Irredentismo, nacionalismo e fascismo

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 162

Correspondência Euro-Brasileira©

 

N° 162/1 (2016:4)



Tema em debate


Sob o impacto do ressurgimento de movimentos identitários nacionais na Europa:
lembrando o irredentismo e nacionalismo italiano nas suas relações com o Brasil:
o centenário de A. Carlos Gomes (1836-1896) no Fascismo e seus antecedentes


Trabalhos euro-brasileiros de 2016 no Trentino e Alto Adige, Brescia, Verona e Sermione

 

Este quarto número da Revista Brasil-Europa/Correspondência Euro-Brasileira de 2016 dá continuidade aos temas tratados nas edições precedentes. Também os textos nela publicados são decorrentes de reflexões encetadas sob o impacto da crise européia da atualidade e que é acompanhada por um recrudescimento de anelos nacionais, de movimentos políticos nacionalistas e identitários. (Veja)


Estabelecer pontes no tempo - no caso entre o presente e processos epocais referenciados segundo a Primeira Guerra Mundial - é procedimento sempre problemático e mesmo questionável.


Uma justificação da consideração de paralelos e similaridades reside no fato de que também o século XIX caracterizou-se pelo surgimento de estados nacionais através da unificação de territórios até então divididos em muitos estados, o que foi o caso, em particular, do Reino da Itália.


Fundamentos dos anelos nacionais foram em grande parte de natureza cultural, ou seja, o idioma comum, laços étnico-culturais, história e tradições, o que correspondia a valores e tendências em geral do século do Historismo e Romantismo.


Em contraposição, o Império dos Habusburgs - a Dupla Monarquia Áustro-Húngara - representava uma configuração de estado pluricultural, pluriétnica, plurilingual - ainda que com o predomínio do idioma alemão. O fator principal das tensões internas do império na sua complexidade residiu na intensificação de anelos nacionais dos seus muitos povos ou grupos étnico-culturais, culminando com o assassinato que determinou a Guerra.


Brescia. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Em grandes linhas gerais e sob determinados aspectos, poder-se-ia considerar os desenvolvimentos bélicos como confronto de duas concepções quanto a configurações de estado - o "de muitos povos", abrangente de territórios marcados por diferenças culturais - e o nacional, representado por nações orientadas segundo conceito de unidade de língua, de etnia, de expressões culturais, de visões históricas e de soberania em território determinado.


É nesse sentido que se justificam comparações a grosso modo com diferentes concepções de Europa no presente e com os anelos e desenvolvimentos que levam a um retorno a uma Europa compreendida antes como um complexo de nações soberanas.


A vitória do princípio nacional com o desfecho da Primeira Guerra foi acompanhada

por grandes e trágicos deslocamentos populacionais, pela retirada de grupos minoritários de regiões que passaram a ser "limpas" de elementos considerados como estranhos, assim como pelo exílio daqueles expulsos que retornaram à terra de origem de seus antepassados e que nela precisaram ser reintegrados.


Esses problemas foram mais intensamente sentidos em regiões fronteiriças, marcadas por populações de diferentes idiomas e interações culturais, como no caso do Trentino-Alto Adige ou Tirol do Sul e do Mar Adriático.


100 anos da Primeira Guerra Mundial nos estudos euro-brasileiros


A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) selou o término da antiga ordem européia e, sob muitos aspectos, preparou a segunda, determinando assim a história do século XX e os processos político-culturais que se seguiram.


Não só a entrada do Brasil na Guerra faz com que essa essa cisão da história do Ocidente deva ser necessariamente considerada em estudos relacionados com o Brasil.


O Brasil possuia múltiplos e profundos elos com instituições, personalidades, correntes do pensamento, da ciência e das artes dos diferentes países envolvidos na guerra e, sobretudo, consideráveis grupos populacionais constituidos por imigrantes das várias nações, sendo assim diretamente atingido pelas tensões já antes da sua entrada na guerra e mesmo antes de sua deflagração.


