processos renovadores desencadeados pelo Concílio Vaticano II levaram a transformações e a desenvolvimentos também paralelos com aqueles do Brasil.


Uma particular atenção mereceu a atuação dos Missionários Oblatos da Imaculada Conceição que, remontando nas suas origens ao direcionamento aos pobres como portadores de religiosidade à época da restauração católica na França, dedicam-se hoje à realidade da pobreza do Madagáscar, um dos mais paupérrimos país do mundo.


Também neste sentido estabelecem-se relações com o Brasil, uma vez que missionários dessa ordem também atuam junto a indígenas e necessitados do Nordeste brasileiro. (Veja)


O carnaval do Rio de Janeiro e o carnaval Donia de Nosy Be


Além de possuir uma baía e um Pão de Açúcar que despertam a imagem do Rio de Janeiro, o Madagáscar tem sido por outro motivo comparado com o Brasil: o carnaval. Trata-se aqui sobretudo do carnaval de Nosy Be, considerado como o maior festival de música e cultura do Índico. Este evento não poderia deixar de ser considerado nos ciclos de estudos realizados no Madagáscar, salientando-se porém as diferenças fundamentais entre os dois eventos.


Enquanto que o carnaval brasileiro insere-se em tradição de antiga proveniência relacionada com o fim do inverno do hemisfério norte e seus sentidos no calendário religioso, o de Nosy Be é resultado de uma nova iniciativa criadora das últimas décadas com fins de promoção turística e econômica e, reflete na sua denominação concepções teológico-pastorais „inculturativas“ relacionadas com a festa de Pentecostes. Seria com as expressões tradicionais dessa época do ano do Brasil que o festival de Nosy Be deveria ser comparado. (Veja)


Patrimônio natural no Madagáscar e no Brasil, degradação e iniciativas ambientais


Talvez a principal justificativa do significado de considerações de paralelos entre o Madagáscar e o Brasil resida na riqueza da natureza dos dois países, nas suas florestas e na sua fauna.


Infelizmente, ambos os países apresentam paralelos quanto à destruição do seu patrimônio natural, do extermínio de espécies e dos problemas resultantes da exploração de madeiras nobres ou da degradação do solo devido a queimadas. Tanto mais merecem atenção esforços de conservação e mesmo recuperação ambiental oficiais e particulares no Madagáscar.


No sentido do programa Cultura/Natureza desenvolvido pela A.B.E. (Veja), foram visitados parques florestais, sites ecoturísticos e um parque zoológico, considerando-se nos respectivos casos paralelos com o Brasil e com outras regiões visitadas de outros países.


Em Ivoloina, constatou-se uma atitude pedagógico-ambientalista que incita reflexões: o do intento de criação de uma nova mentalidade relativamente ao meio ambiente e à vida animal através de um procedimento não predominantemente racional, mas afetivo e de aguçamento da sensibilidade, possibilitando a empatia com outras formas de vida. (Veja)


No site ecoturístico de Mont Passot, registrou-se o relacionamento de tradições orais e suas imagens na conscientização de bens naturais e na sua fruição por parte de visitantes. Entre elas, destaca-se a figura do Kalanoro e que corresponde de forma surpreendente ao Curupira brasileiro. (Veja)


O Madagáscar presente no I.S.M.P.S. e nos estudos da Worldmusic


O Madagáscar pouco tem sido considerado no âmbito dos estudos culturais da lusofonia, fato compreensível pelo fato da presença e da colonização portuguesa não ter sido duradoura e ter deixado a língua como sinal de sua evidência como no Brasil.


Entretanto, a orientação do I.S.M.P.S. faz com que se inclua na área das preocupações e dos estudos em português também regiões onde não se fala o idioma mas que tiveram contatos, experimentaram a ação portuguesa ou que perderam o domínio do português com a integração em outras sociedades e culturas. (Veja)


Nesse sentido, o Madagáscar merece ser estudado, pois foi a „ilha de São Lourenço“ dos portugueses, seus primeiros descobridores da Europa e que guarda numa de suas cidades o nome de um navegante português do século XVI, ainda que de má fama.


Os estudos relativos à cultura musical do Madagáscar foram marcados por uma atenção especial  a instrumentos musicais no contexto da renovação de perspectivas no tratamento da organologia promovido pelo programa euro-brasileiro iniciado na Alemanha em 1974 e que teve um de seus primeiros momentos em conferência sobre Musicologia Interdisciplinar no Museu de Instrumentos Musicais de Berlim, em 1975. (Veja)


Decorrentes de necessidade de estudos de fundamentos reveladas no simpósio etnomusicológico voltado à África Central e do Leste de 1979, procedeu-se a levantamento de fontes históricas que também incluiram o Madagáscar. Não apenas as fontes mais antigas, mas também aquelas do século XIX e XX foram consideradas.  Essas foram tratadas em especial em cursos universitários, entre outros, de forma específica, em no Seminário de Musicologia de Bonn, em 2003.


Essas fontes - entre elas o relato de Ida Pfeiffer -, oferecem importantes subsídios para o estudo de instrumentos malgaches, também daquele que é considerado emblema nacional do país: o valiha (e o seu afim, o marovane).


A partir dessas informações e com base em resultados de estudos anteriores, procedeu-se em Nosy Be à análise de imagens de características emblemáticas representadas nesse instrumento, em particular de lemures, da árvore do viajante e do boi.


Esse instrumento surge como um dos poucos, se não o único ensinado, ao lado de instrumentos europeus, na escola de música e dança de uma das mais significativas associações musicais e culturais do Índico: Zomaré. (Veja)


Nos cursos de Worldmusic realizados em cooperação com o ISMPS, diferentes grupos e tendências do Madagáscar de projeção internacional da atualidade passaram a ser considerados.


Relativamente ao Brasil, uma particular atenção merece o Madagáscar Olodum cantada por Luiz César Pereira Caldas,, o „paí do Axé Music“, cuja letra apresenta referências à história do Madagáscar. Considerando a repetida menção dos Sakalava nessa música, discutiu-se a pertinência dessas referências no próprio contexto Sakalava de Nosy Be. O decantar da diversidade - na „imagem do arco íris do Madagáscar“ - e na política anti-discriminatória na África e no Brasil revela-se porém antes como um desideratum do que como de fato correspondente às decorrências histórico-culturais do passado e à problemática do presente. (Veja)


Antonio Alexandre Bispo



Todos os direitos reservados

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „Relações e paralelos malgache-brasileiros - riquezas e a realidade da pobreza em duas terras descobertas pelos portugueses“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 154/1(2015:02). http://revista.brasil-europa.eu/154/Paralelos_malgache–brasileiros.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
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Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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