Em várias ocasiões, considerou-se em eventos euro-brasileiros sobretudo as consequências da Guerra para as colonias de língua alemã no Brasil, analisando-se contextos precedentes sob o signo da panalemanidade (Alldeutschtum) e o desenvolvimento empresarial, comercial e industrial do teuto-brasilianismo após a Guerra. (Veja)


Tem-se considerado em especial o complexo de tensões e os embates no confronto entre a esfera francesa e a alemã no Norte da França e na Bélgica, país de especial relevância nas relações do Brasil com a Europa e cuja ocupação pelas forças alemãs foi crucial para os desenvolvimentos bélicos. Neste sentido, os ciclos de estudos voltados à Primeira Guerra foram preparados e tiveram o seu início em Bruxelas e em Antuérpia.(Veja)


Torna-se necessário, porém, considerar com maior atenção a Primeira Guerra e as tensões que a ela conduziram, as suas repercussões e os seus efeitos a partir da perspectivas de outras potências nela envolvidas, em particular daquelas da Entente e dos contextos culturais e da imigração no Brasil com elas relacionados.


Entre os países que merecem especial atenção destaca-se a Itália por diferentes razões. Fazendo parte da liga trina das potências centro-européias e da Áustria-Hungria desde 1882, a Itália manteve-se de início neutra à eclosão da Guerra em 1914, declarando porém Guerra à Dupla Monarquia em 1915, passando para o lado da França e Grã-Bretanha.


Os embates conduzidos na região alpina do sul do império áustro-húngaro e na região adriática não ficaram atrás em mortancídios àqueles de regiões fronteiriças do norte da França e da Bélgica com o império alemão.


A guerra foi conduzida aqui em territórios de população italiana e austríaca, predominantemente italiana ou predominantemente de língua alemã, almejados pela Itália, causando a guerra e o seu desfecho grandes deslocamentos populacionais e profundas mudanças culturais em ambos os lados.


De conferência na Caríntia em 2014 ao Trentino-Alto Adige em 2016


Do lado austríaco, esses desenvolvimentos foram considerados em encontro euro-brasileiro por ocasião de conferência da sociedade histórica da Caríntina realizada em 2014 no lago Wörthersee, Áustria, com extensões na Eslovênia.


Nessa ocasião, lembrou-se que a Itália, recebendo a fronteira no Brenner a partir da divisória de águas dos Alpes, adquiriu não só o Trentino de língua italiana, mas sim também territórios do sul do Tirol de língua alemã. A Áustria perdeu também áreas litorâneas da parte superior do Ádria e da costa dalmatina de população que não era majoritariamente italiana.


Brescia. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
Da perspectiva das potências centro-européias derrotadas, as decorrências migratórias de retornados e exilados foram tratadas em encontro euro-brasileiro por ocasião de conferência da sociedade histórica da Caríntia em Wörthersee, em 2014.


Nela, considerou-se as implicações da situação centro-européia para desenvolvimentos culturais que tiveram consequências para o Brasil através
da vinda e atuação intelectuais e artistas austríacos e alemães para o país após a Segunda Guerra.


Nessa ocasião, salientou-se a necessidade de consideração de desenvolvimentos e suas consequências sob a perspectiva da outra parte envolvida, ou seja aquela de países vencedores, em particular a Itália, uma vez que esta, de
princípio atada às potências centrais, mudou de posição, passando a lutar contra a Áustria-Hungria.


Com esse ato, a Itália deu prosseguimento, com a guerra no Tirol, no Trentino, Veneza e outras áreas fronteiriças a um processo de décadas dirigido contra a presença austríaca no Norte da Itália e em regiões requisitadas como italianas do Ádria.


Na linguagem patética do nacionalismo, tratava-se de uma redenção de população italiana, de libertação de irredentos através da reconquista libertadora de territórios.


O tratamento da problemática considerada na Áustria, em 2014. e a partir da perspectiva italiana no ciclo de estudos desenvolvido no Trentino e Alto Adige, em 2016, é assim marcado pelo conceito do Irredentismo, que surge também como condutor de análises de processos culturais de imigrantes italianos no Brasil e do ítalo-brasilianismo nas suas relações com desenvolvimentos políticos internacionais.


As decorrências bélicas nessas regiões norte-italianas foram acompanhadas por mudanças de referenciais culturais e identificações, fato exemplificado por personalidades que, tendo antes adquirido formação e atuado na Áustria, passaram a ser principais protagonistas da causa italiana.


Essa mudança de referenciais determinou visões e revisões de desenvolvimentos passados, que passaram a ser vistos como antecedentes ou preparatórios, assim como determinou desenvolvimentos futuros, surgindo o Irredentismo êle próprio como preparador de caminhos para o fascismo.


Processos anteriores e posteriores à Primeira Guerra nos estudos de Carlos Gomes


É nessa complexa dinâmica dos desenvolvimentos político-culturas de regiões norte-italianas que deve ser considerado o significado que Carlos Gomes desempenhou em meios ítalo-brasileiros décadas após o seu falecimento.


Embora tendo vivido e atuado sobretudo no Norte da Itália, ali construindo a altamente simbólica Villa Brasília, o compositor brasileiro pertenceu a uma época anterior, e a sua inserção em movimentos intelectuais, artísticos e de anelos sociais de seu tempo fêz-se antes sob o signo do não-conformismo a Scapigliatura lombarda. (Veja)


Já no início de sua carreira, porém, Carlos Gomes aproximou-se de círculos políticos do consrvadorismo moderado de Milão que, embora de direita, permaneciam abertos ao diálogo com movimentos de esquerda. Destacou-se, neste sentido, o publicista  E. Torelli Viollier (1842-1900), autor de Nella Luna, Rivista di 1868, um dos primeiros sucessos de Carlos Gomes. (Veja) Essa obra traz à consciência relações entre o conservadorismo moderado político e a crítica às mudanças pelas mudanças, à procura de novidades e ao domínio da moda, à volubilidade de uma época mutável de vanidade comparável à lua com as suas fases.


Um dos principais testemunhos da participação de Carlos Gomes movimento nacional italiano e, com êle, dos anelos de integração no reino de territórios com populações italianas ainda sob a égide austríaca é o hino-marcha por êle escrita em homenagem ao exército italiano e dedicada ao ao Collegio Militare di Milano. (Veja) Essa composição surge como significativo exemplo do papel desempenhado por bandas de música e fanfarras na difusão de obras do compositor brasileiro e do seu significado no repertório de filarmônicas que serviram à intensificação de sentimentos nacionais italianos em cidades ainda pertencentes à Áustria, como Trento.


O Festival dei pianoforti di strada realizado nesta cidade trouxe à consciência que também a música para piano, em particular aquela de fantasias de ópera, colaborou à intensificação da identidade italiana, salientando-se, no caso de Carlos Gomes, elaborações de suas obras por compositores como Paolo Canonica (1846-1902). (Veja)


Se na atualidade discute-se em centros operísticos como Verona questões relativas à difusão de óperas, artistas e sua internacionalidade, cumpre lembrar, para a época de Carlos Gomes, o papel desempenhado por casas editôras e por reduções de óperas para piano no comércio, na criação e na vida musical. Uma personalidade a ser destacada neste sentido é a de Nicolò Celega (1844-1906). (Veja)


Questões identitárias em Carlos Gomes relacionam-se com aquelas de sua aceitação, por parte de italianos, como compositor cujas obras fazem parte da história da música da Itália. Neste sentido, adquire significado a sua inclusão na história da ópera na Itália do século XIX de Alfredo Colombani (1869-1900). Nela, este autor defendeu o ponto de vista que a aceitação e o sucesso de Carlos Gomes deveu-se em primeiro lugar justamente ao fato de ser visto na sua autenticidade de "aborigene americano", diminuindo a seguir com a perda de espontaneidade nos seus esforços de auto-desenvolvimento. (Veja)


Na Storia della Musica nel Brasile (1926) de Vincenzo Cernicchiaro (1858-1928), músico e musicógrafo italiano atuante no Brasil, a atenção é dirigida à latinidade de Carlos Gomes, ao fato de ter-se mantido leal a concepções estéticas da tradição italiana, mantendo distância para com tendências que visavam o novo, de cunho mais marcadamente intelectual ou especulativo. (Veja)

O Irredentismo, a situação vitoriosa da Primeira Guerra e os desenvolvimentos que levaram ao fascismo favoreceram apropriações e reinterpretações do passado, recontextualizando ocorrências, personalidades e obras a partir de posicionamentos e visões mais recentes, instrumentalizando-os.


Neste sentido, no estudo cultural dirigido à análise de processos, os estudos de Carlos Gomes que procuram considerar a sua vida e obra na situação de sua época devem ser diferenciados daqueles de sua celebração póstuma.


Assim como a linguagem emblemática republicana em monumentos e ilustrações de Carlos Gomes revela uma apropriação singular e mesmo indevida de sua imagem pelo regime instaurado no Brasil em 1889, também a sua valorização em círculos ítalo-brasileiros revelam reinterpretações e instrumentalizações explicáveis por desenvolvimentos posteriores na Itália e no meio colonial.


É inadequado e injusto projetar no passado mais remoto visões e posições posteriores que ocorreram em contextos internacionais transformados pelo desfecho da Primeira Guerra e, sobretudo, daqueles da celebração de seu centenário em 1936, ocorrido na época e sob o signo do fascismo italiano e do estado autoritário no Brasil.



Ciclo de estudos de 2016 no Trentino e Alto-Adige, Brescia, Verona e Sirmione


Para o tratamento da questão do nacional, do irredentismo e do fascismo sob a perspectiva italiana, programou-se a realização de ciclos de estudos em cidades que pertenceram à Áustria-Hungria antes da Guerra, passando a seguir a fazer parte da Itália.


Tem-se nessa região alpina e pré-alpina um confronto entre as potências centro-européias de língua e cultura alemãs com a latina italiana, ambas representadas no
Brasil por grandes contingentes de imigrantes e seus descendentes.


As implicações desse cenário da Primeira Guerra para processos culturais no Brasil apresentam diferanças relativamente àquelas do norte-noroeste do Império Alemão com a esfera francesa.


Diferentemente da presença francesa no Brasil, que era antes cultural na orientação da intelectualidade e dos artistas brasileiros segundo Paris, o conflito entre o "Norte e Roma" na região alpina e norte-adriática atingia grandes parcelas da população de imigrantes no Brasil.


A Guerra teve aqui não só repercussões em círculos sociais mais privilegiados intelectuais e artísticos na sua orientação segundo Berlim ou Paris, mas atingiu consideráveis parcelas populacionais nas regiões coloniais e nas grandes metrópoles, marcando posicionamentos políticos, visões de acontecimentos, a vida quotidiana e artístico-cultural de regiões, cidades e bairros de cidades como São Paulo, uma metrópole já então cosmopolita, mas sob muitos aspectos predominantemente italiana.


O conceito de irredentismo: "redenção", libertação de jugo e suas repercussões


A visão dos acontecimentos a partir da perspectiva da Itália e dos italianos no Brasil exige que se considere os processos que levaram, condicionaram e justificaram a guerra. Os desenvolvimentos políticos e político-culturais internos da península itálica no século XIX caracterizam-se por uma complexa diversidade de anelos, correntes e posições que, apesar de diferenças, aproximaram-se e interagiram, repercutindo nas relações do Brasil com as várias configurações de estado e com o Reino da Ítalia unificado que os suplantou.


Se o Brasil - devido aos elos da família imperial com o reino de Nápoles através da sua segunda imperatriz foi estreitamente vinculado nos seus círculos sociais mais elevados, culturais e artísticos com a ordem dos pequenos estados reestabelecida pela Restauração no passado (Veja) - co-participou também com a sua grande população italiana, intensamente no movimento revolucionário do Risorgimento, cujo principal ativista foi Giuseppe Garibaldi (1807-1882).


O processo unificador que levou a um reino nacional significou fundamentais mudanças de relações internacionais, de suplantação de configurações de estado trans-ou plurinacionais, sendo uma das esferas conflitantes aquelas com o império de muitos povos da Áustria-Hungria.


As regiões de população de língua alemã do sul do Tirol - o Trentino - assim como de áreas fronteiriças no Friaul/Gradisca eram aquelas requisitadas pelo Reino nacional italiano, vistas como "não-redentas". A exigência dessas regiões era uma compensação para a aceitação de política de expansão austro-húngara na região balcânica, era vista, porém, da perspectiva do império dos Habsburgs, como espoliadora e atentadora à sua integridade territorial.


O assim-chamado Irredentismo, o anelo nacionalista italiano de recuperação de territórios com população italiana do Trentino e do Trieste vistos como "não-redentos" sob o domínio austríaco, atingiu também círculos da imigração italiana no Brasil. Passando a ser representado por políticos, intelectuais e artistas que tinham recebido formação e atuado em Viena e em outras cidades austríacas, determinou com a Guerra o desenvolvimento do pensamento, da literatura e das artes, assim como atividades de instituições que tiveram repercussões em meios de liderança cultural da imigração italiana no Brasil.


Exemplo significativo do decantar da nacionalidade italiana e da liberação de cidades e regiões sob a égide austríaca por aprte de italianos residentes no Brasil é "A Partenza dé Riserviste dó Brasile" de Savino de Benedictis (1883-1971), cançoneta escrita para o embarque de reservistas italianos de São Paulo para as lutas no Trentino e Trieste em 1915. (Veja)


A vitória dos países aliados contra as potências centro-européias, e assim a Itália - e o Brasil - trouxe uma intensificação eufórica do movimento guiado pela idéia de um estado nacional - de um nacionalismo que se opôs ao estado de "muitos povos", pluriétnico e pluricultural dos Habsburgs. ímpeto e convicção ideológica que podem explicar a empatia de italianos da imigração a correntes nacionais e nacionalistas da América do Sul.


O nacionalismo italiano torna também compreensível a co-participação de italianos na América do Sul na celebração de datas nacionais em países sul-americanos de forte contingente imigratório, entre êles o do centenário da Argentina antes da Guerra e, sobretudo, o da Independência do Brasil, em 1922, para a qul o mencionado S. de Benedictis compôs poema sinfônico comemorativo, executado na inauguração do monumento do Ipiranga. (Veja)


Torna compreensível, também, a italianidade da linguagem visual, retórica e encenatória de monumentos e de espaços urbanos celebrativos da nacionalidade em grandes cidades sul-americanas, seja Buenos Aires, seja São Paulo. Neste sentido, a capital paulista destaca-se entre todas as metrópoles do mundo pela configuração melodramática de seu centro com o monumento a Carlos Gomes de Luigi Brizzolara (1868-1937). (Veja)


Entre-guerras: do centenário da Independência do Brasil (1922) ao de Carlos Gomes (1936)


Os anos de entre-guerras nas interações culturais ítalo-brasileiras merecem ser analisados sob a perspectiva dos desenvolvimentos que, precedidos pelo movimento nacionl e irredentista anterior à Guerra levou da euforia pela vitória ao fascismo da década de 30. Exemplo significativo dessas relações é o hino a Carlos Gomes com texto por imigrante italiano para o Centenário da Independência do Brasil em 1922 e posto em música por Riccardo Zandonai (1883-1944) para o centenário do compositor, em 1936. (Veja)


Decisivo fator no significado adquirido por esse centenário foi a posição tomada pelo Brasil relativamente às sanções colocadas pela Liga das Nações à Itália devido à invasão da Etiópia. Os italianos no Brasil acompanhavam há muito os interesses coloniais italianos na África, como dá testemunho o canto etiópico celebrativo escrito por Agostino Cantù (1878-1943), professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. (Veja)


O gesto do Brasil negativo às sanções, visto pela Itália como manifestação de amizade, levou, como retribuição, à celebração oficial do centenário de Carlos Gomes, sob o patrocínio de Benito Mussolini (1883-1945). O evento foi organizado pela Associazione Amici del Brasile, na qual tomavam parte jovens ítalo-brasileiros da A.O.I. (Africa Oriental Italiana). (Veja)


Nessas celebrações, em particular naquelas da apresentação de Il Guarany em Milão, deve-se destacar o papel desempenhado por círculos femininos, um fato que vem de encontro ao atual interesse nos estudos culturológicos europeus pelo papel da mulher e da moda em regimes totalitários de meados da década de 1930. (Veja)


Principal personalidade feminina nessas celebrações foi a filha e biógrafa de Carlos Gomes, Itala Gomes Vaz de Carvalho que, no Rio de Janeiro, publicou, no jornal feminino Tanagra, artigo que colocou em evidência sobretudo a mulher do compositor. (Veja)


A leitura atenta de seus textos aguçam a sensibilidade a questões de reconstruções históricas segundo critérios valorizadores da família no contexto político-ideológico dos anos 1930 e que não bem correspondem aos fatos da segunda metade do século XIX. Considerar essa problematíca é de significado atual, uma vez que, nos movimentos nacionais e identitários de direita do presente também se registram anelos de defesa de concepções morais e de família que idealizam o passado.


A constatação desses problemas historiográficos levou a que aspectos particulares da vida de Carlos Gomes, em particular os seus conflitos matrimoniais, assumissem particular interesse em estudos de Gênero levados a efeito em seminários de universidades alemãs. No exemplo de sua composição Divorzio, analisou-se a problemática da indissolubilidade do casamento na Itália do passado. (Veja)


No Brasil, o papel da mulher nas celebrações do centenário de Carlos Gomes pode ser considerado em especial à luz da Instrução Artística do Brasil (IAB). Na sua constituição e concepção, essa organização revela relações entre ensino, exercício profissional e difusão cultural resultantes sobretudo da formação musical em conservatórios de musicistas e de professoras de música em Escolas Normais. (Veja) Os eventos promovidos pela IAB e pela Academia Paulista de Letras para o centenário de 1936 revelam também elos entre o paulistanismo resultante da Revolução de 32 e processos identitários dos imigrantes europeus em São Paulo.


Esses elos entre o meio intelectual e musical marcado por paulistanidade e círculos da imigração italiana e alemã de São Paulo tiveram a sua maior expressão no festival comemorativo do centenário de Carlos Gomes organizado pelo Instituto Musical de São Paulo e levado a efeito no Club Germania. (Veja) Se as relações entre a Itália e a Alemanha tinham estado abaladas com o desfecho da Primeira Guerra, os desenvolvimentos políticos que levaram aos estados totalitários explicam aproximações que tiveram também a sua repercussão nas colonias de imigrantes no Brasil. Cooperações entre italianos e alemães na vida musical de São Paulo tiveram a sua principal expressão na prática camerística de concertos. Significativamente, foi essa a época do (re-)descobrimento e da primeira audição do Quarteto de Carlos Gomes. (Veja)


Este quarteto, singular no contexto fundamentalmente lírico da obra do compositor, considerado nos trabalhos anteriormente desenvolvidos na Villa Gomes em Maggianico/Lecco (Veja), deve ser considerado não só no contexto da prática camerística de concerto de Milão da sua época e do Brasil no século XIX, como também a partir da situação modificada do desenvolvimento da música de câmara de concerto no período posterior à Primeira Guerra.



Antonio Alexandre Bispo





Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.“ Sob o impacto do ressurgimento de movimentos identitários nacionais na Europa -
lembrando o irredentismo e nacionalismo italiano nas suas relações com o Brasil: o centenário de A. Carlos Gomes (1836-1896) no Fascismo e seus antecedentes “
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 162/1 (2016:04). http://revista.brasil-europa.eu/162/Irredentismo_e_nacionalismo.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne





 






Título e coluna: Brescia
No texto: Wörthersee e Verona
Fotos A.A.Bispo 2016 e 2014©Arquivo A.B.E.

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________